A estratégia de Temer para não virar uma “rainha da Inglaterra” após a votação da 2ª denúncia

Tudo dependerá de um placar relativamente robusto, que se assemelhe ao da primeira denúncia - para tanto, o presidente se mobiliza e muito para agradar a base

Lara Rizério

Publicidade

SÃO PAULO – 172 votos. É disso que o governo de Michel Temer precisa para conseguir barrar a denúncia contra ele na Câmara dos Deputados. Aliás, até menos, se considerar que o que contam mesmo são os 342 votos que a oposição teria que conseguir para o prosseguimento da denúncia contra o presidente, o que dificilmente deve acontecer. 

Porém, o maior temor do presidente não é que ele não alcance o número de votos para barrar a denúncia, mas sim que a sua vitória não seja consistente o suficiente para que ele mantenha força para comandar o governo nos próximos quatorze meses.

Uma vitória pouco robusta, por um placar abaixo do que ele obteve na primeira votação em agosto, de 263 votos favoráveis a ele, é vista quase como uma derrota para o presidente, em um momento em que ele quer mostrar força para prosseguir com medidas de ajuste fiscal. Em destaque, está a reforma da Previdência, ainda em que termos bem mais robustos do que antes de maio, quando houve a explosão do “Joesleygate”. Temer busca preservar a adoção da idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para as mulheres se aposentarem, com período mínimo de 25 anos de contribuição; a regra de transição; e a unificação dos regimes previdenciários do setor público e da iniciativa privada. 

Continua depois da publicidade

Caso o cenário de votação mais fraca se concretize, pode ganhar mais força a teoria de que, em acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, Temer deveria optar por uma gestão compartilhada com o Congresso, de acordo com reportagem da Folha de S. Paulo do último fim de semana. Conforme informou a publicação no último fim de semana, aliados de Maia querem gabinete com membros do governo e parlamentares para articular reformas, numa espécie de parlamentarismo branco, algo que Temer quer evitar. 

Para tanto, mesmo sem querer divulgar as contas que estão sendo feitas, o governo mapeia os insatisfeitos e traça um cenário sobre quantos votos há para barrar a denúncia. De acordo com a coluna Radar Online, da Veja, as previsões mais pessimistas no Planalto preveem 210 votos para barrar a segunda denúncia que será analisada pela Câmara na próxima quarta-feira. Por lá, a margem de segurança entre eles seria de 200 votos. Já aliados do governo, reunidos com o presidente  na noite de segunda-feira, saíram do encontro otimistas de que o arquivamento da segunda denúncia virá por uma margem parecida com a obtida na votação da primeira denúncia em agosto, segundo a Agência Brasil. “Deveremos ter entre 260 e 270 votos”, disse Beto Mansur, vice-líder do governo na Câmara.

Diversos agrados à base

Entre pessimistas e otimistas, o governo faz de tudo para conseguir apoio para uma votação robusta, agradando a base ruralista, liberando emendas parlamentares e nomeando afilhados políticos em cargos no segundo e terceiro escalões do Executivo. 

No último sábado, Temer assinou um decreto que permite converter multas ambientais ainda não pagas em prestação de serviços na área – quem aderir terá desconto de 60% nas multas. A expectativa é de que, com isso, o presidente agrade a base rualista.

Além disso, o jornal O Estado de S. Paulo destaca os esforços dos articuladores políticos do governo, concentrados no convencimento de um grupo de 30 a 40 deputados da base aliada que ameaçam votar contra o peemedebista. De acordo com o jornal, a tropa de choque do governo avaliava ter garantidos 240 votos e trabalhava para conseguir um placar que chegue ao menos aos 263 obtidos no primeiro resultado. O governo está com dificuldades mesmo dentro PMDB que, diferentemente da primeira votação, não deve fechar questão para obrigar seus deputados a votarem pela rejeição da denúncia. Partidos do Centrão, como o PR e PSD, também não vão adotar essa medida. O fechamento de questão pode implicar em punição a quem não seguir a orientação do partido. Assim, a estratégia é liberar emendas parlamentares e nomear afilhados políticos em cargos no segundo e terceiro escalões do Executivo para conquistar mais votos.

Desde 14 de setembro, quando a Procuradoria-Geral da República apresentou a denúncia por organização criminosa e obstrução da Justiça contra Temer, o governo liberou quase R$ 829 milhões em emendas. Do valor total previsto para este ano, R$ 6,8 bilhões, o Planalto ainda tem cerca de R$ 1,6 bilhão para transferir aos parlamentares, ressalta o jornal. 

Entre um dos exemplos de uso de cargos, o Valor Econômico de segunda-feira destacou que Temer determinou a troca de vários superintendentes da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) nos Estados, para agradar aliados antes da votação da segunda denúncia.  Esse expediente já tinha sido usado em agosto, quando o plenário da Câmara arquivou a primeira denúncia contra Temer.

Mesmo assim, ainda há os insatisfeitos com a primeira denúncia, que avaliaram não terem sido recompensados de maneira correta ou que os traidores não foram punidos devidamente (principalmente os do PSDB). Neste sentido, o governo apontou que vai endurecer o discurso com sua base aliada e oferecer o apoio da máquina federal nas eleições de 2018 apenas aos deputados que votarem para barrar a segunda denúncia, informa a Folha de S. Paulo. Em conversa com deputados, ministros e líderes partidários passaram a dizer que traições e omissões na votação desta semana não serão toleradas e aqueles que ficarem contra Temer serão tratados como oposicionistas até o fim de seu mandato –e, portanto, não terão acesso a cargos e à estrutura do governo federal em 2018.

Além disso, ganhou destaque nos jornais dos últimos dias a notícia de que o esforço do presidente Michel Temer para derrubar a denúncia paralisou a agenda econômica, fazendo com que o governo adiasse medidas destinadas à retomada dos investimentos e de ajuste fiscal. Temer desistiu de fazer a concessão de 14 aeroportos no seu mandato, alterando o cronograma do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), anunciado em agosto. Elas agora ficarão para 2019, informou o jornal O Globo em matéria do último fim de semana. Já as medidas propostas pela área econômica para equilibrar o Orçamento de 2018 estão paradas na Casa Civil.

O governo teria ainda desistido das medidas provisórias para ajustar o Orçamento, diz a Folha. Como forma de agradar o presidente da Câmara, Temer deixará a cargo do Congresso encontrar uma saída para os cerca de R$ 14 bilhões necessários. As Medidas Provisórias que vão para a gaveta incluíam o adiamento do reajuste e o aumento da contribuição previdenciária dos servidores federais, além de taxar fundos exclusivos de investimento.

Conforme apontou a Folha, Temer deixou claro em conversa com aliados que não desistiu da reforma da previdência e defenderá pauta prioritária após denúncia. E, de acordo com a consultoria de risco político Eurasia Group, o placar da denúncia realmente será importante para a votação de uma reforma, ainda que mínima (veja mais clicando aqui). Porém, para manter a sua base de apoio e manter força para seguir de fato no comando do país, o presidente pode pagar um preço caro. 

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.