Por que o J.P. Morgan Asset avalia que é hora de você reduzir o risco da carteira

Gestora não espera acordo entre Estados Unidos e China na guerra comercial nos próximos 18 meses; risco de recessão americana ainda é menor que 50%

Beatriz Cutait

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SÃO PAULO – A mudança de perspectiva com relação à extensão da guerra comercial travada entre Estados Unidos e China, com piora da confiança, aumento das incertezas e a visão de que os riscos são para baixo, tem servido de munição para uma postura mais defensiva no mundo em termos de investimento.

Pelo menos essa é a avaliação defendida pela equipe do J.P. Morgan Asset Management, instituição responsável pela gestão de US$ 1,8 trilhão ao redor do mundo. Em entrevista concedida ao InfoMoney, Gabriela Santos, estrategista para mercados globais, destacou que o momento anda menos favorável à tomada de riscos, o que favorece a alocação em ativos mais seguros, nos Estados Unidos, e pressiona mercados emergentes. O Brasil, contudo, é visto como uma alternativa menos pressionada nesse ambiente.

“Não quer dizer que o Brasil vai ser blindado dessa aversão a risco, mas que, em termos relativos dentro de emergentes, ele tem uma história interessante”, afirmou a estrategista brasileira, que fica baseada em Nova York. Além de não estar na linha de fogo direta das disputas comerciais, o país está no radar pela evolução das reformas e pela redução das incertezas na política econômica.

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Com mudanças feitas ao longo de 2019, principalmente a partir de maio, quando as preocupações com a guerra comercial se acentuaram, a gestora do J.P. Morgan alterou a classificação em renda variável em mercados emergentes para “underweight” (abaixo da média do mercado, equivalente à venda), o que não significa estar zerado, segundo Gabriela. Em renda fixa, a posição é neutra, com maior foco em dívida emergente em dólares do que em moedas locais.

Já na cena externa, é melhor o investidor brasileiro começar a se acostumar à volatilidade nos mercados despertada pelas tensões envolvendo a guerra comercial, pois a gestora não espera nenhuma mudança de peso nas negociações pelo menos nos próximos 18 meses, período que vai abranger, inclusive, a eleição presidencial americana. Por outro lado, ainda que os riscos globais estejam maiores, os Estados Unidos não deverão enfrentar uma nova recessão tão cedo, com um risco hoje abaixo de 50%.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista sobre a disputa entre americanos e chineses, o poder de fogo do Fed, o banco central dos EUA, para agir, as perspectivas para o mercado brasileiro e a avaliação da casa sobre a crise enfrentada na Argentina, lembrando que a conversa aconteceu antes de o país declarar moratória.

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Como está o clima no mercado americano nos últimos tempos? Quais são as consequências esperadas da guerra comercial com a China?

Tivemos várias mudanças ao longo deste ano. Começamos vendo uma melhora na confiança do consumidor, depois de um dezembro muito ruim. Já tinha havido uma melhora de perspectiva do investidor com a economia americana e global, e tinha uma certa expectativa de que os Estados Unidos e a China iriam chegar eventualmente a um acordo. (…) Infelizmente isso mudou muito, porque essa expectativa de um acordo se mostrou incorreta, com a escalada das tensões em maio e depois, de novo, em agosto. Então a confiança piorou nesses últimos meses. Agora a expectativa-base, nossa e do mercado, é de que não vamos chegar a nenhum acordo permanente entre as duas maiores economias do mundo nos próximos 18 meses. Então teremos que viver com essa incerteza por mais tempo, o que vai continuar deprimindo o crescimento global, e o risco é de piora.

E qual é a força do Fed para tentar conter uma desaceleração mais forte nos EUA? Como vocês enxergam os próximos passos da autoridade monetária no meio desse conflito?

Acho importante começar pensando qual é realmente o impacto desse conflito. O primeiro impacto direto seria via tarifas, que têm sido aumentadas nos Estados Unidos e na China, depois de décadas de queda. A temperatura das tarifas em si ainda é relativamente baixa, não está afetando tanto a economia nesse mecanismo direto. O impacto indireto mais importante, relevante e difícil de calcular se dá via queda bem profunda na confiança nas empresas. E isso está pegando muito dos dois lados no investimento. Esse é o impacto realmente mais profundo que está causando a desaceleração na economia global e americana nos últimos meses. O quanto um corte de juros – possivelmente até mais alguns cortes de juros – realmente ajuda com esse problema de incerteza? Não é muito, porque o problema para as empresas não é de custo de financiamento alto; o problema é a incerteza com relação às regras do jogo. No máximo, o Fed consegue estabilizar a economia, mas a política monetária em si não vai conseguir reacelerar a economia.

