Bill Clinton: origem e trajetória do 42.° presidente dos Estados Unidos

Reequilíbrio dos cofres públicos, cortes de benefícios sociais e um processo de impeachment fazem parte da jornada controversa do democrata

O ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, em evento Clinton Global Initiative, em Nova York (Foto: Elizabeth Frantz/Reuters)
O ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, em evento Clinton Global Initiative, em Nova York (Foto: REUTERS: Elizabeth Frantz)
Nome completo:William Jefferson Clinton
Data de nascimento:19 de agosto de 1946
Local de nascimento:Hope, Arkansas – EUA
Formação:Relações Internacionais (Universidade de Georgetown) e Direito (Universidade de Yale)
Vida política:Presidente dos EUA (1993 a 2000); governador do Arkansas (1979 a 1981 e 1983 a 1992)

Em 1992, os democratas voltaram a chefiar o Executivo Nacional nos Estados Unidos depois de 12 anos de liderança republicana. Em novembro daquele ano, Bill Clinton venceu o então presidente George H. Bush nas eleições e se tornou o 42.° presidente do país.

A época era de recessão e desemprego no país, situação iniciada durante o governo do republicano Ronald Reagan e agravada por seu sucessor. Com a promessa de retomada econômica e discurso mais humano, voltado a problemas sociais, Bill Clinton empolgou o eleitorado: fez 43% dos votos, contra 38% de George Bush.

De fato, o democrata entregou resultados. Empregos foram criados, a economia cresceu e o país transformou o déficit orçamentário herdado em um superávit de US$ 260 bilhões em 2000, último ano do segundo mandato de Clinton.

A educação também foi foco de seus dois mandatos na presidência. A “Goals 2000: Educate America Act” (Lei dos Objetivos 2000: Educar a América) de 1994 estabeleceu metas de conclusão escolar e buscou estimular a inovação nas escolas, entre outros aspectos.

Mas sua trajetória política também foi marcada por controvérsias – pelas quais é lembrado até hoje. Para reequilibrar as contas públicas, Clinton cortou gastos sociais, o que resultou em um expressivo aumento de famílias em situação de extrema pobreza, segundo levantamentos da época. 

Na conta do democrata, está também o afrouxamento de regras do mercado financeiro, o que, segundo especialistas, contribuiu para a crise de 2008. Soma-se a isso um escândalo sexual que quase o levou ao impeachment no seu segundo mandato.

Fora da política desde 2001, atualmente Bill Clinton se dedica a palestras e eventos humanitários por meio da fundação que leva seu nome.

Quem é Bill Clinton? Origem e formação

William Jefferson Blythe III nasceu em 19 de agosto de 1946 em Hope, no estado do Arkansas, Estados Unidos.

Seu pai morreu em um acidente de carro, três meses antes de seu nascimento. O sobrenome Clinton veio do padrasto, com quem sua mãe, Virginia Kelley, se casou quando ele tinha 4 anos de idade.

Segundo relatos, Bill era um adolescente extrovertido e popular, o que o levou a ser líder estudantil no ensino médio em Hot Springs, cidade para onde a família se mudou quando ele era adolescente. 

Em 1968, formou-se em Relações Internacionais na Universidade de Georgetown, ano em que também recebeu uma bolsa para estudar na Inglaterra, em Oxford. No entanto, decidiu retornar aos EUA para cursar Direito em Yale, onde se formou em 1973.

Foi em Yale que Bill conheceu a colega de aulas Hillary Rodham, com quem casou em 1975. Os dois são pais de Chelsea Clinton.

O início na política

Segundo Bill Clinton, sua motivação para se tornar um político teria surgido em 1963. Na época, aos 16 anos, foi a um evento na Casa Branca como delegado da Boys Nation (fórum de política para jovens) e conseguiu apertar a mão do então presidente John F. Kennedy.

No mesmo ano, assistiu ao discurso de Martin Luther King (I Have a Dream) na televisão, o que o fez finalmente tomar a decisão de entrar para o serviço público.

Depois de formado, Bill voltou ao seu estado natal e começou a dar aulas de Direito na Universidade do Arkansas. Lá, ele disputou sua primeira eleição a um cargo político, como deputado federal em 1974, mas foi derrotado.

Em 1976, candidatou-se a procurador-geral do estado, vencendo com facilidade o pleito. Ficou no cargo até 1978, quando disputou a eleição para o governo do Arkansas. Na época, com 32 anos, Bill foi um dos governadores mais jovens da história do país.

Inexperiente, sua atuação à frente do Executivo Estadual deixou a desejar. Algumas decisões impopulares – como o aumento de impostos para financiar melhorias de rodovias – o impediram de se reeleger em 1980, ano em que nasceu sua única filha.

Clinton reconheceu publicamente os erros de sua gestão, e se desculpou junto aos eleitores. Conseguiu retornar como governador em 1982, e ficou no cargo por mais três mandatos, tendo sido eleito sempre com margens folgadas.

A chegada à presidência da república

Quando Bill Clinton assumiu a presidência dos EUA, em janeiro de 1993, o cenário econômico era bastante desafiador. 

