Parece pirâmide, mas é DeFi: como brasileiros obtêm retornos de dois dígitos por mês com criptomoedas

Há relatos de quem consegue atingir rentabilidade de 40% em um único mês, mas especialistas alertam para alto risco das operações

Paulo Barros

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Enquanto o investidor de renda fixa corre contra o tempo para aproveitar o que podem ser os últimos dias de Selic a 13,75% ao ano, há um submundo dos investimentos em que essa taxa de retorno é considerada de baixíssima atratividade: quem se aventura no mundo das criptomoedas afirma conseguir rentabilidade que, em certas ocasiões, pode atingir 40% em um único mês.

Rentabilidades de dois dígitos podem parecer boas demais para ser verdade, mas são possíveis nas finanças descentralizadas (DeFi), segmento das criptomoedas em que programas de computador permitem a qualquer pessoa realizar operações que, no mercado financeiro tradicional, são reservadas apenas a instituições: emprestar em troca de juros, fornecer liquidez para negociações ou atuar diretamente como formador de mercado.

“É diferente de investir em uma criptomoeda na baixa e esperar ela subir. Independentemente do que está acontecendo no preço dos ativos, vai ter gente comprando e vendendo, e vai ter que ter alguém agindo como contraparte”, explica Caio Vicentino, que foi pioneiro dessa estratégia no Brasil no final de 2019.

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Em 2017, após trabalhar na fazenda da família no Ceará, ele aprendeu sobre mercado financeiro no InfoMoney e começou a investir aplicando R$ 2 mil em ações. Dois anos depois, porém, tudo mudou: percebeu que os ativos digitais ofereciam mais oportunidades e, já com R$ 50 mil ganhos na Bolsa, levou tudo para as criptomoedas — e nunca mais voltou.

Waldemar Gersenson, engenheiro de produção de São Paulo, entrou em DeFi também em 2019 e se fascinou quando descobriu que poderia ter ali uma segunda renda importante para complementar o faturamento da empresa familiar de seguros onde ainda trabalha.

“Eu já fiz 25% em um mês, e 40% em outro, em dólar. Mas também já fiz 2%. A rentabilidade varia bastante, depende muito das técnicas que você utiliza e se o mercado está favorável”, comentou em entrevista ao Cripto+ (assista à íntegra no player acima).

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Mesmo com as flutuações, ele destaca que não há nada parecido no mercado tradicional. “O DeFi elimina intermediários, são contratos inteligentes (smart contracts) entre pessoas que você não conhece, cada uma em um lugar do mundo, que deixam taxas no meio do caminho”, resume.

As oportunidades em DeFi também atraíram as atenções do Procurador da República Alexandre Senra, coordenador do Grupo de Trabalho de Criptoativos do Ministério Público Federal (MPF).

Após atuar em casos relacionados a pirâmides financeiras com uso de criptos em 2019, ele começou a estudar o assunto e, em 2021, já havia mergulhado de cabeça nas finanças descentralizadas.  “O DeFi [funciona como um meio] não só de aplicar o conhecimento que adquiri, mas também de buscar boas rentabilidades”, diz.

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Como se ganha dinheiro em DeFi?

Essas pessoas já têm criptomoedas e as colocam para render em algum serviço automatizado que precisa de liquidez para alimentar transações de ativos digitais.

A remuneração também é paga em cripto, depositada diretamente na carteira digital do usuário. Para transformar em dinheiro, é preciso então convertê-las por meio de uma exchange e fazer o Pix para a conta bancária.

A forma mais simples de obter rendimento em DeFi é via staking, em que o usuário “empresta” para um protocolo, seja para viabilizar o trabalho de verificação de transações, ou para alimentar serviços de crédito em cripto. Em troca, recebe juros na forma do token do projeto.

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O meio mais rentável, porém, é se tornando um formador de mercado em protocolos como o Uniswap (UNI), que permite depositar criptomoedas e programar um software que irá comprar e vender automaticamente a depender das dinâmicas do mercado.

