Restritos a milionários, fundos de private equity vendem ações na onda de IPOs, enquanto buscam próximas candidatas 

Aberturas de capital da Petz e da Quero-Quero serviram de porta de saída para grandes investidores no cenário recente

Lucas Bombana

SÃO PAULO – Diante do apetite do investidor por novas ações na Bolsa frente aos juros baixos, quem tem costumeiramente atuado na ponta vendedora nos processos de abertura de capital (IPO, na sigla em inglês), como recentemente na Petz ou na Quero-Quero, são os grandes fundos globais de private equity.

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Diferentemente de produtos de alta liquidez, que compram e vendem ações a todo tempo, os fundos de private equity investem em empresas de capital fechado, em que a posterior saída leva tempo e é mais complexa, feita justamente via IPO, ou pela venda para outro grande investidor.

No radar desses gestores estão companhias sem a robustez necessária para lançar ações no mercado, mas com modelos de negócio que já se provaram, e que precisam apenas de um empurrão para mudar de patamar. A própria XP foi um caso assim, ao receber, em 2010, aporte do private equity britânico Actis.

Diante da sofisticação do produto, contudo, o acesso ainda é para poucos. Ele geralmente começa com aplicações a partir de R$ 150 mil, com os fundos ainda restritos a investidores qualificados, com pelo menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras. Os milionários que podem investir na classe almejam um retorno de 15% a 20% ao ano.

Para isso, é preciso poder abrir mão de liquidez. O tempo em que o dinheiro fica “preso” é de pelo menos quatro anos, mas pode ser até o dobro, prazo que o gestor leva para encontrar os investimentos, amadurecê-los e passar para frente.

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O investidor do varejo, contudo, talvez logo também tenha a possibilidade de investir nesses fundos. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado, iniciou em setembro pesquisa para saber o grau de conhecimento desse público sobre os produtos de private equity.

No cenário de juros baixos, que força a busca por diversificação, a autarquia não descarta mudanças na legislação para facilitar a entrada no veículo, a depender das respostas obtidas.

A despeito da pandemia, com a Selic em 2%, os FIPs vêm conseguindo galgar espaço no portfólio dos endinheirados. Segundo dados da Anbima, o patrimônio da classe era de R$ 313 bilhões em agosto de 2020, um crescimento de 4,6% em relação aos R$ 299 bilhões em dezembro de 2019, e de 30,4% frente aos R$ 240 bilhões do fim de 2018.

Além da modalidade de private equity, produtos de venture capital também estão abarcados entre os fundos de participações. Neles, os investimentos são em empresas em uma estágio ainda mais embrionário, na maior parte das vezes com uso intensivo de tecnologia nas operações.

No contra-fluxo

Entre os casos recentes de fundos de private equity que venderam grandes lotes de ações em IPOs, o Warburg Pincus, com cerca de US$ 60 bilhões sob gestão, se desfez da maior parte da participação na rede Petz, cujas ações estrearam na Bolsa na sexta-feira (11) com alta de 22%.

Com aproximadamente US$ 50 bilhões, o Advent, por sua vez, ofertou ao mercado as ações da loja de material de construção Quero-Quero no IPO, com estreia das ações na B3 em 10 de agosto.

Gestoras brasileiras de private equity também têm aproveitado o momento positivo para o lançamento de ações.

O Pátria Investimentos, que administra cerca de US$ 14 bilhões, protocolou no mês passado na CVM o pedido de IPO das empresas de urbanismo Alphaville e de saúde Elfa Medicamentos, das quais detêm o controle, ao menos até as ofertas de ações.

A saída desses investidores estratégicos por meio da venda em Bolsa não é novidade. Segundo dados da B3, das 66 aberturas de capital de 2009 a agosto de 2020, 56%, ou 37 delas, foram de empresas com fundos de private equity no quadro societário.

Mão na massa

No private equity, os gestores não costumam se limitar ao aporte financeiro no projeto que julgam promissor, disse Ricardo Scavazza, sócio do Pátria, durante evento da TAG Investimentos no dia 27 de agosto.

Muitas vezes, eles assumem cargos estratégicos nas investidas para potencializar a geração de valor do negócio, afirmou o especialista, que foi diretor financeiro da Dasa e da Anhanguera Educacional, empresas que receberam investimentos da gestora e posteriormente abriram capital.

Entre os setores no radar do sexto fundo do Pátria que está em fase de aquisições, Scavazza afirmou que o de saúde segue até hoje como um dos principais.

Além da empresa de distribuição de medicamentos Elfa, o gestor citou a empresa de planos de saúde Athena, que compõe o portfólio do quinto fundo da gestora, de 2014, e que ele acredita que em breve também deve estar pronta para realizar uma oferta de ações.

