Renda fixa americana começa a ficar “interessante” – em certos casos, até melhor que ações, diz BB Asset

Marcelo Pacheco, CIO da casa, também afirma que títulos high grade estão com os mesmos preços de títulos high yield, o que chama atenção

Bruna Furlani

Marcelo Pacheco, CIO da BB Asset

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A volta dos rendimentos dos títulos do Tesouro americano (Treasuries) para as máximas em 16 anos nesta semana pode mudar a visão da BB Asset sobre a alocação em renda fixa nos Estados Unidos, especialmente de bonds (títulos de dívida) americanos.

“Estamos num ponto que começa a ficar interessante olhar para a renda fixa americana”, destacou Marcelo Pacheco, CIO da BB Asset, em entrevista ao InfoMoney nesta quinta-feira (17).

A justificativa está na reprecificação vista na curva de juros dos EUA. Ontem (16), a taxa dos títulos de dez anos do governo chegou a 4,256% – maior nível de fechamento desde 2007. No meio de julho, o papel oferecia juros de 3,809%, a título de comparação.

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o rendimento do papel de 30 anos chegou a 4,4219%, superando a alta de 2022 e alcançando o nível mais alto desde 2011, impulsionado pela resiliência da economia americana e uma oferta crescente de dívida pelo governo.

Com a mudança na curva, Pacheco defende que o momento atual poderia incitar uma dúvida maior entre os investidores sobre comprar ações ou títulos de dívida de empresas.

“Está chegando o momento em que você pode analisar se é melhor comprar crédito ou equity [ação]”, diz o CIO da BB Asset. “Tempos atrás, não existia essa dúvida, porque o juro estava muito baixo. Agora, vai ter situações em que vai valer mais a pena comprar o crédito”.

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Além de visualizar uma possível janela de entrada na renda fixa, o profissional chama a atenção para um fenômeno atípico que tem ocorrido no mercado americano. É possível encontrar títulos high grade (de menor risco e retorno) com preços e taxas bem semelhantes às dos papéis high yield (de maior risco e retorno).

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Na avaliação de Pacheco, a reprecificação na curva teria sido puxada por algumas certezas e outras suspeitas. Um dos fatores que são certos é o rebaixamento do rating americano pela Fitch Ratings.

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No começo do mês, a agência de classificação de risco rebaixou o rating de emissor de inadimplência a longo prazo e moeda estrangeira (IDR, na sigla em inglês) dos Estados Unidos de AAA para AA+, com perspectiva estável.

Na ocasião, a Fitch justificou que a alteração refletia a deterioração fiscal esperada para os próximos três anos, assim como a crescente dívida do governo.

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“Os Estados Unidos têm desafios fiscais elevados. Estão com uma dívida grande que está sendo corrigida a uma taxa de juro real positiva depois de muito tempo com a taxa em zero”, observa Pacheco.

Outro motivo envolve uma precificação muito otimista adotada anteriormente pelo mercado, em que os agentes estavam projetando uma possibilidade de corte de juros em breve nos Estados Unidos – o que a BB Asset não via como possível.

Para Pacheco, o cenário atual exige cautela por parte do Federal Reserve (Fed, banco central americano), o que não parece permitir um início do ciclo de corte de juros no começo do ano que vem e, sim, apenas no segundo semestre.

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De olho na China

Para além de olhar com atenção o comportamento dos mercados americanos e a função e a reação dos bancos centrais, a casa também tem monitorado de perto os últimos dados vindos do gigante asiático, que decepcionaram o mercado.

“Nosso cenário-base é de que a China terá uma desaceleração controlada. Ela vem tentando migrar para uma economia de serviços. Isso é difícil de fazer, mas ela já surpreendeu muitas vezes no passado”, afirma o gestor.

Pacheco lembra que o país vem tentando impulsionar a economia do lado da demanda, com o corte de várias taxas de juros na última terça-feira (15), mas que o maior problema atualmente está na parte de oferta.

Na avaliação do gestor, a dificuldade de ler os dados que vêm da China podem ser um fator de risco para a Bolsa brasileira, já que boa parte do Ibovespa é composta por companhias de commodities, como Vale (VALE3) e Petrobras (PETR3;PETR4).

Com uma preocupação maior com os possíveis efeitos de um ambiente mais delicado no exterior, o executivo diz que está “cautelosamente ou ligeiramente” otimista com a Bolsa local.

“São esses desafios com relação à função de reação dos bancos centrais, como é que vai se dar o conflito entre Rússia e Ucrânia, preços de commodities e China que nos preocupam”, afirma.

Embora a tramitação do arcabouço fiscal ainda não tenha terminado no Congresso Nacional, Pacheco acredita que o projeto possui desafios, mas representa uma boa solução, e não há perspectiva de descontrole das contas públicas.

Entre os setores que a casa mais está otimista está o agronegócio. “É um setor que era pouco representado na Bolsa e isso tende a crescer. Temos a pretensão de ser a referência nesse segmento”, destaca.

A perspectiva positiva vale também para as ações do setor, caso da Rumo (RAIL3) e da Kepler Weber (KEPL3), que estão entre as apostas da casa no agronegócio. Segundo o gestor, a primeira possui um grande potencial de crescimento em transportes, enquanto a segunda poderia se destacar devido ao déficit de silos que há no Brasil atualmente.

“São dois exemplos de empresas que gostamos e que estão na nossa alocação. As duas fazem parte da cadeia do agro sem estar envolvidas na produção de grãos ou de etanol diretamente”, acrescenta.

Real deve voltar a apreciar

Embora o dólar tenha avançado contra o real nos últimos dias, a avaliação do executivo da BB Asset é de que o real deve voltar a se apreciar contra o dólar ficando abaixo de R$ 5 – assim que a curva americana e a relação do dólar contra as demais moedas começar a se estabilizar.

Como justificativa, Pacheco pondera que não vê problemas vindo do balanço de pagamentos e que houve um fortalecimento global do dólar nas últimas semanas, puxado também pela reprecificação da curva americana.

Pegando como exemplo o índice DXY, que mede a força do dólar em relação a outras seis divisas, é possível perceber que o indicador passou de 99,84 pontos, no meio de julho, para 103,48 pontos, na sessão de ontem (16).

“Estamos com reservas altas, balanço de pagamentos tranquilo e déficit pequeno em conta corrente. Isso nos dá uma visão de que o real pode voltar a se apreciar, se não acontecer nada muito inesperado no exterior”, conclui Pacheco.