Mas, nem tudo é automático, pois é preciso ter habilidades para calibrar o programa e escolher os tokens que serão fornecidos, entre outros detalhes que exigem conhecimento aprofundado.

Quanto é possível ganhar?

Embora haja relatos de ganhos altos de 40% em um mês, casos como esse são raridade. “Se alguém garantir uma rentabilidade mínima, é pirâmide. Não existe isso no mundo cripto”, aponta Gersenson.

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A rentabilidade é imprevisível porque depende do volume de negociação futuro: depois de criar um pool de liquidez, é preciso esperar para ver se haverá negociações dos tokens escolhidos na faixa de preços programada.

No final das contas, retornos altos são para poucos. João Ferreira, fundador da startup Picnic, alerta que conseguir dois dígitos em um mês é até possível, mas extremamente difícil. “O mais comum é que rendimentos de 10% ao mês sejam em ativos altamente inflacionários ou muito difíceis de precificar”, explica.

“O retorno mais seguro no DeFi é de 3-4% ao ano em dólar (atualmente, inferior aos títulos do tesouro americano) e carrega o risco de uma nova tecnologia”, reforça.

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Para conseguir juros mais altos, é preciso apelar para operações mais arriscadas e que exigem conhecimento avançado. Segundo Vicentino, mesmo em um momento delicado como o atual e com gerenciamento de risco severo, consegue obter um ganho médio de 5% a 7% ao mês dedicando pouco tempo.

Já Gersenson defende uma atuação mais ativa, recalibrando posições com constância para obter melhores resultados.

Riscos envolvidos

Quem quer faturar alto em DeFi precisa avaliar muito bem os riscos envolvidos na atividade. Entre eles está o impermanent loss (perda impermanente), fenômeno próprio das criptomoedas que pode corroer o investimento em situações de maior volatilidade.

“Ao prover liquidez, você tem a garantia que irá ganhar menos se um ativo subir de preço e perder mais se um ativo cair de preço. A expectativa é que essas perdas sejam compensadas pelas taxas de transação, mas nem sempre é verdade, e no geral é uma operação bastante sofisticada de ser feita”, explica Ferreira, da Picnic.

Há ainda risco de ataque hacker pelo caráter experimental de vários protocolos, fora possíveis prejuízos com ativos frágeis dados como recompensa.

“Minha recomendação é não entrar nesse mundo com expectativas de ganhos absurdos, mas sim com a expectativa de conhecer uma tecnologia revolucionária no seu início”, pontua o fundador da Picnic.

Aposentadoria em cripto

Depois de assumir o risco e passar por um processo intenso de aprendizado, o investidor de DeFi até pode deixar se importar com a taxa de retorno. No caso de Senra, do MPF, o investimento em DeFi não é uma forma de obter renda extra em dólares ou reais, mas de acumular mais tokens considerados promissores.

“Tenho uma determinada posição em criptomoedas e, em vez de deixar toda parada na carteira, recorro a alguns protocolos que vão me oferecer rentabilidade para conseguir aumentar o meu volume de criptomoedas no longo prazo”, conta.

Já Gersenson reverte os ganhos em DeFi para um fundo de viagem e, em breve, tem a esperança de conseguir se aposentar com mais conforto. “A minha intenção hoje é ganhar novos tokens ao longo do tempo, de plantar para colher depois, e me aposentar no próximo bull market“.

Sua expectativa não é infundada. No último momento de alta das criptos, quem participou ativamente desse mercado — e contou com uma boa dose de sorte — conseguiu navegar altas difíceis de acreditar.

O maior lucro de Vicentino, por exemplo, foi em um token recebido de graça em 2020 por fornecer liquidez para negociações no protocolo Curve (CRV). Só nesta oportunidade, ele conseguiu lucrar cerca de 290.000%. “Lembro como se fosse hoje: o token Yearn Finance (YFI) [que recebi] saiu de US$ 31,65 e, 11 meses depois, bateu US$ 90.000″.

Paulo Barros

Editor de Investimentos