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SÃO PAULO – Embora os juros baixos tenham induzido o investidor brasileiro a partir para ativos de maior risco para manter uma boa rentabilidade da carteira, o leque de opções de caráter mais “alternativo”, ainda relativamente limitado no mercado local, acaba sendo uma barreira, dadas as restrições àqueles de maior poderio financeiro.
No radar do investidor pessoa física de varejo, que tem dificuldade para encontrar oportunidades que não guardam relação com o desempenho da renda fixa ou da Bolsa para diversificar o portfólio, uma alternativa que começa a despertar atenção crescente no mercado é a do investimento em precatórios.
O precatório nada mais é do que uma requisição de pagamento expedida pelo Judiciário para cobrança de um valor devido por um ente público após condenação em que não cabe mais recurso, explica Rafaella Ridolfi, CEO da Precatórios Já, plataforma digital voltada para quem quer comprar ou vender o ativo judicial.
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Os precatórios têm como contraparte pessoas físicas e jurídicas, que em alguns casos preferem vender o ativo com um desconto expressivo do que esperar o recebimento do pagamento devido – que pode demorar meses ou mais de uma década.
Até o início dos anos 2010, esse era um segmento de mercado restrito basicamente apenas aos grandes investidores, como bancos e fundos de investimento especializados, tais como Jive, Veritas, Bank of America e Safra.
Nos últimos anos, a queda dos juros na renda fixa, bem como a evolução da tecnologia que passou a permitir a análise de um grande volume de precatórios em um espaço de tempo cada vez menor, fez com que essa indústria começasse a se popularizar com a chegada de novos participantes.
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Nesse contexto, entre as fintechs que passaram a oferecer o investimento em precatórios para o investidor pessoa física de varejo nos últimos anos, se destacam nomes como Hurst Capital, Balko e Precatórios Já, que tem como principal serviço a oferta dos ativos judiciais.
Como base de referência para o tamanho desse mercado, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021 prevê um total de R$ 46,4 bilhões para a quitação de precatórios por parte da União, de estados e municípios.
Arthur Farache, CEO da plataforma de precatórios Hurst, compara a originação do precatório à compra de um carro ou de um imóvel usados nos classificados, em que é preciso encontrar uma contraparte e negociar a operação diretamente com ela.
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A originação do ativo, explica, inclui desde a prospecção das oportunidades entre pessoas físicas e empresas detentoras de dívidas do governo reconhecidas pela Justiça, passando pela análise de risco e pela modelagem da projeção de retorno dentro do prazo esperado para o recebimento do pagamento, até a efetiva compra do título para posterior distribuição pulverizada entre os investidores.
Entre as naturezas mais diversas que dão origens aos precatórios, o executivo cita casos de precatórios alimentares de servidores públicos que processaram o Estado para receber verbas que julgam devidas, empresas que não receberam pelo serviço prestado, ou detentores de terras ou imóveis que foram desapropriados para fins de utilidade pública.
Confira a seguir o exemplo que ilustra as etapas de um processo completo de investimento em um precatório estadual do governo paulista.
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Fonte: Hurst Capital
Retorno em precatórios
Devido ao deságio com que os ativos são negociados, isto, é, o desconto que o vendedor aceita em seu precatório para antecipar o recebimento dos recursos — que pode chegar à casa dos 60% em relação ao real valor de face –, a rentabilidade almejada com a aplicação é bastante atraente.
A taxa de retorno esperada nas plataformas digitais que oferecem o produto começa a partir de uma faixa ao redor dos 15% ao ano, com possibilidade de chegar mais perto dos 30%. E com tíquetes de entrada a partir de R$ 5 mil, o que dá ao investidor a possibilidade de ter diretamente a posse de uma fração de determinado precatório.
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Quem se interessou pela modalidade de investimento precisa estar ciente, contudo, que se trata de um produto de baixa liquidez, em que, para auferir o ganho projetado, é preciso esperar o efetivo pagamento pelo governo, com variações de prazo entre cada título. Importante destacar que os precatórios não possuem um mercado secundário no país capaz de permitir ao detentor vender esses títulos após sua aquisição.
Os especialistas que atuam no setor ressaltam ainda que há uma probabilidade não desprezível de haver algum tipo de atraso no pagamento previsto, que pode ser de um ou dois anos, mas também de dez anos ou mais a depender da natureza do ente devedor de cada precatório.
Segundo Caio Fasanella, CEO da plataforma Balko, o mercado de precatórios é dividido em dois grandes grupos – em um deles estão os entes no Regime Geral, que pagam suas dívidas em dia, formado basicamente por dívidas devidas pela União, de maior previsibilidade e demanda, com retornos esperados entre 15% e 20% ao ano.
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“O país já passou por várias crises fiscais, mas nunca houve atraso no pagamento de precatórios pelo governo federal”, afirma Fasanella.
