O triunfo dos conservadores: no Tesouro Direto, títulos de menor risco são os mais rentáveis no ano; veja lista

Papéis pós-fixados chegaram a render até 12,55% no acumulado de 2022, enquanto prefixados e atrelados à inflação tiveram perdas

Neide Martingo

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Para quem investe em títulos públicos do Tesouro Direto, 2022 foi uma caixinha de surpresas, com direito a Selic crescente, temor por conta das medidas contra a Covid, juros dos Estados Unidos e guerra na Ucrânia. As eleições presidenciais, que provocaram a turbulência mais recente, em razão do esperado “desajuste” fiscal, foram a cereja do bolo. Quem abre a caixa toma um susto em razão dos altos e baixos provocados por tantos fatores ao longo do período que está chegando ao fim.

Os analistas afirmam, em unanimidade, que os pós-fixados foram o grande presente para os investidores neste ano. É preciso reforçar que uma das recomendações tradicionais para quem investe em renda fixa é dar preferência a estes ativos – com a remuneração atrelada às variações da Selic ou CDI – nos períodos em que os juros estão subindo ou “estacionados”, como agora.

Essa estratégia permitiria capturar ganhos adicionais na aplicação conforme as taxas avançam – afinal, se o CDB (Certificado de Depósito Bancário) de um banco, por exemplo, oferece 100% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário) e o CDI aumenta, o retorno final também será maior.

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Foi o que se viu também no Tesouro Direto. Os títulos públicos pós-fixados, que oferecem a Selic como rendimento, foram os que mais valorizaram nesse ano, com retorno acumulado de até 12,55% até esta terça-feira (20).

Entre os títulos atrelados à inflação, o melhor desempenho ficou com o Tesouro IPCA+ 2026, que avançou 4,83% no ano. Já os demais títulos apresentaram queda. O Tesouro IPCA+ 2040 teve recuo de 1,62%, enquanto o que vence em 2045 desvalorizou 2,28%. O pior resultado foi do Tesouro IPCA+ 2055, com perda de 4,64%.

Entre os papéis prefixados, o que vence em 2025 avançou 4,28% no ano, melhor rentabilidade da categoria.

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Confira o desempenho dos títulos públicos em 2022 (em % até 20 de dezembro):

Tí­tulos Vencimento Últimos 30 dias No ano 12 meses
Tesouro Prefixado 01/01/2023 1,13 11,26 11,67
Tesouro Prefixado 01/07/2024 1,25 5,92 6,32
Tesouro Prefixado 01/01/2025 0,97 4,28 4,71
Tesouro Prefixado 01/01/2026 0,67 0,91 1,27
Tesouro Prefixado 01/01/2029 0,21
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais 01/01/2023 1,13 11,35 11,73
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais 01/01/2025 1,07 5,38 5,79
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais 01/01/2027 0,6 1,81 1,96
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais 01/01/2029 0,61 -0,63 -0,58
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais 01/01/2031 0,27 -2,4 -2,6
Tesouro Prefixado com Juros Semestrais 01/01/2033 0
Tesouro Selic 01/03/2023 1,13 12,02 12,32
Tesouro Selic 01/09/2024 1,12 12,23 12,55
Tesouro Selic 01/03/2025 1,12 12,35 12,67
Tesouro Selic 01/03/2027 1 12,55 12,88
Tesouro IGPM+ com Juros Semestrais 01/01/2031 -1,27 3,12 3,83
Tesouro IPCA+ 15/08/2024 0,54 7,9 8,33
Tesouro IPCA+ 15/08/2026 -0,64 4,83 5,15
Tesouro IPCA+ 15/05/2035 -1,91 -4,67 -4,94
Tesouro IPCA+ 15/05/2045 -5,37 -17,23 -17,86
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 15/08/2024 0,57 8,31 8,74
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 15/08/2026 -0,43 5,8 6,16
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 15/08/2030 -1,03 2,53 2,82
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 15/08/2032 -1,07
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 15/05/2035 -1,34 -0,26 -0,28
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 15/08/2040 -2,55 -1,62 -2,47
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 15/05/2045 -2,7 -2,28 -3,9
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 15/08/2050 -3,1 -3,44 -4,55
Tesouro IPCA+ com Juros Semestrais 15/05/2055 -3,39 -4,64 -5,99

Fonte: Tesouro Direto

“Barbeiragem” do Banco Central?

