Petrobras: como gestores de fundos reagiram à interferência de Bolsonaro

Com forte queda dos papéis, estatal perdeu R$ 32,4 bilhões em valor de mercado na sexta-feira

Mariana Zonta d'Ávila

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SÃO PAULO – Vista até então como uma das melhores empresas da bolsa brasileira nos últimos tempos, com valorização de nada menos que 23,5% (PETR4) e 25,4% (PETR3) de suas ações no ano até o dia 11 de abril, a Petrobras foi bastante penalizada nesta sexta-feira.

O mercado reagiu em peso à decisão do presidente Jair Bolsonaro de intervir na política de preços da estatal. Os papéis preferenciais (-7,75%) e ordinários (-8,54%) despencaram hoje, e responderam pelas maiores baixas do Ibovespa. A empresa perdeu R$ 32,4 bilhões em valor de mercado.

A suspensão do reajuste do preço do diesel a pedido do Palácio do Planalto desencadeou um movimento de venda dos papéis da empresa, que se estendeu a outras companhias estatais, como BR Distribuidora (-4,10%), Banco do Brasil (-3,17%), Cemig (-3,11%), Sabesp (-2,88%), Eletrobras ON (-5,24%) e Eletrobras PNB (-4,97%).

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Gestores de recursos consultados pelo InfoMoney se mostraram bastante desconfortáveis com a notícia e receosos com o futuro da empresa, em meio a perspectivas até então bastante favoráveis vinculadas ao plano de negócios instituído com a gestão do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. Os fundamentos são bons, mas receios com relação à governança e ao grau de ingerência na estatal surgiram no horizonte.

A própria permanência do presidente no cargo virou um ponto de incerteza, relembrando o episódio de pedido de demissão de Pedro Parente em junho de 2018. Na ocasião, o executivo saiu desgastado da Petrobras também por conta de pressões sofridas durante a greve dos petroleiros, diante da política de preços de combustíveis adotada em sua gestão.

Ainda que compartilhem de preocupações e críticas à decisão de Bolsonaro, não há unanimidade dos gestores em termos de alocação, com uma parte preferindo se desfazer dos papéis da Petrobras, outra optando pela compra diante da forte queda dos preços e um terceiro grupo decidindo aguardar para eventualmente tomar uma decisão.

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Venda

No grupo das casas que decidiram reduzir a exposição aos papéis da Petrobras está a Occam Brasil. Carlos Eduardo Rocha, o Duda, que comanda a gestora, disse que zerou a pequena posição do fundo multimercado na estatal logo no início do pregão.

“Estou um pouco mais protegido, porque estamos no capítulo do purgatório da previdência. A articulação política não está clara, não está encaixada. Já vínhamos com a cabeça de proteger e reduzir as posições”, afirmou. “Continuo otimista para frente, mas mesmo uma história de aventura tem alguns capítulos de terror.”

Na visão de Duda, o mercado já estava fragilizado e o episódio foi um gatilho para o movimento vendedor. Ele avalia que a interferência do governo sobre a política de preços da Petrobras foi um fato isolado e que é preciso aguardar o desenrolar da negociação para ver como a conta vai fechar. “Acho que vai demorar para se resolver.”

Manutenção

Com um tom de maior preocupação, Pedro Chermont, sócio fundador da Leblon Equities e cogestor dos fundos da casa, está de olho nos reflexos da ingerência na política de preços sobre a futura venda de refinarias pela Petrobras. “Enquanto houver essa indefinição no modelo de precificação de combustível, será praticamente impossível atrair um sócio privado ao negócio de combustível”, comentou.

Por ora, a Leblon decidiu não mexer na carteira. Do ponto de vista dos fundamentos, Chermont avalia que os papéis da Petrobras seguem baratos e continua confiante na tese de venda de ativos, desalavancagem e foco no “core business” da empresa. Ele pondera, contudo, que a mensagem transmitida com a decisão de hoje foi muito ruim e gerou uma série de incertezas sobre outras estatais.

