ETFs de metaverso se espalham pelo mercado e chegam na B3 – mas em que exatamente eles investem?

Fundos de índices proliferam no mundo; Brasil larga na frente por permitir que ETFs invistam em criptoativos - e o primeiro de "gamecoins" já chegou à B3

Alexandre Rocha

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A popularização do conceito de metaverso é acompanhada de perto pelo mercado de capitais. Desde que o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, anunciou a mudança do nome da companhia para Meta e colocou o universo virtual como “próxima fronteira” de seus negócios, em outubro de 2021, várias opções de investimentos relacionadas ao tema surgiram em diferentes países.

No Brasil não é diferente. A gestora Investo lançou o NFTS11, ETF (fundo de índice) que estreou nesta segunda-feira (4) na B3. A diferença em relação aos demais que chegaram ao mercado internacional nos últimos meses é que ele investe diretamente em criptoativos de plataformas online que incorporam elementos do metaverso.

Os ETFs vinculados ao metaverso seguem majoritariamente índices de ações de companhias que estão por trás do desenvolvimento do conceito. São empresas das áreas de tecnologia, chips, placas, equipamentos para realidade virtual, banda larga, mídia e entretenimento. Ou seja, empreendimentos que constroem a infraestrutura e o conteúdo do universo virtual.

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A Investo diz que seu ETF é o primeiro do mundo a investir totalmente e diretamente nas principais criptomoedas do metaverso. “Nós investimos no coração do metaverso”, declarou o CEO da gestora, Cauê Mançanares. “Do final de 2021 para cá, houve uma explosão de criptoativos ligados ao segmento de mídia e entretenimento”, acrescentou. O segmento, que inclui videogames, é considerado mais promissor dentro do contexto do metaverso.

O fundo segue o índice MVIS CryptoCompare Media & Entertainment Leaders, composto por criptomoedas de plataformas de mídia e entretenimento como Decentraland, The Sandbox, Axie Infinity Shards, Gala, Basic Attention Token, Chiliz e Enjin Coin. Grosso modo, são “moedas de jogo”, ou “gamecoins”, utilizadas em ambientes virtuais.

O Decentraland, por exemplo, é uma mistura de mundo digital com rede social. Axie, Enjin, Sandbox e Gala são “tokens” ligados a jogos. Todos são construídos em blockchains, a tecnologia por trás dos criptoativos. Podem ser comprados, conquistados durante um jogo ou adquiridos com a visualização de anúncios; e podem trocados por itens exclusivos – NFTs, sigla em inglês para “fichas (tokens) não fungíveis” –, por outras criptomoedas e até por dinheiro.

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Os NFTs representam itens únicos e colecionáveis, como uma espada de videogame, um tênis para seu avatar usar, o direito a uma conversa online com seu atleta favorito, um terreno num mundo virtual e uma obra de arte digital. A blockchain funciona como um livro de registro e garante a exclusividade do item.

“Há algumas formas de se expor ao conceito de metaverso”, disse o diretor de Produtos e Parcerias da corretora de criptoativos Transfero, Safiri Felix. Uma delas é comprar “protocolos”, ou “tokens”, gerados em blockchains, incluindo gamecoins e NFTs. Outra é adquirir ações de empresas de tecnologia que apostam no setor. Ou ainda investir em fundos temáticos.

A própria Investo tem o ETF JOGO11, que investe em papéis de empresas de videogames e e-sports. A gestora Vitreo tem o fundo Metaverso, de ações de empresas globais ligadas ao conceito e NFTs. A XP tem o Trend Metaverso, também de ações. O Itaú lançou recentemente o COE Autocall Metaverso, composto por papéis da Roblox (de videogames), Intel, Matterport (de digitalização espacial) e Meta.

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Brasil larga na frente

As perspectivas do potencial de mercado do metaverso são superlativas e variam bastante. A Bloomberg, por exemplo, estima que a movimentação em torno do conceito chegará a US$ 800 bilhões em 2024, sendo que o segmento de games deverá responder por metade deste valor. Os ativos sob gestão de ETFs do metaverso podem atingir R$ 80 bilhões no mesmo período, de acordo com a agência.

O Citigroup, por sua vez, avalia que a economia do metaverso pode crescer para algo entre US$ 8 trilhões e US$ 13 trilhões até 2030, com 5 bilhões de usuários, contando que até lá sejam realizados investimentos massivos em tecnologia e infraestrutura.

Apesar da perspectiva, fundos de varejo lastreados em criptoativos ligados ao metaverso não são comuns atualmente, porque vários países não permitem produtos assim, dada a desregulamentação do mercado. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde estão concentradas várias da empresa que impulsionam o avanço do conceito, a SEC (Securities and Exchange Commision), equivalente à CVM americana, ainda não autoriza ETFs que invistam diretamente em criptoativos. Por lá, ETFs temáticos do metaverso são fundos de ações.