O mundo ainda vivia a terceira crise do petróleo, iniciada em 1991 devido à Guerra do Golfo Pérsico. Além da commodity em alta, o contexto interno também pressionava, pois o país ainda sofria os reflexos da recessão do início dos anos 80, causada principalmente pela alta de juros promovida pelo Federal Reserve para conter a inflação.

Tudo isso levou ao aumento do desemprego e das taxas de pobreza e de criminalidade nos EUA. Com a promessa de enxugar gastos públicos, criar empregos e garantir qualidade de vida aos americanos, Clinton venceu George Bush, quebrando a hegemonia republicana de 12 anos na presidência.

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Os percalços iniciais

Além da retomada econômica, a saúde estava entre as prioridades de Bill Clinton logo que assumiu como presidente.

Assim que assumiu a Casa Branca, uma das primeiras ações de seu governo foi nomear a esposa para presidir o trabalho de reforma do sistema de saúde. O projeto, conhecido como Hillarycare, era ambicioso: estender o seguro-saúde a todos os norte-americanos, com o auxílio do governo (que subsidiaria em parte) e por meio de parcerias dos estados com planos de saúde. 

O plano gerou polêmicas e dividiu opiniões. Parte da população elogiou e apoiou a iniciativa, enquanto outra parte criticou a falta de clareza sobre de onde viria o dinheiro para bancar mais gastos públicos. Além disso, seguradoras e outras empresas ligadas à saúde se juntaram em oposição ao projeto, temendo um possível aumento de custos que se refletiria negativamente em suas margens. 

O contexto adverso fez o Hillarycare fracassar no Congresso em 1994. A primeira grande derrota de Bill Clinton – e logo no início de seu mandato – fez com que ele perdesse também parte do apoio dos democratas.

Aliança com os republicanos e os resultados positivos

Para refazer a base de aliados e garantir a aprovação de próximos projetos, a saída foi acenar a congressistas republicanos.

Inicialmente, a estratégia deu certo. Com a aliança republicana, Clinton conseguiu aprovar um corte significativo nos gastos (inclusive militares), o que ajudou a reequilibrar os cofres públicos. 

A questão da segurança também evoluiu, com iniciativas focadas na redução da criminalidade. Entre elas, destacam-se a aprovação da Lei Brady (investigação de antecedentes criminais para a compra de armas de fogo) e investimentos para melhorar o policiamento comunitário, entre 1993 e 1994. 

O conjunto de medidas, segundo a Public Broadcast Service (PSB), fez com que a taxa de criminalidade caísse para o nível mais baixo dos últimos 20 anos durante o governo Clinton.

O desemprego também caiu em seus dois mandatos. Em março de 1998, o país havia alcançado a menor taxa de desemprego desde 1973, segundo dados do Departamento do Trabalho dos EUA. 

Na ocasião, Clinton fez um pronunciamento otimista logo após a divulgação dos dados.

“A economia criou mais de 15 milhões de empregos desde a minha chegada à Casa Branca, a inflação permanece baixa e estável, e continuamos nos beneficiando do crescimento mais sólido em uma geração”, disse.

Armadilhas e novos problemas

Na segunda metade dos anos 90, tudo parecia estar no rumo certo. Orçamento federal em dia, salários reais crescendo, e a bolsa em alta – puxada, em grande parte, pelas empresas de alta tecnologia, que começavam a despontar na época.

No entanto, algumas fragilidades preocupantes foram apontadas no modelo construído por Clinton. Entre elas, estão os cortes de benefícios sociais (e suas consequências), a qualidade dos empregos criados e a flexibilização de algumas regras de proteção ao mercado financeiro.

Cortes de benefícios sociais

Em junho de 1994, Bill Clinton anunciou uma reforma no sistema de previdência que viria a reduzir substancialmente os benefícios sociais. O projeto resultou na Lei de Reconciliação de Responsabilidade Pessoal e Oportunidade de Trabalho (PRWORA), aprovada em 1996, que instituiu o programa de Assistência Temporária para Crianças Carentes (TANF).

Entre as ações, estavam a redução do tempo de recebimento do seguro-desemprego, a exclusão de imigrantes dos programas governamentais (mesmo os que estavam de forma legal no país) e, em alguns casos, a vinculação do pagamento dos benefícios a quem estivesse trabalhando.

De fato, a quantidade de famílias com bem-estar social reduziu drasticamente, caindo 60% de 1996 até 2002, segundo dados do Centre for Public Impact. Porém, ao invés de resolver, o TANF agravou o problema. Primeiro, porque as pessoas se viram obrigadas a trabalhar em qualquer emprego disponível para continuar recebendo o benefício, mesmo que mal remunerado. Segundo, porque os estados simplesmente não conseguiram criar empregos suficientes para dar conta de toda a população em situação de pobreza.

A reforma do bem-estar social foi alvo de fortes críticas, inclusive por parte de aliados próximos. Um deles foi Peter Edelman, assessor de Clinton, que renunciou ao cargo de secretário-assistente de planejamento do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, em protesto ao TANF.

