Tesouro Direto: por que o Tesouro IPCA+ 2026 se tornou a bola da vez entre os títulos de inflação? Entenda 

Papéis, também chamados de NTN-B, pagam aos investidores juros predefinidos, acordados ainda no momento da aplicação, mais a variação do IPCA

Neide Martingo

(Pixabay)

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Antes da eleição presidencial, a economia seguia por um caminho bem conhecido pelo mercado. Após um período de elevação da taxa Selic para que a inflação pudesse ser controlada, o movimento indicava que os juros ficariam estacionados nos 13,75% por algum tempo.

Mas com o resultado do pleito, a volatilidade tomou conta do mercado. E poucos se arriscam a estimar quando o Banco Central dará início ao ciclo de queda da Selic.

As incertezas deixam o mercado em polvorosa – e os investidores, mais do que nunca, procuram se blindar. Com isso, no Tesouro Direto, os títulos do tipo Tesouro IPCA+ com vencimento em 2026 ( NTN-B, ou Nota do Tesouro Nacional Série B) se tornaram os “queridinhos” da vez.

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O Tesouro IPCA+ paga aos investidores uma taxa de juros predefinida, acordados ainda no momento da aplicação, mais a variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). A taxa prefixada pode variar ao longo do tempo, de acordo com as condições do mercado.

Relatório da Levante recomenda a compra da NTN-B 2026 (Tesouro IPCA+2026) por conta da indefinição com relação à política fiscal do governo eleito, que colocou pressão sobre as taxas, especialmente no “miolo” – ou seja, nos vencimento centrais – da curva de juros.

Na tarde desta segunda-feira (28), o Tesouro IPCA+ 2026 era negociado no Tesouro Direto com remuneração de 6,35% ao ano, mais a variação da inflação.

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De acordo com Bruno Benassi, Gabriel Floriano e Alexandre Yamamoto, da Levante, caso haja uma condução menos heterodoxa que o esperado na economia e um arcabouço fiscal responsável – cenário base dos analistas – existe uma oportunidade de ganho, pelo fechamento (queda) das taxas que se poderia esperar no médio prazo.

O relatório indica que a curva prefixada está pressionada, especialmente por conta do chamado waiver (“licença” para gastar) a ser concedido para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva em 2023 e pela expectativa de mudança na âncora fiscal — que hoje é o teto de gastos, criticado pelo presidente eleito.

“O movimento é amplificado pela falta de um nome para o Ministério da Fazenda. A inflação implícita de um ano passou de 5,62% para 7%, um aumento de 138 pontos-base”, diz o relatório.

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A Levante destacou as sinalizações que o mercado tem até agora: possível dobradinha Fernando Haddad e Persio Arida no comando da área econômica, possivelmente nos Ministérios da Fazenda e do Planejamento; e uma âncora fiscal baseada em uma combinação de meta de superávit primário e dívida líquida.

Tão logo as questões sejam resolvidas e o novo governo mostre comprometimento com a responsabilidade fiscal, a pressão na curva terá alívio, assim como os juros reais, na visão dos analistas. “A se manter o cenário de juros mais altos, ainda é uma oportunidade de ganho real no carregamento”, sugerem.

Preferência pelos títulos de inflação

Para alguns investidores, acostumados com remunerações menores encontradas nos meses anteriores no Tesouro Direto, a escalada recente dos juros soou como uma oportunidade para novos aportes.

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Diante da brecha fiscal que pode ser aberta, agentes financeiros passaram a reajustar as projeções para os juros neste ano e no ano que vem. A curva de juros futuros mostra que a Selic pode terminar 2023 em 14,25% ao ano. Os cortes podem aparecer a partir de setembro de 2023, segundo Marcello Freller, estrategista de macro da XP

Entre os agentes do mercado que passaram a olhar com mais atenção para os títulos de inflação com vencimento em 2026 está Dan Kawa, CIO da TAG Investimentos. Ele fez alterações na carteira pouco antes das eleições, quando Lula começou a se consolidar na liderança das pesquisas.

Kawa destaca que a casa diminuiu “consideravelmente” a alocação em títulos prefixados e que está priorizando a posição em títulos atrelados à inflação na parte mais curta e intermediária da curva, entre 2026 e 2030.

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Segundo Kawa, as taxas das NTN-Bs estão atrativas e conseguem oferecer uma boa proteção em meio a um cenário de inflação “estruturalmente mais alta no País”. Ele diz que não é possível descartar uma mudança de postura do novo governo eleito em termos de política econômica.

“Por enquanto, estamos com uma postura mais defensiva não só pela questão do BC [ter que subir o juros], mas porque vai ter uma piora relevante da perspectiva fiscal nos próximos meses”, resume.

Da mesma forma, Fabiano Zimmermann, gestor de renda fixa da ASA Investments, afirma que a curva de juros dos títulos atrelados à inflação não apresenta grandes diferenças de retornos entre os papéis de vencimentos mais longos ou curtos. “Não há prêmio [juros adicionais] de alongamento e preferimos as NTN-Bs [Tesouro IPCA+] do ‘miolo’ da curva, com vencimento em 2026, por exemplo”, destaca.

Cenário político

A tão falada PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da Transição é o que concentra o mau humor dos investidores.  A proposta prevê tirar da conta do teto de gastos os recursos destinados ao novo Bolsa Família, abrindo um espaço de R$ 105 bilhões no Orçamento de 2023 para saúde, educação e investimento público.

O mercado, quase num consenso, considera o discurso “populista” e reage. “Esse mercado fica nervoso à toa. Nunca vi um mercado tão sensível quanto o nosso”, chegou a afirmar Lula diante da pressão.

O fato é que o mercado financeiro segue elevando as projeções, tanto de inflação quanto do Produto Interno Bruto (PIB) para 2022, conforme mostram dados do Boletim Focus divulgados nesta segunda-feira (28) pelo Banco Central.

Segundo as instituições financeiras consultadas semanalmente pelo BC, a expectativa para o IPCA deste ano passou de 5,88%, há uma semana, para 5,91%. Para 2023, subiu de 5,01% para 5,02% e, para 2024, seguiu em 3,50%.

Já a projeção de alta do PIB de 2022 foi de 2,80% para 2,81% para este ano e mantida em 0,70% para 2023. A de 2024 continuou em 1,70%.

A estimativa para o dólar subiu pela segunda semana seguida, com a cotação prevista em R$ 5,27 por US$ 1 em 2022. A de 2023 também foi elevada, de R$ 5,24 para R$ 5,25. Para 2024, foi mantida em R$ 5,20.

As expectativas para a taxa de juros básica (Selic) continuaram em 13,75% para este ano (23 semanas de estabilidade). Para 2023, a estimativa foi mantida em 11,50%. Já  em 2024, a projeção foi elevada de 8,00% para 8,25% após 19 semanas de estabilidade.

As projeções do mercado financeiro para a dívida pública do setor público também têm piorado na últimas semanas. Para 2022, a estimativa subiu de 57,52% do PIB na semana passada para 57,70% no novo Boletim Focus. Já para 2023, a projeção cresceu de 60,70% do PIB para 61,00%. Embora a estimativa para 2024 tenha sido mantida em 64,00 na semana, a de 2025 foi elevada de 65,50% para 66,50% do PIB.

Neide Martingo

Jornalista especializada em Economia, Finanças e Negócios, trabalhou em veículos como Valor Investe, Diário do Comércio e Gazeta Mercantil e escreve sobre Renda Fixa no InfoMoney