Houve alguns sustos proporcionados pela inflação na primeira metade do ano. Por conta disso, o Banco Central teve que elevar a taxa de juros para um patamar acima do que era esperado pelo mercado.

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Mas outro fator, além da tentativa de conter a inflação, também é apontado como razão para a forte elevação dos juros. Thiago Calestine, economista e sócio da Dom Investimentos, diz que pode ter havido, digamos, uma “inabilidade” do Banco Central.

Os títulos públicos geralmente são ofertados com periodicidade semanal pelo BC: às terças-feiras ocorrem os leilões de venda de NTN-Bs (ou Tesouro IPCA+) e às quintas-feiras, de LTNs (ou Tesouro Prefixado), NTN-Fs (Tesouro Prefixado com juros semestrais) e LFTs (Tesouro Selic).

“O BC errou muito na oferta desses títulos. Às vezes, ofertava mais título do que o mercado estava com apetite para comprar. E o mercado de taxa ‘grita’. Se o Banco Central está tentando captar dinheiro e o mercado não está interessado, é porque ou rendimento do título está muito baixo ou o preço alto demais”, diz.

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A ação do mercado, diante deste quadro, é jogar os títulos para cima, diz Calestine. “Isso também fez com que os títulos pós-fixados ficassem um pouco mais inertes a essa ‘barbeiragem’ do Banco Central em 2022”.

Lucas Queiroz, estrategista de renda fixa para pessoa física do Itaú BBA, faz uma retrospectiva: o que o mercado esperava para este ano, no fim do ano passado? “O mercado tinha como implícita, na curva de juros, uma inflação ao redor de 5% a 5,25%. Os títulos IPCA+ com prazo médio de dez anos estavam com uma taxa perto de 5% ao ano. E os prefixados, com prazo médio entre cinco a dez anos, estavam girando em torno de 11%”, relembra.

A inflação, segundo Queiroz, vai ficar apenas um pouco acima do que já estava precificado e deve fechar em 5,8% aproximadamente. Para quem tinha 5,2% no início do ano, não vai se surpreender tanto. Mas, e as taxas? Os 5% do IPCA+ viraram, neste momento, de 6% a 6,20% ao ano. E essa elevação gerou perdas. “É muita oscilação durante o ano”, diz. “A marcação a mercado nesses títulos não foi favorável”.

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Em geral, quanto maior era o prazo médio do Tesouro IPCA+, pior foi para o investidor ao longo de 2022. Nos prefixados, a dinâmica foi parecida. Os 11% do começo do ano viraram 13% ou 13,5% agora. Vale a mesma lógica. Ou seja, ganhou este ano quem ficou locado em títulos pós-fixados, ou títulos de prazos bem curtos.

Em 2023, volatilidade desde o início

O próximo ano, diz o especialista do Itaú, já começa com grande volatilidade, por conta da PEC da Transição, aprovada pelo Senado Federal prevendo uma ampliação de R$ 145 bilhões por dois anos no teto de gastos – regra fiscal que limita o crescimento de despesas públicas em um exercício à variação da inflação no ano anterior. “O risco fiscal provoca temor. Quando eu olho para frente, estou querendo saber primeiro o que já está precificado. O mercado está com bastante receio do que pode vir”.

Queiroz lembra que houve a reversão da Lei das Estatais na Câmara, em apenas uma noite na última semana, e destaca quantas outras medidas podem ser alteradas. O investidor fica com o pé atrás e o mercado não quer pagar pra ver. “O governo agora vai ter que passar alguma credibilidade porque o mercado já passou a desconfiar dele”.