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Um dos mais conhecidos, o Roundhill Ball Metaverse, por exemplo, reúne papéis de companhias como Roblox, Nvidia (de placas de vídeo), Meta, Unity Software, Microsoft, Snap, Sea, Amazon, Apple e Autodesk. Vários fundos do gênero foram criados desde o ano passado.

Na Coreia do Sul, segundo informações da CNBC, oito ETFs ligados ao metaverso foram lançados até o inicio de 2022 e atraíram mais de US$ 1 bilhão. Eles são fundos de ações de empresas de tecnologia, fabricantes de chips e companhias de entretenimento. O país foi o primeiro da Ásia a criar fundos do gênero.

Na Europa, o primeiro ETF de metaverso foi lançado em março de 2022, em Londres. O ETC Group Global Metaverse UCITS ETF segue também um índice de ações. De acordo com a Bloomberg, os investimentos globais em ETFs do metaverso chegaram a US$ 2,2 bilhões ao final de dezembro de 2021.

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O Brasil é exceção porque, em 2021, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) autorizou a disponibilização para o varejo de ETFs expostos diretamente a criptoativos. “Foi a grande notícia de 2021, algo pioneiro”, observou Felix. “O Brasil está à frente de reguladores do mundo inteiro”, destacou Mançanares.

Embora o País não esteja na ponta de lança do desenvolvimento tecnológico, o professor de Direito, Finanças e Tecnologia do Ibmec, Isac Costa, diz que o “entendimento da CVM” deu ao Brasil “um mercado mais arrojado” na área.

A decisão abriu espaço não só para investimentos no metaverso, mas para ETFs de criptoativos em geral, incluindo Bitcoin e Ethereum, e de finanças descentralizadas, como os da gestora Hashdex. O HASH11, por exemplo, tem majoritariamente Bitcoin e Ethereum, e uma pequena parcela das gamecoins Axie Infinity e The Sandbox.

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“O Brasil tem se mostrado até aqui um país bastante receptivo a fundos de investimentos em criptoativos em geral, especialmente ETFs”, comentou Costa.

O conceito de metaverso e seu futuro

O conceito de metaverso compreende um ambiente virtual que integra elementos do mundo real. Por meio de plataformas digitais e dispositivos de realidade virtual e realidade aumentada, as pessoas poderão ter experiências imersivas, interagindo entre si por meio de avatares, além de trabalhar, estudar, fazer negócios, assistir eventos, jogar e socializar. É um mundo virtual 3D do qual os usuários fazem parte e que tem efeitos na vida real.

“É uma salada de tecnologias”, disse Gustavo Cunha, sócio da gestora de ativos digitais Resetfunds e do portal Fintrender, e colunista do InfoMoney. “O metaverso é um conceito muito mais comercial. Não tem substância teórica muito sólida”, acrescentou o pesquisador do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP, Guilherme Klafke.

O termo não é novo. Surgiu nos anos 1990 e experiências relacionadas a ele ocorreram no passado. O Second Life, que fez algum sucesso na década de 2000, é um exemplo. A plataforma online simulava a vida, unindo características de games, redes sociais, espaços para eventos e publicidade.

Como nas iniciativas atuais, empresas até começaram abrir agências e lojas no ambiente para expor seus produtos e serviços virtualmente. Mas Klafke diz que o Second Life não prosperou porque não conseguiu se viabilizar como mercado, gerando relações econômicas reais.

De lá para cá, diversas mudanças ocorreram. Grandes empresas passaram a lidar com o metaverso como algo promissor e a investir recursos no conceito; e a tecnologia para criação de um ambiente virtual evoluiu bastante, tanto em termos de equipamentos – os óculos de realidade virtual, por exemplo – como em softwares, com o avanço das plataformas online e da seguranças nas transações.

Klafke cita a tecnologia de blockchain, que se tornou a base do metaverso. Ela garante segurança a ativos digitais. “É possível atribuir um mercado ao metaverso”, observou. No entanto, a economia “tokenizada” ainda precisa atingir uma amplitude maior, que a torne sustentável.

Ainda não é possível garantir, no entanto, que as operações são 100% seguras. Na semana passada, a blockchain Ronin Network anunciou ter sido hackeada e furtada no equivalente a US$ 625 milhões em criptomoedas USD Coin e Ethereum. A Ronin é dos mesmos criadores do jogo Axie Infinity, cuja gamecoin integra as carteiras do NFTS11 e, em pequena escala, do HASH11.

Para Cunha, plataformas existentes hoje tornam realidade elementos do metaverso, mas ainda num ambiente de Web 2.0. Como exemplos, ele cita jogos como Fortnite, videoconferências e outras iniciativas de interação online, que ganharam ainda mais força com a pandemia de Covid-19.

“Ainda não é o conceito de Web 3.0”, explicou Cunha. A Web 3.0 é o próximo passo da internet, descentralizada, aberta, com maior participação do usuário e menor poder das grandes corporações. É nesse cenário que o metaverso teria condições de se desenvolver por completo.