E há o chamado Regime Especial, em que entram estados e municípios, que pagam os precatórios com atraso de anos ou até décadas, nos quais se enquadram entes como os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Nesses casos, a expectativa de rentabilidade apresentada pelas plataformas sobe para a faixa dos 30%, pelo maior deságio requerido para a compra do ativo. Além disso, quando o pagamento é postergado, o valor devido é corrigido pela remuneração da poupança.
Importante observar ainda que, por sua natureza jurídica específica, o precatório não entra no hall de ativos elegíveis à supervisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e tampouco tem cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) ou regulação do Banco Central.
Retorno de dois dígitos
Segundo Farache, da Hurst, desde o início das atividades da plataforma digital de investimentos alternativos, em meados de 2017, já foram originados quase R$ 600 milhões em precatórios a cerca de três mil investidores. As ofertas são realizas via rodadas virtuais de crowdfunding, com tíquetes de entrada a partir de R$ 10 mil e aporte médio por investidor em torno de R$ 27 mil.
Até aqui, calcula o CEO da plataforma, já foram pagos cerca de R$ 15 milhões em precatórios aos investidores que aportaram recursos com a Hurst, com um retorno que varia dentro de uma banda entre 15% e 20% ao ano.
Na Balko, o aporte mínimo para o investimento em precatórios é ainda menor, e começa a partir de R$ 5 mil. Em março, a plataforma fez uma oferta de R$ 5,2 milhões, em que foram vendidas frações de quatro precatórios federais a cerca de 150 investidores no intervalo de apenas uma semana, o que deixa evidente o apetite do brasileiro por alternativas de maior rentabilidade, diz Fasanella. A expectativa de retorno da referida oferta de investimento é de 15% ao ano e com previsão do pagamento ainda em 2021.
“Com o ambiente de juros baixos, é importante o investidor buscar alternativas para a diversificação do portfólio e, com os precatórios, é possível conseguir retornos acima de dois dígitos”, diz o CEO da Balko, acrescentando ser essencial que o interessado tenha clareza quanto aos riscos e aos prazos envolvidos antes de fazer a aplicação.
Demanda em alta
Na Precatórios Já, a sócia Rafaella Ridolfi observa que a queda da taxa Selic nos últimos anos causou um impacto direto no aumento da procura de investidores por ganhos mais atraentes por meio dos precatórios.
Em 2019, recorda, foram cerca de 500 consultas recebidas pela plataforma por parte de investidores interessados em investir nos ativos judiciais, número que chegou mais perto de 1,5 mil durante o ano passado.
“A maior parte dos nossos investidores é composta por pessoas físicas que têm um valor parado no banco e querem fugir das taxas baixas da renda fixa”, afirma a especialista.
O aumento expressivo da demanda, diz Rafaella, fez inclusive com que os preços no mercado tivessem alguma correção mais recentemente. “Tem muita gente procurando esse tipo de investimento, e pouca oferta na praça”, afirma a sócia da plataforma.
Ela projeta um retorno médio em torno de 20% ao ano para os precatórios usualmente negociados pela plataforma, que até aqui movimentou cerca de R$ 20 milhões com a venda de precatórios aos investidores.
“É um ganho potencial muito superior aos investimentos convencionais, mas o investidor precisa ter disponibilidade de ficar certo período sem liquidez”, assinala.
Caso o investidor tenha conforto para manter o dinheiro investido no longo prazo, a especialista defende se tratar de uma alternativa melhor até do que a previdência privada.
A planejadora financeira com certificação CFP Emanuele Godinho alerta, contudo, que embora ambos tenham de fato um caráter de longo prazo, na previdência privada, o investidor consegue sacar os recursos antecipadamente em caso de emergência, ainda que com alguma penalização, o que não é o caso nos precatórios.
Além disso, enquanto na previdência o portfólio tem um viés mais conservador, com regras mais rígidas de investimento em comparação aos demais fundos de investimento, no caso dos precatórios, o risco incorrido é substancialmente superior, acrescenta a planejadora.
De todo modo, Emanuele lembra também que hoje não há no mercado alternativas de investimento acessíveis ao público geral com uma expectativa de rentabilidade tão atraente.
Para quem está interessado na modalidade de investimento, a especialista ressalta que é preciso ter bem claro qual o seu perfil financeiro e as necessidades econômicas previstas para os próximos anos, uma vez que se trata de um dinheiro com o qual não poderá contar por um bom tempo.
Emanuele assinala ainda que a recomendação é não fazer um aporte em investimentos de caráter mais alternativo que supere 10% do patrimônio do investidor, de modo a minimizar qualquer imprevisto no meio do caminho.
“Qualquer tipo de investimento que se faça tem algum tipo de risco, mas se considerarmos os precatórios federais, esse risco acaba sendo menor, já que a possibilidade de o país quebrar é muito baixa”, assinala a planejadora, reforçando que esse não é um investimento que deve ser buscado para a formação do colchão de liquidez.