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Alexandre Satoru Yamamoto, analista de renda fixa da Levante Investimentos, afirma também que este ano “sem dúvida” foi dos pós-fixados. As LFTs (Letras Financeiras do Tesouro) foram os únicos títulos que renderam acima do CDI. “Os papéis foram favorecidos com o ciclo de alta da Selic, que passou de 9,25% para 13,75% ao ano. No ano, o acumulado para os vencimentos março de 2025 e março de 2027 está acima dos 12%, enquanto o CDI foi de 11,63% (até 13 de dezembro).

As NTN-Bs tiveram uma boa performance até o meio do ano, em função da pressão inflacionária proveniente da guerra na Ucrânia e seus efeitos sobre os preços de energia. Mas eles foram afetados por dois fatores.

O primeiro é a alta dos juros, que impacta a parte prefixada: se as taxas de cupom sobem, os títulos perdem valor na marcação a mercado. E as medidas de desoneração dos combustíveis, que provocaram uma deflação de três meses seguidos e afetaram a parte pós-fixada.

As LTNs e NTN-Fs (Tesouro Prefixado) também não foram bem em 2022. “Isso já era esperado, visto que o ganho nos títulos prefixados se dá em ciclos de cortes de juros. Mas o ano foi marcado pelo forte aperto monetário no primeiro semestre, devido à alta da inflação, e pela alta volatilidade no segundo semestre, por conta das eleições e sinalizações do governo eleito”, explica Yamamoto.

Pensando em marcação a mercado, o melhor ativo, de acordo com Marina Renosto, head de alocações da Blackbird, foram as LFTs,  que acompanham a taxa de juros. Isso deve acontecer também em 2023. Em segundo lugar, Marina destaca os títulos principalmente com vencimento de até cinco anos.

“Ninguém esperava isso para este ano: o pós-fixado sendo o melhor, diante de tanta volatilidade. O mercado não podia imaginar que a característica defensiva dos pós-fixados seria tão necessária”, diz.

Prazos mais longos, maior sofrimento

“Não era possível imaginar que a Selic alcançasse 13,75% ao ano. As projeções foram e continuam sendo revistas e esse é o patamar é bastante atrativo para o investidor de renda fixa”, afirma Arley Junior, estrategista de investimentos do Santander.

O Tesouro Selic acompanha esse movimento. Em contrapartida, os prefixados Tesouro IPCA foram prejudicados. Aquele investidor que tem o título com a taxa antiga, sofreu. “Prazos intermediários e longos acabaram sofrendo mais ao longo do tempo”.

Olhando para a frente, Arley Junior detalha que o Santander trabalha com a manutenção da Selic em um patamar elevado por mais tempo. “Conforme as informações vão sendo veiculadas, é possível entender o que acontece no Brasil e no mundo e incorporar tudo isso nos preços”.

Para o especialista, o momento é de interpretação para entender como será o governo em 2023. Ele indica que a Selic alta vai continuar sendo um destaque. O início do corte da taxa deve acontecer no segundo semestre. Desta forma, o Tesouro Selic vai chamar ainda bastante atenção. Ou seja, a renda fixa continua sendo a “menina dos olhos”, não apenas de quem tem perfil conservador. “Há muita incerteza, ainda estamos digerindo o tema político, além do impacto global, que também levou as taxas para um patamar bastante atrativo”, ressalta.

A principal recomendação do Santander é o IPCA+ 2035, que oferece mais de 6% ao ano. “Quanto maior o prazo, maior é o risco de oscilação da carteira. Neste momento preferimos não optar pelo risco. Nosso modelo prevê aumentar e diminuir exposição de acordo com o mercado”, aponta o especialista.

Neide Martingo

Jornalista especializada em Economia, Finanças e Negócios, trabalhou em veículos como Valor Investe, Diário do Comércio e Gazeta Mercantil e escreve sobre Renda Fixa no InfoMoney