A nova postura de Bolsonaro sobre a Lava Jato e a resposta de Luiz Fux

Recente discurso do presidente sobre a operação ocorre em um contexto de ceticismo quanto ao atual compromisso em enfrentar a corrupção

Equipe InfoMoney

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SÃO PAULO – Era para soar como um autoelogio, mas o pronunciamento em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que “acabou” com a Lava Jato porque não havia mais corrupção no governo federal gerou forte reação dos defensores mais ferrenhos da operação, que tem enfrentado uma série de derrotas políticas e jurídicas nos últimos anos.

Este foi um dos assuntos do podcast Frequência Política. programa é uma parceria entre o InfoMoney e a XP Investimentos. Ouça a íntegra pelo player acima.

O discurso ocorre em um contexto de ceticismo quanto ao compromisso da atual administração em enfrentar de forma enfática a corrupção, embora tenha defendido tal postura durante a campanha eleitoral. Defensores das forças-tarefas costumam lembrar de ao menos quatro episódios que reforçam tal impressão.

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A primeira envolve a escolha de Augusto Aras para o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), em setembro de 2019. O procurador não constava da lista tríplice apresentada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), o que atraiu olhares desconfiados desde o início dos trabalhos. A cada posição favorável aos interesses do Palácio do Planalto, crescia o desconforto.

A segunda remete à decisão de Bolsonaro por não trabalhar pela aprovação do chamado “pacote anticrime” no desenho desejado pelo seu então ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública). O texto acabou sofrendo profundas modificações no parlamento.

As supostas tentativas de interferência política de Bolsonaro sobre a Polícia Federal – que culminaram no pedido de demissão de Moro – e em órgãos de controle como a Receita Federal e o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) também são frequentemente mencionadas pelos lavajatistas.

Mais recentemente, a indicação do desembargador Kassio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), para a vaga do ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF) passou a integrar a lista. O magistrado é visto como “garantista”, tem boa relação com parlamentares e já fez críticas a alegados excessos cometidos pela Lava Jato.

A escolha deve tornar a situação para a operação ainda mais difícil no tribunal, reduzindo o número de ministros alinhados. Mas as forças-tarefas ao menos tiveram um alento nesta semana, com a decisão da Corte de retirar das Turmas julgamentos sobre ações penais.

Com isso, processos envolvendo a Lava Jato devem deixar a Segunda Turma – grupo que Kassio Nunes deverá integrar caso tenha sua indicação aprovada pelo Senado Federal. Como a pauta do plenário é definida pela presidência, o ministro Luiz Fux, que assumiu o comando no mês passado, poderá ter maior controle sobre o timing de submeter a votação temas caros aos procuradores. Um potencial de redução de danos à operação diante de uma composição menos favorável a ela no tribunal.

“Vimos uma reação do ministro Luiz Fux, sempre identificado com a pauta de combate à corrupção e a defesa da Lava Jato. Foi uma forma justificada de começar a dar uma resposta àquilo que ele falava nos bastidores antes de assumir a presidência, que veríamos uma mudança de ares em relação ao que a Lava Jato vinha passando no Supremo nos últimos tempos”, observa a analista política Debora Santos, especialista em assuntos jurídicos na XP Investimentos.

Nos bastidores, há uma avaliação de que o fato de não ter sido consultado ou mesmo comunicado por Bolsonaro da escolha do novo ministro – ao contrário de outros colegas do tribunal, como os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes – incomodou Fux, que aproveitou para dar um recado em defesa do lavajatismo.

“Não é uma solução mágica do ministro Fux para resolver todos os problemas da Lava Jato e para neutralizar essa visão mais favorável ao réu no STF. Mas é uma forma de equilibrar um pouco e dar um pouco mais de chance para que o tema seja debatido em um plenário mais amplo e com vozes diferentes”, avalia a analista.

“É uma demonstração de que o governo precisa considerar o ministro Luiz Fux nas equações também quando se tratar de Supremo. Apesar de lembrarmos que Fux é muito alinhado com a equipe econômica do governo e com essas questões que, com o pensamento da maioria do governo, nessas questões econômicas. Vimos a atuação dele naquele julgamento das refinarias da Petrobras”, complementa.

A decisão de retirar das Turmas processos penais também ocorre em um contexto de menor volume de casos nesta área acumulados no Supremo, diante da celeridade gerada pelas formas de processo eletrônico, sessões virtuais e, principalmente, de mudanças na regra do foro privilegiado, que reduziu o número de processos envolvendo figuras políticas no tribunal.

Politicamente, a solução construída por Fux também reduz o peso que o voto do novo escolhido por Bolsonaro teria sobre casos de interesse do presidente no Tribunal. Com a mudança, Kassio Nunes passa a ser um voto em 11, e não mais um em cinco, como ocorreria com julgamentos na Segunda Turma.

O assunto foi abordado na edição desta semana do podcast Frequência Política. Você pode ouvir a íntegra pelo SpotifySpreakeriTunesGoogle Podcasts e Castbox ou baixar o episódio clicando aqui.

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