Salto no número de pessoas físicas em grupo de acionistas impõe mudanças a empresas da Bolsa

Via Varejo, Qualicorp e NotreDame estão entre as companhias cujas ações dispararam em 2019, acompanhadas de forte crescimento de acionistas

Ana Paula Ribeiro

SÃO PAULO – As empresas brasileiras com ações negociadas na B3 estão aprendendo a lidar com uma nova realidade: o número crescente de acionistas pessoas físicas. O total de investidores que investe diretamente (não via fundos) nesse segmento dobrou em 2019, chegando a 1,68 milhão.

Aula Gratuita

Os Princípios da Riqueza

Thiago Godoy, o Papai Financeiro, desvenda os segredos dos maiores investidores do mundo nesta aula gratuita

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

As companhias que receberam esse contingente de novos investidores estudam qual a melhor forma de atendê-los e, em alguns casos, já reforçam os canais de comunicação. Entre as empresas estão as que registraram os melhores desempenhos do Ibovespa em 2019.

Essas pessoas físicas foram levadas à Bolsa pela necessidade de buscar maior retorno em suas aplicações, em um ambiente de baixa taxa de juros – a Selic terminou 2019 em 4,5% ao ano.

O reflexo desse novo ambiente sobre cada empresa dependeu ainda de fatores inerentes às suas operações, como mudanças operacionais ou no controle, e da orientação dada por casas de análise.

A Via Varejo, dona das marcas Casas Bahia e Ponto Frio, saiu dos pouco mais de 25 mil investidores pessoas físicas, ao fim de 2018, para terminar o ano passado com 122.236, ou seja, quase cem mil em apenas um ano.

Gabriel Succar, gerente de relações com investidores da empresa, atribui esse crescimento ao cenário macroeconômico, em que os juros baixos empurraram os investidores para opções de maior risco, mas também às transformações ocorridas na empresa.

“Tivemos uma mudança de controlador e isso chamou a atenção dos investidores. Há também um maior número de empresas que fazem análise, relatório de ações. Tudo isso estimulou”, avalia Succar. Os papéis da varejista registraram valorização de 154% no ano passado.

Até junho de 2019, a Via Varejo era controlada pelo Grupo Pão de Açúcar, do francês Casino. Essa fatia foi vendida para a família Klein, fundadora das Casas Bahia, e fundos liderados pela XP.

Para atender ao novo público na base de acionistas, a Via Varejo estuda um plano de dar atendimento exclusivo às pessoas físicas, que podem não estar acostumadas à linguagem tradicional de divulgação de informações por parte das empresas com ações negociadas em Bolsa. A área de relações com investidores inclusive já ganhou um reforço na equipe, com um profissional dedicado apenas a essa nova demanda.

“Precisamos de um canal melhor para falar com essas pessoas. Não só a Via Varejo, mas todas as empresas vão ter que se acostumar. A base de pessoas físicas é mais democrática, com diferentes níveis de conhecimento. Precisamos achar uma forma mais amigável e didática de prestar as informações”, diz Succar.

O executivo da varejista conta ainda que a Via Varejo já identificou um aumento, embora ainda tímido, da participação das pessoas físicas nas teleconferências de resultados e outros eventos corporativos, como o Investor Day.

Leia também:
Turn around e aquisições: as histórias das ações que mais subiram no Ibovespa em 2019
Conheça as ações “queridinhas” dos fundos e as perspectivas dos gestores

A expansão da base de acionistas também foi expressiva na Qualicorp, empresa de administração de planos de saúde, que registrou a maior valorização do ano entre as ações que fazem parte do Ibovespa: 243%. Essa forte apreciação foi acompanhada por um contingente de pessoas físicas: o número total passou de 20.260, no fim de 2018, para 30.123, no encerramento do ano passado.

A diretora de relações com investidores da Qualicorp, Grace Cury Tourinho, acredita que a política de distribuição de dividendos da empresa contribuiu para a atração das pessoas físicas.

“Temos uma consistência na distribuição de dividendos. E o lucro crescente da empresa dá maior credibilidade a isso. Nos últimos cinco anos, fizemos uma distribuição de 100% do lucro. E, em 2019, houve uma redução de capital, que, para o investidor, tem efeito de um pagamento de dividendo”, diz a diretora.

Segundo ela, em 2019, os proventos representaram para o acionista um dividend yield (percentual do lucro distribuído em relação ao valor da ação) de 14,2%.

Foco no curto ou no longo prazo?

Grace reconhece que é um desafio para as empresas lidarem com um número maior de acionistas, mas que o trabalho de educação financeira desenvolvido por diferentes corretoras e casas de análise ajuda no processo de informar o investidor. Uma das ações da empresa para melhor entender esse público é saber a fatia que investe no longo prazo e a que busca ganho no curto prazo.

“Ainda não visualizamos uma forte demanda por informações desse público. Não sabemos se ele vai ficar ou se está respondendo a indicações de compra e venda. De qualquer forma, precisamos ficar atentos a essa evolução para nos adaptarmos”, assinala.

As ações do BTG foram as que registraram a segunda maior valorização entre os papéis do Ibovespa, com ganhos de 235%. O aumento da base de acionistas pessoas físicas, no entanto, foi ainda maior: 864%, chegando a 12.248 investidores. No caso da JBS, que registrou valorização de 123%, o aumento da base de acionistas foi mais tímido, de 8.977 para 9.826, uma alta de 10%.

Relacionamento mais amigável

Apesar da expansão da base, o consultor de governança corporativa Renato Chaves vê como tímidas as medidas tomadas pelas empresas brasileiras. Para ele, o relacionamento com as pessoas físicas precisa ser mais amigável e permitir uma participação maior desse público nos eventos das companhias.

“É preciso estimular que esse investidor participe dos eventos corporativos, com a assembleia de acionistas. As empresas não usam esse momento para debater com os investidores. Esse tipo de interação ajuda na atração de novos acionistas”, diz Chaves.

Esse estímulo à participação dos minoritários não é tão frequente no Brasil. Mas, nos Estados Unidos, grandes empresas conseguem agrupar milhares de pessoas. É o caso da Berkshire Hathaway, de Warren Buffet, que reúne mais de 40 mil pessoas na assembleia anual, que conta com uma sessão de perguntas e respostas em que os pequenos investidores são estimulados a participar.

Glauco Desiderio, diretor de relações com investidores da NotreDame Intermédica, afirma que, apesar do crescimento do número de pessoas físicas, a demanda por informações ainda não cresceu, o que dificulta mudanças.

“No nosso caso, é um investidor com um comportamento ainda acanhado, que participa pouco. Podemos mudar a linguagem, mas falta demanda”, afirma.

As ações da NotreDame estão entre as que mais subiram no ano passado, com uma valorização de 136%. O número de acionistas pessoas físicas em um ano passou de pouco mais de 2 mil para 16.338.

“Os juros baixos e as casas de análise ajudaram a levar mais gente para a Bolsa. E, do nosso lado, ajudou o fato de termos entrado no Ibovespa no ano passado”, diz o diretor.

O executivo afirma que, embora não tenha ocorrido uma mudança de estrutura na área de relações com investidores para atender a esses novos investidores, os acionistas minoritários podem demandar informações, fazer uma visita à rede e até mesmo ter encontros com executivos.

Invista nas melhores ações com a ajuda da melhor assessoria: abra uma conta gratuita na XP

Ana Paula Ribeiro

Jornalista colaboradora do InfoMoney