“O IPO coroa o ciclo do private equity, levando a empresa do privado ao público”, afirmou o sócio do Pátria, que apontou ainda o setor do agronegócio e de alimentação entre os que enxerga valor a ser capturado.

Acesso facilitado

Atenta às oportunidades entre as classes alternativas trazidas pela Selic baixa, a XP Asset encerrou ao fim de fevereiro a captação de R$ 1,3 bilhão para seu primeiro fundo de private equity.

Para liderar a empreitada, um velho conhecido foi recrutado – o gestor Chu Kong, com passagem anterior pela gestora Actis, quando, há cerca de uma década, foi o primeiro grande investidor a apostar na corretora de Guilherme Benchimol.

Segundo Kong, com o objetivo de tornar a oferta mais atraente ao investidor qualificado brasileiro, o desembolso exigido para entrar no fundo da XP foi de “módicos” R$ 150 mil. Na Actis, diz, o valor inicial é de US$ 10 milhões. “Queremos democratizar o acesso ao private equity.”

A possibilidade de saída antecipada do fundo no quarto ano, mediante uma taxa de penalidade – o prazo total é de oito anos –, também foi uma forma encontrada para atrair os investidores, afirma o especialista.

Em seis meses, o fundo já aportou cerca de R$ 300 milhões no hospital oftalmológico Centro Brasileiro de Visão (CBV) e na Botoclinic, especializada na aplicação de Botox.

Além dos setores de saúde e de consumo, empresas de médio porte de educação e serviços financeiros estão sendo monitoradas pelo especialista, que prevê de seis a oito investidas na carteira.

Embora trabalhe com um histórico de retorno médio de 15% a 20% ao ano de fundos anteriores, Kong enfatiza que não é possível cravar que o produto recém-constituído terá a mesma performance. “Private equity é capital de risco, não dá para dizer qual será a rentabilidade.”

Zeitgeist

Na atual onda de IPOs com participação de private equity, o mais recente foi o da rede Petz, que em 2013 recebeu investimento do Warburg Pincus.

Com vistas às oportunidades que o amor pelos mascotes ainda devem trazer, a gestora de private equity Treecorp, com cerca de R$ 500 milhões, investiu em agosto na empresa de acessórios Zee Dog, de “life style pet”, descreveu o sócio diretor Danilo Soares, durante evento da TAG. A rede de hambúrgueres Cabana também consta entre os investimentos mais recentes da gestora.

Embora o setor esteja em evidência pelo IPO da Petz, o executivo disse se tratar de um nicho no qual a Treecorp já vem debruçada nos últimos anos.

O trabalho anterior ao aporte, observou especialista, envolveu desde uma análise micro, sobre os números da empresa e de toda cadeia envolvida, até um enfoque mais macro, sobre o tamanho e as tendências de crescimento do mercado alvo.

De acordo com os dados levantados pela Treecorp, existem hoje aproximadamente 90 milhões de cães e gatos nos lares brasileiros, com um gasto per capita anual de US$ 65,00, portanto com cerca de US$ 5,7 bilhões entrando nos cofres dos donos de petshops e companhia.

FIP de renda fixa

Já a Quasar Asset Management prevê concluir neste mês a captação do Quasar Infra I Fundo de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE).

No entanto, em vez de comprar participações acionárias, o FIP-IE da Quasar vai investir nas dívidas emitidas pelas companhias, explica o sócio gestor Alberto Zoffmann.

A escolha pelo veículo, afirma, é pelo beneficio tributário da alíquota zero de Imposto de Renda sobre o ganho de capital e os dividendos, a investidores pessoas físicas.

Dessa forma, o fundo poderá comprar debêntures de infraestrutura, não necessariamente emitidas pela Lei 12.431, que trata das emissões incentivadas, sem que o investidor tenha de abrir mão da isenção, afirma Zoffmann.

Segundo o gestor da Quasar, a expectativa de retorno do fundo é de 6% ao ano, além do IPCA.

Em um caminho que ainda começa a gradualmente ser explorado no mercado local, principalmente por gestoras com fundos cujo foco é voltado para o setor de infraestrutura, o FIP da Quasar será lançado por meio de IPO na B3, com tíquete de entrada a partir de R$ 15 mil.

Diante do aumento no interesse pelos investimentos ESG (que visam as melhores práticas ambientais, sociais e de governança), o FIP-IE da Quasar terá etiquetagem verde.

Para poder ostentar o selo, o fundo precisará manter 90% do portfólio em títulos de empresas social e ambientalmente responsáveis, de acordo com os filtros estabelecidos pela consultoria especializada em finanças sustentáveis Sitawi, que exclui empresas que fazem uso intensivo de combustíveis fósseis, para privilegiar aquelas que se utilizam de fontes renováveis.

“Qualquer projeto que envolva ação humana vai ter impacto ambiental. A questão é como minimizar isso”, diz Zoffmann.

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