“Essa reforma não promove o trabalho de forma eficaz, e prejudicará milhões de crianças pobres… Além disso, impede centenas de milhares de imigrantes legais, que pagam Previdência Social e Imposto de Renda, de receber assistência por invalidez e velhice e reduz o vale-refeição de milhões de famílias trabalhadoras”, disse Edelman ao deixar o cargo.

Até hoje, não há consenso sobre a efetividade das políticas sociais de Clinton no combate à pobreza. Fontes como a Public Broadcast Service mencionam que os níveis de pobreza caíram (sem falar em números) e que as taxas de desemprego diminuíram consistentemente ao longo de seus dois mandatos. 

Outras, apontam o contrário. Segundo o portal The Guardian, 68% das famílias americanas que viviam abaixo da linha da pobreza recebiam benefícios em 1996. Dez anos depois da implantação do TANF, o percentual médio caiu para 23%, sendo ainda menor em alguns estados do sul.

Qualidade dos empregos criados

Pesquisas mostram que muito do crescimento econômico da era Clinton foi impressionante apenas em números. 

Um levantamento realizado por dois professores de Princeton, Nelson Lichtenstein e Judith Stein, a maior parte dos empregos criados na época foi no comércio varejista e em tarefas características da “Economia Gig” – forma de trabalho na qual prevalecem autônomos, freelancers e trabalhos de curta duração.

Segundo os pesquisadores, havia muito otimismo em relação aos benefícios que as gigantes do Vale do Silício poderiam trazer aos trabalhadores. No entanto, não foram as big techs que absorveram a força de trabalho, e sim redes como Walmart, Amazon e McDonald´s, por exemplo.

Desregulamentação do sistema financeiro

Em 1999, sob a justificativa de modernizar os serviços financeiros e estimular a inovação e concorrência no setor, Bill Clinton assina a Lei Gramm-Leach-Bliley (ou GLBA). O novo dispositivo revogou a Lei Glass-Steagall (GSA), criada em 1933 para proteger o mercado financeiro depois da Grande Depressão de 1929.

Basicamente, a GSA determinava a separação entre bancos comerciais e bancos de investimento. Os bancos comerciais são os que oferecem serviços que as pessoas utilizam no dia a dia, como conta-corrente, aplicações e empréstimos. 

Já os bancos de investimento trabalham com grandes investidores e corporações, e seus serviços são mais sofisticados, podendo envolver fusões e aquisições, abertura de capital, investimentos estruturados e assim por diante. Como algumas de suas operações envolvem alto risco, os bancos de investimento não recebem depósitos, justamente para proteger o investidor pessoa física de eventuais perdas. 

Na prática, a nova lei flexibilizou essa separação, permitindo que novas estruturas financeiras fossem criadas. Por exemplo, hoje uma holding financeira pode ser dona de um banco comercial e ter participações em bancos de investimentos, seguradoras e outras atividades que eram proibidas de se comunicar anteriormente.

Essa é mais uma herança controversa do governo Clinton. Há quem defenda que a GLBA, ao permitir a diversificação de serviços dos grupos financeiros, trouxe bons resultados. Porém, muitos especialistas atribuem a ela parte da responsabilidade sobre a crise de 2008, pois corporações financeiras gigantes se formaram a partir de sua promulgação.

O economista Joseph Stiglitz, ganhador do Prêmio Nobel em 2001, faz parte do segundo grupo.

“Ao reunir bancos de investimento e comerciais, a cultura dos bancos de investimento saiu por cima. Havia uma demanda por altos retornos que só poderiam ser obtidos por meio de alta alavancagem e grande risco”, escreveu Stiglitz em 2009.

O processo de impeachment

Em dezembro de 1998, a Câmara dos Representantes (uma das duas câmaras do Congresso dos EUA) entrou com o pedido de impeachment contra Clinton, sob acusações de perjúrio e obstrução à Justiça.

Tudo começou com uma ação civil movida contra ele por Paula Jones em 1994. Servidora pública, ela acusou Clinton de assédio sexual por um fato supostamente ocorrido em 1991, quando ele ela governador do Arkansas. 

Segundo Paula, ele teria feito uma proposta de cunho sexual, que custou a sua carreira mediante a recusa. Em 1997, o caso foi arquivado por falta de provas.

Dois anos depois, começaram a surgir especulações sobre um possível romance entre Clinton e sua estagiária, Monica Lewinsky. O fato reacendeu a história de Paula, e Lewinsky foi chamada a depor em juízo no caso da ex-servidora pública. Clinton também depôs, e ambos negaram qualquer envolvimento afetivo.

Tempos depois, uma amiga de Monica que trabalhava na Casa Branca entregou ao procurador Kenneth Starr gravações de conversas nas quais a jovem admitia o envolvimento com o presidente. Adversário político de Clinton, Starr conseguiu reabrir o caso, que culminou no processo de impeachment.

Apesar das provas e da confissão de Clinton, que assumiu o caso com Lewinsky, o Senado o absolveu em fevereiro de 1999, e ele retornou à Casa Branca para cumprir o seu segundo mandato até o fim.