Para além do eixo Rio-SP: gestores falam sobre as dores e alegrias de estarem afastados dos grandes centros na pandemia

Confira depoimentos de Real Investor (Londrina), Quantitas (Porto Alegre), AF Invest (Belo Horizonte), Finacap (Recife) e Invexa (Blumenau)

Lucas Bombana

(Shutterstock)

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SÃO PAULO – Embora Wall Street, em Nova York, represente o ponto central do mercado financeiro americano (e global), a busca por uma vida mais tranquila em cidades de menor porte já movia grandes investidores muito antes da pandemia e da popularização do “home office“.

Um dos casos mais emblemáticos é o do bilionário Warren Buffett, principal expoente da filosofia do “value investing” ao longo das últimas décadas, que mora e trabalha a partir de uma pequena cidade no Estado do Nebraska, o que lhe reservou o título de “oráculo de Omaha” por parte do mercado.

Buffett já afirmou que a qualidade de vida na cidade natal com cerca de 500 mil habitantes, sem o estresse e os ruídos das grandes capitais, é um dos principais motivos que o fez optar pelo sossego interiorano para fixar suas raízes.

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Trazendo o exemplo americano para a realidade brasileira, embora São Paulo e Rio de Janeiro sejam com folga a residência da maior parte dos gestores de recursos do país, existem exceções.

Um estudo realizado pela plataforma Comdinheiro a pedido do InfoMoney separou os fundos de ações e multimercados com mais de mil cotistas por conta e ordem (aqueles distribuídos por plataforma) ao fim de fevereiro e os organizou de acordo com as cidades-sedes de suas gestoras.

No caso dos fundos de ações, São Paulo desponta à frente, com R$ 44,4 bilhões do patrimônio, com o Rio de Janeiro na segunda posição, com R$ 18,4 bilhões do total sob gestão.

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Chama atenção a terceira posição ser ocupada pela cidade de Londrina, à frente da própria capital paranaense, em uma lista que conta ainda com Blumenau, em Santa Catarina, e Belo Horizonte, em Minas Gerais.

Na categoria dos multimercados, se destacam na lista a partir do terceiro lugar as cidades de Barueri (São Paulo) e Porto Alegre (Rio Grande do Sul).

Os dados referentes à soma do patrimônio gerido pelos gestores de cada cidade foram atualizados em 23 de março.

Não por acaso, entre as poucas gestoras de recursos fora do eixo Rio-São Paulo que se destacam na cena local, estão casas como a Real Investor, de Londrina, e a AF Invest, de Belo Horizonte.

Os exemplos contam ainda com a Quantitas, de Porto Alegre, e a Invexa Capital, de Blumenau. No Nordeste, uma das representantes do mercado de gestão de recursos é a Finacap, de Recife.

Em coro, os gestores mais afastados dos grandes centros financeiros do país defendem que, com a pandemia e todas as mudanças de hábito por ela aceleradas, a distância geográfica foi consideravelmente reduzida, especialmente no que diz respeito ao acesso aos investidores e às empresas.

E embora a mão de obra qualificada ainda seja uma desvantagem lembrada com recorrência, a qualidade de vida e uma percepção em relação ao mercado fora do consenso são apontadas, por outro lado, como vantagens das gestoras espalhadas pelo país.

“Omaha brasileira”

Uma das mais conhecidas gestoras independentes do grupo em questão é a Real Investor, que começou como um clube de investimento pelas mãos do londrinense Cesar Paiva, que não esconde de ninguém ter como grande referência no mercado o “oráculo de Omaha”.

O próprio nome da gestora tem como inspiração o livro “O investidor inteligente”, de Benjamin Graham, mentor de Buffett. “Londrina é minha Omaha”, brinca Paiva, acrescentando que, quando Buffett tomou a decisão de voltar para sua cidade natal após morar por alguns anos em Nova York, há mais de 50 anos, o acesso a informações era muito mais difícil.

“Não vejo grandes desvantagens por estar em Londrina; hoje, o acesso às informações é muito mais fácil”, afirma Paiva, acrescentando que, por conta da pandemia, tem tido uma interação maior tanto com empresas quanto com clientes por meio de serviços de transmissão de vídeo.

De todo modo, se por um lado a tecnologia ajudou a aproximar as pessoas, o gestor entende que algum distanciamento até cai bem.

Alinhado com Buffett, o discípulo de Londrina entende que estar fora dos grandes centros o ajuda a ter uma visão mais independente da média do mercado, o que tende a tornar seus investimentos menos expostos aos grandes efeitos manada de investidores.

“Muitas vezes bons negócios aparecem quando o mercado não está muito interessado na empresa e, pelo fato de estarmos fora do eixo Rio-São Paulo, conseguimos ter mais disciplina e independência para ter uma carteira diferente”, defende Paiva, que cita entre as maiores posições no fundo de ações os bancos BB e Bradesco, além da Porto Seguro, da BR Properties e da Neoenergia.

Presença digital

Na Quantitas, gestora sediada em Porto Alegre com cerca de R$ 2,3 bilhões em ativos sob gestão, Rogério Braga, sócio fundador, tem visão parecida. Estar no sul do país, diz, permite um acompanhamento mais acurado de determinados setores da economia do que estando em São Paulo ou no Rio de Janeiro.

O agronegócio, por meio de posições em empresas como SLC Agrícola e Kepler Weber, foi citado como um exemplo. “Olhando o nível de preços, nossa leitura é de que tem algumas oportunidades em papéis da Bolsa mais ligados às commodities, ao agro e ao varejo”, afirma Braga, que carrega também posições tomadas (que ganham com a alta) dos juros nos Estados Unidos.

