Publicidade
SÃO PAULO – Diante do combate aos efeitos do coronavírus na economia, com novas preocupações em relação a um descontrole fiscal do governo e com expectativas de juros menores que a inflação, nem o investidor brasileiro de renda fixa tem tido sossego em 2020.
Se no passado a Selic em dois dígitos garantia bons prêmios sem grandes esforços, hoje até o título público mais conservador, o Tesouro Selic, tem frustrado com retorno negativo.
Levantamento feito pela Economatica a pedido do InfoMoney mostra que gestores de fundos de renda fixa não têm conseguido entregar bons resultados em um ano de tantos desafios.
Em um grupo com 230 fundos analisados, 80% perdem do CDI no ano até setembro, com retornos abaixo da variação de 2,28% do referencial. E cerca de metade dos produtos também não consegue sequer superar a inflação de 1,34% medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no período.
Foram considerados para o levantamento fundos de renda fixa com ao menos mil cotistas, patrimônio líquido médio superior a R$ 100 milhões em 12 meses e com no mínimo um ano de existência. Na seleção de fundos espelho, foram preservados aqueles com maior número de investidores. Fundos exclusivos ficaram de fora.
Entre os maiores retornos no intervalo, destacam-se os fundos com papéis de retorno prefixado. É o caso do “Bradesco Fc FI RF Prefixado Curto”, com alta de 4,24% no ano, e do “Icatu Vanguarda Prefixado FI RF LP”, que sobe 4,04%.
Continua depois da publicidade
Os ganhos refletem o aumento do nível de risco no ano, com o mercado exigindo maior prêmio para financiar o governo por meio da compra de dívida pública, principalmente ao longo das últimas semanas, diante da insegurança crescente dos investidores sobre a política fiscal em 2021.
Fundos com exposição a títulos públicos indexados à inflação de curto prazo também se destacaram, como o “BB RF LP Inflação IMA-B 5 Private Fc”, com ganhos da ordem de 4%, e o “Sul América Juro Real Curto FI RF LP”, com desempenho positivo de 3,96%.
Vale ressaltar ainda a rentabilidade de 42,4% do “BB Renda Fixa Dívida Externa Mil FI”, que investe em títulos de dívida negociados no mercado internacional, e se beneficiou com a valorização de 40% do dólar no ano.
Continua depois da publicidade
Leia também:
• Como escolher um fundo de investimento? Confira o comparador de fundos do InfoMoney
Já entre as maiores perdas do grupo, o destaque recai sobre as estratégias com alocação em títulos públicos indexados à inflação de longo prazo. Isso porque, quanto maior o prazo médio de duração (duration) do ativo, mais sujeito ele está à volatilidade do mercado.
Com o governo tendo dificuldades para encontrar um caminho de transição para pôr fim ao auxílio emergencial, o estresse e a consequente volatilidade do mercado foram bastante intensificados no cenário recente.
Continua depois da publicidade
O fundo “Itaú Renda Fixa Juros Reais B5+”, por exemplo, recua 5,4% no ano, até setembro. Na sequência, aparecem o “Icatu Vanguarda FC de FI Inflação Longa Renda Fixa LP”, com queda de 5,3%, e o “BTG Pactual Tesouro IPCA Longo FI RF Referenciado”, com perdas de 4,8%.
Os fundos de crédito privado, que sofreram pelos saques dos investidores no momento de aumento da aversão ao risco, forçando os gestores a vender ativos de qualidade a preços abaixo do valor justo, também estão entre as maiores perdas do ano.
Destaques negativos para o “Schroder High Grade”, com perdas de 4,6%, e para o “Gauss Income”, com desvalorização de 3,5%.
Continua depois da publicidade
Na Devant Asset, a marcação a mercado das debêntures levou o fundo “Devant Solidus Cash FI RF” a diminuir a alocação em crédito estruturado (como em Certificados de Recebíveis Imobiliários) e a buscar assimetrias em papéis de companhias líderes de mercado, com maior robustez financeira.
Entre as oportunidades no auge da pandemia, Bruno Eiras, diretor de gestão da Devant Asset, cita nomes como Natura, pagando CDI mais 5,7%, e Light, com taxa de 6,5%. O fundo tem queda de 1,2% no ano até setembro.
Gestão ativa
Do lado positivo, entre os fundos que mais se destacam em 2020 estão o “XP Inflação Referenciado IPCA FI Renda Fixa Longo Prazo”, com ganhos de quase 4%, e o “ARX Elbrus Fundo Incentivado Infraestrutura Renda Fixa”, que sobe 4,5% e ficou na sétima posição entre as maiores altas.