“Temos um presidente recém-convertido ao neoliberalismo, e essa convicção vem sendo testada, assim como a maneira como ele lida com os episódios. Se algum subsídio precisa ser dado, que seja de maneira transparente, pelo Tesouro”, aponta Chermont, para quem o governo se colocou em uma situação difícil de ser revertida e expôs fraqueza ao ceder a apelo dos caminhoneiros.

A Moat Capital também preferiu não alterar a posição em Petrobras, que já tinha sido recentemente reduzida por conta dos níveis de preços do papel e do petróleo, e ainda pela visão de que os principais “triggers” de curto prazo já haviam passado, conta Cassio Bruno, fundador e gestor da Moat Capital.

A casa decidiu não se movimentar, enquanto analisa se a decisão de adiar o reajuste do diesel foi conjuntural ou estrutural. A forte queda de todas as ações de estatais foi entendida por Bruno como “certo exagero” do mercado. “Não nos parece estar tendo ingerência política a torto e a direito, nos parece um negócio muito mais pontual. Parece que houve um excesso de precaução e o governo se apressou a tomar uma atitude”, ressaltou o gestor, que aguarda novas informações.

Com avaliação semelhante, a Mauá Capital preservou a exposição à Petrobras no portfólio, em torno de 10%. Embora o impacto financeiro da medida seja visto como pequeno, Renato Ometto, sócio da casa, chama atenção para o efeito provocado sobre a BR Distribuidora, que perdeu quase R$ 1,1 bilhão em valor de mercado na sexta-feira. A estatal analisa a venda de uma fatia detida na distribuidora.

“Financeiramente você tem um impacto de valor de mercado e do que vem pra frente. Se o presidente da Petrobras vai ficar ou se vai sair como o Parente saiu, e qual seria a pessoa competente para assumir um cargo como esse”, pontuou Ometto, que citou o grau de desconforto gerado pelo governo e um novo questionamento em torno da governança da estatal.

“Não sei o quão perto estamos de uma próxima greve, mas, se no menor dos rumores, já tivemos uma ação, o caminhoneiro viu que está com a faca e o queijo na mão.”

Por que manter, então, as ações na carteira? O sócio da Mauá diz enxergar ainda muito valor na Petrobras, com fundamentos positivos, ainda que tenha que adicionar na análise o receio com a governança e sua autonomia.

Compra

Já na parcela das gestoras mais otimistas está a Quantitas, que aproveitou a forte queda dos papéis para aumentar a exposição em Petrobras, de 10% para 14% nos fundos. “Estamos comprando”, disse Wagner Salaverry, sócio responsável pela gestão da renda variável. “Castello Branco foi eleito com um discurso liberal na economia, então é um teste para ver se ele é mesmo, porque modificar a política de preços não é nada liberal.”

Mesma postura teve a Alaska. Henrique Bredda, gestor do fundo de ações Alaska Black, conta que decidiu comprar ações da Petrobras, empresa que responde por cerca de 9% do fundo.

Bredda associa o episódio desta sexta-feira ao vivido pela Petrobras durante a greve dos caminhoneiros de 2018, com a saída repentina de Pedro Parente em um governo Temer sem popularidade. Na época, lembra, o mercado colocou nos preços a volta dos subsídios e a Petrobras sendo usada como um braço de política monetária, o que derrubou o valor das ações. “Foi uma baita oportunidade de compra. O mercado ficou histérico, mas errou”, avalia Bredda, para quem o fato atual é menos drástico.

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“Não adianta fazer uma análise fria e racional do que está ocorrendo nos bastidores, porque muito provavelmente a gente vai errar. Obviamente é muito ruim o presidente ligar para o presidente da Petrobras e mandar não subir os preços, mas essa é a primeira impressão. O que a gente imagina é que existe um cálculo político por trás da decisão.”

Bredda continua confiante na orientação política-estratégica do governo, com uma pauta favorável às privatizações e sem novas interferências. “Olhando o contexto desse governo e dessa equipe, não consigo acreditar que o governo virou estatizante e que vai interferir no mercado.”