Segundo o sócio da Quantitas, uma desvantagem que sentia antes da pandemia era o fato de não conseguir participar de todos os eventos presenciais realizados com frequência nas capitais paulista e carioca.

Com a pandemia, esse é um ponto que deixou de pesar contra, diz o sócio da Quantitas.

“A distância entre Porto Alegre e São Paulo praticamente desapareceu. Hoje basicamente todo evento ou reunião é virtual.”

Rogério Braga, sócio fundador da Quantitas

Apesar das distâncias geográficas encurtadas, uma das principais dificuldades que as gestoras fora do eixo Rio-SP ainda costumam enfrentar diz respeito à oferta mais limitada de mão de obra qualificada.

Para atacar esse problema, não é raro se valerem de jovens talentos oriundos das faculdades da região para formá-los dentro de casa, além de atraírem profissionais de fora.

Quando a situação no país estiver mais assentada, a tendência é que novas posições de caráter mais sênior que surgirem na Quantitas possam ser preenchidas por profissionais de outras cidades, assinala Braga.

Com a maior parte da equipe baseada na capital gaúcha, a gestora já contava com uma posição em São Paulo mesmo antes da pandemia, ocupada pelo sócio e economista-chefe Ivo Chermont.

Conexão SP-BH

No caso da AF Invest, em março de 2020, a mineira atraiu para seus quadros o gestor Stefan Castro para trabalhar diretamente de Belo Horizonte.

Carioca com passagem anterior pelo BTG Pactual no Rio de Janeiro e em São Paulo, Castro foi atraído pelo projeto que lhe foi apresentado, bem como pela qualidade de vida na cidade mineira, diz Evaldo Fontes, sócio fundador da AF Invest.

O gestor chegou para ampliar a grade com produtos de maior valor agregado da casa, que tem cerca de R$ 3 bilhões em ativos sob gestão e é conhecida pela expertise na renda fixa. A AF foi fundada em 2006 como um spin-off da empresa de assessoria financeira Araújo Fontes.

“Além da vida tranquila da capital mineira, a possibilidade de expansão da grade de produtos de uma casa com um viés forte para a área de crédito foi algo que chamou a atenção”, diz Castro.

Como resultado da sua chegada, em agosto foi lançado o fundo AF Global Bonds, que busca oportunidades no segmento de crédito privado na América Latina.

Origens coloniais

No caso da gestora baseada em Recife, a Finacap Capital, o CEO, Luiz Fernando Araújo, afirma que uma dificuldade que ainda sente por estar afastado dos centros financeiros diz respeito à captação de recursos com clientes de maior poderio financeiro, como fundos de pensão do Sul e Sudeste.

No início de 2020, a gestora chegou a abrir um escritório em São Paulo para mitigar o problema, mas, com a pandemia, essa foi uma frente que ainda não evoluiu conforme o esperado, aponta o CEO da Finacap.

Por outro lado, Araújo diz que o fato de a maior parte do volume sob gestão ser oriundo de investidores da região permite um alinhamento de interesse que casa bem com a filosofia de investimento de longo prazo da casa, ainda que hoje a relação mais próxima possa estar um pouco prejudicada pelo isolamento social.

“Foi isso que nos permitiu sobreviver nesses 24 anos atravessando várias crises”, diz Araújo, acrescentando que, para mitigar o problema de mão de obra, a gestora instituiu em 2016 um programa de férias aos moldes do “Summer Job” realizado pelos bancos americanos, voltado para universitários da região interessados no mercado financeiro. Cinco profissionais hoje na gestora chegaram a partir do treinamento.

Na Finacap, os ingressantes no mercado são apresentados à filosofia do “value investing” disseminada por Buffett nas últimas décadas e que também guia os investimentos na carteira do fundo de ações.

Entre as maiores posições no fundo Mauritsstad, batizado em referência à colonização holandesa no Recife no século 17, além de papéis de commodities como Petrobras, Bradespar e Suzano, Araújo cita também o setor de energia elétrica por meio de nomes como AES Tietê, Transmissão Paulista e Taesa. Com o andamento das discussões sobre sua privatização, a Eletrobras também entrou recentemente no portfólio.

A falta do “cafezinho”

Na Invexa Capital, de Blumenau, antes da pandemia, visitas a cada 45 dias eram realizadas à capital paulista para encontros com parceiros e investidores, afirma Fausto Curadi, diretor de distribuição e novos negócios da gestora.

Quando a situação estiver normalizada, o diretor entende que, embora a comunicação seja feita atualmente quase toda de maneira virtual, é importante manter algum tipo de contato presencial regular, em nome de um bom relacionamento com os investidores.

“A pandemia trouxe algumas coisas que vieram para ficar, como pode ser o home office em alguns níveis, mas ainda gosto de tomar um café, conversar, apertar a mão”, diz.

A estratégia do fundo carro chefe da Invexa, o long bias Inter+ Ibovespa Ativo, explica Curadi, consiste em uma carteira em que dois terços da exposição são voltados para ações selecionadas por meio de uma análise fundamentalista, com o terço restante preenchido por estratégias que se baseiam em análises grafistas para tirar proveito das assimetrias de curto prazo do mercado.

Na carteira fundamentalista, os setores de energia, construção civil e bancos médios estão entre as maiores apostas para 2021.