Taxa de título público de curtíssimo prazo atrelado à inflação passa de 12% ao ano; vale a pena?

Taxas reais das NTN-Bs 2022 saíram de cerca de 5% para mais de 12% ao ano em um prazo de seis meses; vencimento do papel ocorrerá em agosto

Mariana Segala

(AndreyPopov/Getty Images)

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A movimentação das taxas oferecidas por alguns títulos públicos chamou atenção dos investidores nas últimas semanas. A remuneração de papéis com vencimentos próximos aumentou com força – caso das NTN-Bs (títulos atrelados à inflação) que vencem em agosto de 2022. Na tarde dessa quinta-feira (23), a taxa encontrada para o papel em algumas plataformas de investimento passava de 12% ao ano, fora a variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).

As NTN-Bs com vencimento em 2022 não estão disponíveis no Tesouro Direto. No sistema de negociação de títulos públicos, os prazos mais curtos para títulos de inflação são a partir de 2026. Mas elas podem ser encontradas nas mesas de negociação ou plataformas de algumas corretoras.

Alguns fatores contribuíram para que a curva de juros ficasse volátil e as taxas reais (fora a variação da inflação) da NTN-B 2022 saíssem de cerca de 5% para mais de 12% ao ano em um prazo de seis meses. Em relatório, Camilla Dolle, head de renda fixa, Rodrigo Sgavioli, head de alocação e a equipe de análise de renda fixa da XP destacam que ao cenário de inflação global já elevada foram adicionados os desdobramentos da guerra na Ucrânia e dos novos lockdowns na China, com sua política de “Covid zero”.

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“O IPCA, aqui no Brasil, chegou a 11,7% nos últimos 12 meses encerrados em maio e o CPI, índice de inflação norte-americano, atingiu 8,6% no mesmo período, a maior desde 1981”, diz o documento.

A taxa atual da NTN-B 2022 é muito superior à dos outros papéis de inflação disponíveis no Tesouro Direto – por lá, a mais elevada atualmente é a do Tesouro IPCA + 2055 (NTN-B 2055), que faz pagamentos semestrais de juros e está na casa dos 5,90% ao ano.

A remuneração real de mais de 12% chama atenção dos investidores. Mas considerando que o vencimento da NTN-B 2022 ocorrerá em agosto, apenas cerca de 40 dias úteis adiante, a aplicação vale a pena?

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Analistas ouvidos pelo InfoMoney sugerem considerar alguns elementos na análise. Embora a taxa oferecida soe muito atrativa, o principal risco do investimento está exatamente na rentabilidade que o investidor conseguirá obter.

“O investidor receberá a taxa prefixada mais o IPCA, porém, proporcionalmente ao prazo do investimento”, diz William Carnevalle De Vuono, coordenador de riscos da Ouro Preto Investimentos. “Portanto, o maior risco nessa aplicação é de que a taxa prefixada e a inflação somadas sejam inferiores à Selic no mesmo período”. Nesse caso, o investidor deixaria de ganhar o mesmo que poderia obter em outro investimento pós-fixado, explica Vuono.

Os analistas da XP também consideram que o chamado “custo de oportunidade” em relação à Selic ou à taxa do CDI (principal referência para investimentos de renda fixa) é um dos principais riscos de um título público de tão curto prazo.

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“Acreditamos que no período de dois meses entre hoje e o vencimento da NTN-B 2022 o CDI deva ser de 2%, equivalente a uma taxa anualizada de 13,2%”, escrevem no relatório. “A taxa negociada deste título atualmente é de IPCA mais 12% ao ano. Caso o IPCA anualizado do período seja de 1,2%, a NTN-B 2022 vai render exatamente o mesmo que o CDI”.

Na prática, a rentabilidade final que o investidor obteria com a NTN-B 2022 depende do patamar que o IPCA vai atingir. E especialmente nos próximos dois meses, o comportamento do IPCA será influenciado por fatores que vão bem além dos que usualmente afetam a inflação.

Um deles são as medidas que o governo federal vem propondo, nas últimas semanas, para baixar os preços dos combustíveis. É o caso, por exemplo, do projeto de lei complementar nº 18 (PLP 18/2022), que limita a alíquota de ICMS sobre bens e serviços relacionados a combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo ao piso do imposto estadual (atualmente entre 17% e 18%). O PLP 18 já foi aprovado pelo Congresso Nacional. Sua entrada em vigor depende apenas da sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL).

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“Essas medidas têm forte impacto deflacionário (ou seja, de reduzir a inflação), podendo tornar o IPCA do período inclusive negativo, o que tornaria a rentabilidade do título analisado mais baixa do que o CDI do período”, dizem os analistas da XP.

Observando a curva de juros prefixada em comparação com os juros reais para o vencimento da NTN-B 2022, Daniel Onaga, analista de renda fixa da Eleven, calcula que a inflação implícita no título é de aproximadamente 0,55%. “Caso a inflação supere esse patamar, o investidor obterá um rendimento maior que o do CDI”, diz. Mas, na prática, os ganhos adicionais seriam pequenos – especialmente para quem já tem o dinheiro aplicado em outro investimento e precisaria resgatar os valores para adquirir os papéis de inflação.

Também é preciso lembrar que as alíquotas de Imposto de Renda para investimentos resgatados antes de seis meses é a mais alta da tabela regressiva, de 22,5%. “Isso consome ainda mais o retorno da NTN-B 2022 em comparação com um investimento que tivesse sido feito em um título pós-fixado, por exemplo”, diz Onaga.

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A visão do analista é de que não seria preciso “gastar tanta energia” para conseguir um retorno semelhante ao da NTN-B 2022 com outras alternativas de investimento. “Por outro lado, a perda possível também não é tão grande”, destaca. Pode fazer sentido, segundo ele, para quem tem dinheiro parado na conta neste momento.

Para Vuono, da Ouro Preto, o título público em questão é um investimento adequado para quem procura manter o poder aquisitivo de uma reserva financeira. “Porém, vale salientar que a tributação será de 22,50% sobre o rendimento, visto o prazo investido”, reforça.

Os analistas da XP lembram também do risco de reinvestimento, ou a possibilidade de o investidor não conseguir reinvestir seus recursos em uma aplicação com condições iguais ou melhores que as da NTN-B 2022 depois do seu vencimento. “É importante ter o próximo passo muito bem planejado, ou seja, o que será feito com o recurso logo na sequência desse investimento”, dizem. “É preciso ter segurança sobre a oportunidade, que pode ser pontual e única, e entender que nem sempre conseguirá fazer vários desses tiros curtos ao longo do tempo”.

Mariana Segala

Editora-executiva do InfoMoney