Os investidores devem se preparar para uma recessão nos Estados Unidos, seria a hora de reduzir os riscos das carteiras?

Nosso cenário-base não é o de uma recessão nos próximos 12 meses. Ainda achamos que, com os dados que temos no momento, uma parte importante da economia nos EUA, que é o consumo, está sólida. Então o nosso cenário-base ainda é de um crescimento positivo nos Estados Unidos nos próximos 12 meses, abaixo de 2% de crescimento de PIB, mas positivo, e muito dependente do consumo das famílias. Dito isso, os riscos claramente estão mais para baixo. Estamos olhando muito de perto principalmente os dados de trabalho para conseguir sentir se essa parte importante, esse bote salva-vidas da economia, está começando a ter problemas. (…) Mas temos recomendado diminuir o risco na margem e aumentar mais a defesa nos portfólios de investimento.

A inversão da curva de juros americana tem, de alguma maneira, alarmado os mercados. Seria um exagero ver esse movimento como uma antecipação de uma recessão?

A curva de juros dos Estados Unidos nunca foi uma bola de cristal. Ela sempre inverte antes de uma recessão, mas nunca contém os detalhes completos, porque nunca nos conta quando a inflação vai chegar nem quão profunda ela vai ser. É sempre um pedaço de um mosaico maior que devemos olhar com relação à economia. Se combinarmos a curva de juros com outros indicadores de mercado e econômicos, eles mostram que o risco de recessão tem aumentado ao longo dos últimos meses, mas ainda é abaixo dos 50% na nossa visão.

Na última semana, a equipe do banco do J.P. Morgan indicou que o mercado acionário começava a ficar atrativo e que enxergava uma série de catalisadores positivos que poderiam puxar sua recuperação. Como vocês estão posicionados hoje nos mercados de ações, juros e câmbio?

Na gestora, nosso horizonte de investimento conta em anos, não em meses muito menos em dias. Quando olhamos para alguém que está poupando, investindo realmente para o longo prazo, achamos que o melhor posicionamento seria combinar ativos de risco, como renda variável e crédito, com alguns mais defensivos. E realmente o que é mais defensivo no mundo são ativos americanos, o que vai incluir Treasuries [títulos do governo] e, regionalmente, uma ênfase maior em ativos de risco nos Estados Unidos versus outros mercados que vemos com mais alto risco, incluindo países emergentes.

Falamos das mudanças de perspectiva do início do ano para cá. Embora a alocação seja focada no longo prazo, como essas alterações se refletem sobre o cenário de investimentos?

Temos recomendado já faz um certo tempo, mas mais ainda nos últimos meses, diminuir a alocação em ativos de risco na margem. Se antes estávamos “overweight” (classificação acima da média do mercado, equivalente à compra) em renda variável versus renda fixa, agora diminuiríamos para estar mais “neutral”, em renda fixa e renda variável. Outra maneira também seria, dentro de renda fixa, diminuir a exposição a crédito, coisas como high yield, dívida emergente, e aumentar o que é Treasury, algo bem defensivo. Nunca é uma mudança tão drástica, é mais na margem para diminuir um pouco o risco.

Existem distinções importantes entre os países do grupo emergente hoje?

Parte dessa diminuição de risco tem a ver com diminuir um pouco a exposição a ativos que nós consideramos de mais alto risco, de alta volatilidade, que seriam de emergentes. Então seria favorecer mais os Estados Unidos versus países emergentes. Não é zerar, não é sair totalmente, já que realmente acreditamos na história a longo prazo de renda variável e renda fixa emergentes, mas diminuir na margem e favorecer um pouco os Estados Unidos.

Dentro dos emergentes, existem maneiras de se proteger um pouquinho mais dessa volatilidade relacionada às tensões comerciais. Uma delas seria, na Ásia, focar mais em histórias domésticas, mais relacionadas ao consumo interno da China, da Índia, e não tanto em companhias que são grandes exportadoras, que estão super vinculadas a essas incertezas.

