19 operações contra corrupção diminuem otimismo com Lava Jato

“Às vezes, existe o crime perfeito. Não porque o crime realmente tenha sido perfeito, mas porque a investigação não foi”

Bloomberg

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(Bloomberg) — O procurador da República, Frederico Paiva, lembra que estava com a camisa encharcada de suor, mesmo com o ar-condicionado do tribunal a todo vapor. Ele e o parceiro Marlon Cajado imploravam a um juiz para que ele estendesse a permissão para o uso de escutas que havia ajudado a dupla a descobrir um esquema que, segundo eles determinaram, tinha privado o Brasil de até R$ 19 bilhões em impostos sonegados.

Eles não tiveram sorte. Paiva tem dificuldades para entender por quê. A Operação Zelotes, o caso no qual havia apostado sua carreira, não avançava como deveria. O policial federal Cajado tentou consolá-lo de certa forma. “Olha, não adianta”, Paiva lembra de escutá-lo dizer. No Brasil “as coisas não andam”.

O revés de 2014 foi o início de um típico obstáculo às investigações contra a corrupção no Brasil, onde a Zelotes é uma entre pelo menos 19 grandes operações que se desenrolam nesse ano à sombra da celebrada Operação Lava Jato. A maioria tem nomes mais curiosos — Operação Mar de Lama, Operação Falso Domicílio, Operação Tabela Periódica –, mas se a história servir de parâmetro, nenhuma chegará perto de igualar a investigação que envolveu integrantes da elite, incluindo um ex-presidente da República e o antigo chefe do maior banco de investimento independente da América Latina.

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Essa enorme operação, focada em um esquema de pagamentos de propinas ligado à Petrobras, foi comemorada dentro e fora do país e considerada uma prova de que o Brasil leva a sério a repressão a magnatas e políticos aproveitadores e a destruição da cultura da impunidade. A realidade, contudo, pode estar no estado atual de operações como a Zelotes.

A Lava Jato “é uma mudança significativa, mas não é um divisor de águas”, disse Christopher Garman, diretor-gerente da Eurasia Group em Washington.

Paiva está resignado. Seu parceiro Cajado estava certo, disse o procurador em seu escritório, em Brasília. “No Brasil, a corrupção não é a exceção. É a regra.”

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Sem fiança
A Operação Zelotes ganhou manchetes por conta própria, com acusações contra indivíduos como o bilionário Joseph Safra, dono da segunda maior fortuna do Brasil, e o banqueiro Luiz Carlos Trabuco Cappi. Ambos negaram irregularidades. Mas a Zelotes sofreu uma redução nítida de seu escopo, ao passo que a Lava Jato avança a todo vapor, com mais de 200 acusados e 23 condenados até o momento.

Paiva, 39, que usa óculos de aro metálico, disse que precisou redirecionar a investigação e desistir de alvos potenciais devido à falta de recursos e às pragas comuns da ineficiência e das brigas internas. A Lava Jato é liderada por um juiz liberado de outras responsabilidades e apoiada por uma força-tarefa de mais de 70 profissionais, incluindo cerca de uma dúzia de procuradores. A Zelotes conta com apenas dois investigadores e um grupo rotativo de juízes que cuidam de milhares de casos.

Cajado foi transferido em maio e nenhum substituto foi nomeado para trabalhar em tempo integral. As escutas nunca foram retomadas. O juiz que as impediu acusou Paiva de calúnia depois que o procurador reclamou que ele estava obstruindo a investigação. Nove pessoas foram acusadas, mas estão apelando em liberdade — sem pagamento de fiança.

‘Propícia à corrupção’
Esse é o desfecho esperado no Brasil, onde procedimentos complicados permitem que os casos se arrastem até a sepultura. “Muitas pessoas morrem antes de esgotarem as apelações”, disse David Fleischer, professor emérito de Política da Universidade de Brasília. “Se você é rico e pode contratar um bom advogado, você pode adiar a prisão por 20 a 25 anos.”