Continua depois da publicidade
Segundo Eric Vieira, cogestor dos fundos de renda fixa da XP Asset, a performance no período se deve à combinação de títulos públicos indexados à inflação e debêntures. Ele explica que os investimentos se beneficiaram, desde meados de abril, da gradual redução das taxas pagas após o maior susto gerado pela Covid-19, levando a um consequente aumento dos preços.
Vieira assinala que a fatia de títulos de emissão corporativa no portfólio está acima da média histórica, após ganhar representatividade nos meses de março e abril, quando do forte aumento nas taxas de retorno como reflexo do nervosismo causado pelo coronavírus.
“Gosto bastante de ativos indexados ao IPCA mais curtos, porque a inflação corrente está bem alta, então conseguimos alocar em debêntures com vencimento até março de 2021”, diz.
Nos títulos privados, a preferência é pelos setores elétrico, de saneamento e de concessões rodoviárias.
Segundo Vieira, apesar da redução dos spreads desde abril, quando chegaram a pagar até 4% acima do Tesouro IPCA+ equivalente, o patamar ainda é interessante, na casa dos 2% acima do título indexado à inflação.
Pierre Jadoul, gestor de crédito da ARX, se diz cauteloso, buscando alocar em papéis de dívida com vencimentos curtos. “O governo está com dificuldade para endereçar a questão fiscal, teve um déficit muito grande esse ano e isso pesa na rolagem da dívida, então o cenário exige cautela.”
Incentivo tributário
Em um cenário já desafiador para os gestores de renda fixa, o investidor pessoa física tende a ter ainda mais dificuldade para encontrar boas opções na classe.
Para quem estiver disposto a incorrer no risco de crédito na classe, os fundos que compram debêntures isentas de Imposto de Renda (IR) despontam como uma das principais opções no radar de grandes gestores de patrimônio.
“O que mais gostamos na renda fixa privada são as debêntures incentivadas, para quem tem um horizonte de dois a cinco anos”, diz o estrategista de investimentos da gestora de patrimônio UBS Consenso, Ronaldo Patah.
Além de oferecer a isenção do IR, em muitos casos, as debêntures que compõem o portfólio dos fundos são corrigidas pela inflação, diz o especialista.
Em meio ao risco de alta dos preços na esteira dos gastos para frear os estragos da pandemia, parece prudente manter pelo menos uma parte dos investimentos indexados ao IPCA de modo a proteger o poder de compra, afirma Mário Kepler, sócio do multi-family office Portofino.
Pelo risco de crédito, Kepler diz que as debêntures incentivadas oferecem prêmios próximos a um ponto percentual em relação aos títulos públicos indexados à inflação (NTN-B), no caso daqueles de prazo intermediário, ao redor de 2030.
Ele cita como exemplo uma emissão incentivada feita em meados de setembro pela empresa do setor de energia Eneva, que saiu com taxa de 4,1%, além do IPCA, e com vencimento em 2030. A NTN-B de mesmo prazo pagava prêmio de 3,3% nesta segunda-feira.
Grau de investimento ou alto rendimento?
Luiz Nazareth, diretor de investimentos da Azimut Brasil Wealth Management, afirma que não é preciso incorrer em grandes níveis de risco no crédito privado, uma vez que há fundos com foco em títulos classificados com o rating “grau de investimento” que oferecem hoje prêmios entre 1,5% a 2% além do CDI.
O selo de grau de investimento, explica Nazareth, é concedido apenas para grandes empresas, consolidadas em seu mercado de atuação, e que costumeiramente acessam os bolsos dos investidores. Portanto, de baixo risco de crédito.
Luis Barone, sócio-diretor da Galapagos Wealth Management, tem uma visão diferente. Diante da liquidez abundante fruto dos juros baixos e da política fiscal expansionista, ele argumenta que os títulos grau de investimento não oferecem prêmios muito atraentes.
Por isso, a atenção da Galapagos Wealth Management tem se voltado aos papéis “high yield”, ou de alto rendimento (e com maior risco). Barone afirma que, para considerar ativos “high yield” para a carteira, as taxas começam a partir de 4% além do CDI, podendo chegar em alguns casos até 6%.
“No entanto, até mais importante do que a rentabilidade do ativo, é entender qual o nível de risco embutido na operação antes da aquisição do título”, diz.
Ele afirma ainda que, por se tratar de um nicho mais arriscado, é essencial uma análise minuciosa sobre o gestor responsável pelo fundo, principalmente no que tange ao histórico profissional ao longo dos últimos anos, para saber qual a consistência na entrega de resultados em diferentes ciclos econômicos.
Série gratuita do InfoMoney explica a hora certa de entrar e sair de ativos na Bolsa: clique aqui e aprenda como vencer os tubarões do mercado com consistência e segurança