A segunda maneira seria focar em países ou regiões que tenham uma história completamente diferente, que não estejam tão apegados a essa evolução de tensões comerciais. Colocaríamos a Índia como um exemplo e poderíamos colocar também o Brasil. Não quer dizer que o Brasil vai ser blindado dessa aversão a risco, mas que, em termos relativos dentro de emergentes, ele tem uma história interessante.

Mas mais por conta do maior fechamento [comercial] do país ou por uma dinâmica diferente do Brasil?

Por duas coisas. Primeiro que o Brasil e a América Latina como um todo — fora o México — não estão na linha de fogo direta dessas brigas comerciais. Então isso ajuda, ao contrário da Ásia. E segundo porque temos visto essa evolução de reformas econômicas no Brasil e a redução de incerteza na política econômica, o que é uma rara exceção nesses dias no mundo.

Falando de Brasil, estamos no meio de um processo de ajuste monetário, mas com uma economia que ainda não deu os sinais esperados de recuperação, e também com um novo problema cambial, com o dólar testando patamares cada vez mais altos. Quais são suas expectativas para o nosso mercado?

Quando o investidor estrangeiro olha para o Brasil, ele sempre pensa primeiro em emergentes, como uma alocação como um todo. Então é difícil o mercado brasileiro, seja moeda, renda variável ou renda fixa, ser completamente blindado dessa redução de risco do investidor global. Em termos absolutos, é um momento difícil. Mas falando especificamente dos fatores do Brasil, temos visto uma melhora da perspectiva externa do país, relacionada à implementação, ao começo de uma agenda econômica.

Mas, em algum momento, vai ser muito importante ver isso traduzido em crescimento econômico e em um crescimento de lucro melhor, porque, no fim do dia, é essa a razão pela qual o investidor estrangeiro compra países emergentes. É um ritmo de crescimento superior ao que se pode encontrar em países desenvolvidos, tem que valer a pena o risco.

Existe uma visão de que, ainda que o investidor estrangeiro esteja entrando no mercado via oferta de ações, ele não trouxe um fluxo relevante de recursos para o país, mesmo depois de a esperada reforma da Previdência deslanchar. O que tem decepcionado eventualmente esse investidor para ele não estar retornando ao Brasil?

Realmente o mais importante é o cenário externo. Nunca seria possível ter uma retomada expressiva de fluxo para o Brasil sem que ela fosse acompanhada e adiantada por uma bela melhora de fluxo para ativos emergentes como um todo. Essa é uma condição muito importante, é a perspectiva do investidor estrangeiro com relação a ativos de risco, como países emergentes. E infelizmente não é exatamente o momento em que estamos.

Qual a avaliação de vocês sobre a situação argentina?

A Argentina está passando por um momento muito difícil. Essa possível – e que nos parece provável – mudança de governo vai trazer consigo muita incerteza para a economia e para os investidores olhando para a Argentina. (…) Ainda temos que ver a evolução da eleição em outubro, mas nos parece muito difícil fechar essa brecha entre a oposição e o governo do Macri [atual presidente do país]. E acho que essa foi uma lição muito importante para o investidor estrangeiro que estava buscando retornos mais altos, com juros muito baixos aqui, e em todos os lugares para os quais olhamos nos países desenvolvidos. A dívida argentina estava muito interessante, e vimos muito investidor comprando dívida sem considerar muito o risco.

Isso prejudica ainda mais a volta do estrangeiro para países como o Brasil?

Eu diria que não se trata tanto de misturar a história argentina e a do Brasil para um investidor que conhece a região, que sabe que são coisas diferentes. Mas, para alguém que estava só buscando juro mais alto sem considerar o risco, acho que está tendo uma repensada ao quanto de risco ele está exposto na parte de renda fixa. E isso vai incluir dívida emergente como um todo, incluindo Brasil e México, que ainda oferecem juros altos para o investidor estrangeiro.

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Beatriz Cutait

Editora de investimentos do InfoMoney e planejadora financeira com certificação CFP, responsável pela cobertura do universo de investimentos financeiros, com foco em pessoa física.