Um dos problemas, afirma, é que não existe precedente judicial: a decisão de um tribunal não serve de base para os demais, o que abre caminho para discussões intermináveis sobre os mesmos pontos técnicos. A maioria dos juízes está simplesmente sobrecarregada.

“A forma como o sistema funciona é muito propícia à corrupção”, disse Fleischer.

Ex-promotor público e ex-juiz de primeira instância responsável por julgar pequenos delitos, Paiva entrou no Ministério Público Federal no início de 2014. Paiva recebia duas ou três acusações por semana sobre irregularidades cometidas por funcionários públicos ou empresas. A maioria não dava em nada. Foi então que, depois de alguns meses, chegou uma carta assinada com nome e endereço falsos.

A carta dizia que estavam sendo pagas propinas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, conhecido como Carf, ao qual as empresas vão para terem os pagamentos de impostos reduzidos ou arquivados. Os detalhes eram quase inacreditáveis. Era óbvio, disse Paiva, que “esse caso merecia uma atenção especial”.

Ritmo glacial
Ele e Cajado começaram a trabalhar. O juiz designado para a Operação Zelotes concedeu permissão para escutar linhas telefônicas de cerca de 50 pessoas, incluindo membros da cúpula do Carf. Cajado afirma que o que ele escutou era de cair o queixo. Como os servidores públicos combinavam as propinas era impactante “com uma normalidade, os risos, tão jocoso.”

Durante 90 dias, a dupla escutou as conversas e prestou contas ao juiz a cada 15 dias, conforme exigido por lei. E então o juiz deixou o caso por um ano para preencher um cargo rotativo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e seu substituto, Ricardo Leite, interrompeu os grampos em novembro de 2014. Leite preferiu não comentar esta reportagem.

“Não fazia nenhum sentido”, disse Paiva. “As pessoas estavam negociando corrupcão pelo telefone e ele mandou parar. Por quê? Não tenho ideia.”

A investigação continuou, mas Paiva ficou frustrado com o que considerou um ritmo glacial, enquanto as evidências das operações de busca ficavam paradas na fila e as decisões demoravam meses. Ele entrou com pedido no Tribunal Regional Federal em junho de 2015 para remover Leite da função por supostamente travar a investigação; o tribunal nunca emitiu uma decisão. Leite entrou com queixa-crime por calúnia, que foi rejeitada.

‘Crime perfeito’
A Operação Lava Jato foi um ponto fora da curva desde o início. Baseada em Curitiba, a cerca de 1.400 quilômetros de Brasília, ela é encabeçada por um juiz, Sérgio Moro, que lidera uma equipe de procuradores e policiais federais com os quais combate o crime no Estado do Paraná há mais de uma década. Trata-se de um grupo fechado que reuniu recursos e superou os obstáculos que têm travado outras investigações.

Paiva pode estar desiludido, mas diz que não se arrepende dos últimos dois anos. Segundo ele, desde o início da Operação Zelotes, as decisões do Carf começaram sem dúvida a ser mais justas. Antes de a investigação chamar a atenção para o assunto, o Ministério da Fazenda confiava em que os integrantes da cúpula do Carf se declarariam incompetentes para decidir sobre o caso de uma determinada companhia se houvesse conflito de interesses. A Zelotes apontou casos em que houve conflito, de fato, e o ministério afirmou em comunicado que modificou a política para que se tornasse “ainda mais clara e rigorosa no tocante às restrições”.

No momento, Paiva espera recuperar até R$ 5 bilhões (US$ 1,5 bilhão) em impostos. Além de oito investigações iniciadas contra 36 indivíduos, ele disse ter “evidências fortes” para apresentar acusações contra mais oito. Cerca de 10 membros do Carf foram implicados pela Polícia Federal. Mas o procurador tinha originalmente 70 empresas na mira — e agora calcula que, com sorte, apanhará 16.

“Às vezes”, diz ele, “existe o crime perfeito. Não porque o crime realmente tenha sido perfeito, mas porque a investigação não foi.”

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