“Já há um movimento de descentralização com as criptomoedas, NFTs e etc. É um caminho sem volta”, afirmou Cunha. “Mas não vai acontecer rápido”, acrescentou.

Na opinião de Klafke, o que existe hoje ainda “é uma prova de conceito caminhando para se tornar vários protótipos”. “Ainda não tem escala de mercado”, ressaltou.

Nesse sentido, a escolha da Investo por “gamecoins” para compor seu ETF faz sentido, pois os segmentos de jogos, mídia e entretenimento em geral são os mais avançados nos elementos do metaverso e considerados os mais promissores.

“Hoje é difícil ver hoje algo não ligado a games. Tem que ter alguma forma de gamificação. Como são sistemas proprietários (privados), deve haver algum incentivo para ir lá”, declarou Cunha.

Um dos desafios do modelo é a aceitação dos criptoativos para além das plataformas nas quais foram criados. Os tokens precisam atrair o interesse dos usuários, ser sustentáveis – úteis ao longo do tempo – e ter liquidez.

Neste contexto, é difícil prever quem vai sobreviver. Muitas inovações são introduzidas por startups, e nem todas vão encontrar o caminho do sucesso. “Quem vai virar grande? Quem vai sobreviver?”, questionou cunha. Já Felix acredita que as “big techs” devem prosperar neste universo, pois têm capacidade para alterar seus negócios e enfrentar novas realidades.

Volatilidade é um dos principais riscos

Com tal incerteza em vista, os especialistas alertam que os criptoativos das plataformas existentes embutem um risco enorme de investimento. Eles avaliam que pode ser muito cedo para apostar pesado neles. Se um jogo popular cair no ostracismo, os tokens vinculados e ele podem perder completamente o valor.

“São ativos ainda mais arriscados do que outros do gênero, como Bitcoin ou Ethereum. Devem compor uma fatia menor da carteira do investidor. Mas têm espaço como diversificação”, comentou Felix.

Para Cunha, faz sentido ter um percentual pequeno de ativos assim “para testar, ver se vale a pena”. Como as iniciativas atuais podem ser o embrião de algo maior, quanto mais cedo o investidor entender a lógica do setor, melhor.

“É um mercado não regulado e pode derreter, embora os ETFs sejam regulados”, declarou Costa. Ou seja, fundos lastreados nestes criptoativos podem ser comprados e vendidos com segurança na Bolsa, mas não há garantias em relação aos ativos que lhes dão sustentação.

Até por causa disso a Investo viu oportunidade no negócio. De acordo com Mançanares, investir diretamente em criptoativos ligados ao metaverso é um processo complicado e desconhecido da maioria das pessoas, mas ao mesmo tempo há muita gente interessada no assunto. Já investir em ETFs é fácil, e navegar as dificuldades do mercado de criptos fica a cargo da gestora.

Mançanares diz que o número de interessados em criptoativos no Brasil chega a 30 milhões de pessoas, seis vezes mais do que o total de investidores na B3. Ele acrescenta que plataformas que usam conceitos do metaverso têm atualmente 10 milhões de usuários no máximo, ao passo que mídias sociais como Facebook e Instagram superam a marca de 1 bilhão, então há muito espaço para crescer.

“O Brasil é um mercado relevante, com um dos maiores níveis de penetração digital. O mercado de criptoativos é também bastante relevante, mas é um conceito novo e é preciso aguardar para ver como será o desempenho”, comentou Felix.

Na mesma linha, Costa reconhece que “existe capital acumulado” para investimentos na área, mas pouca gente sabe como o sistema realmente funciona. Em sua avaliação, é difícil saber quantas pessoas estão apenas “intrigadas com o conceito” e quantas de fato representam potencial de mercado.

Mançanares reconhece que o segmento de criptoativos tem alta volatilidade. “É algo intrínseco ao mercado, não tem como fugir, mas na medida em que o risco aumenta, aumenta também o potencial de retorno”, declarou.

A ideia é que se você comprar um criptoativo hoje, quando a coisa ainda é embrionária, e no futuro a plataforma escolhida crescer, este produto vai se valorizar. Vale para uma gamecoin e também para um terreno do Decentraland, por exemplo.

Comprar um terreno num misto de mundo virtual com rede social pode parecer pior do que comprar um terreno na lua. Mas a lógica é que, com o passar do tempo, se a plataforma se expandir e ganhar influência, uma empresa pode querer comprar seu terreno para instalar um showroom virtual.

Fora da bolha

No entanto, para que o metaverso ganhe a amplitude desejada e se consolide, segundo Klafke, as tecnologias envolvidas têm que ser difundidas para além das parcelas mais ricas da população e dos entusiastas.

“Se as pessoas não conseguem chegar ao final do mês com um pacote de dados, imagina no metaverso”, observou. O funcionamento do metaverso exigirá conexões muito mais potentes do que as existentes hoje e não é possível ignorar o potencial impacto da exclusão digital.

Outra condição é de que elementos da economia real de fato migrem para o ambiente virtual. Os usuários devem conseguir ter uma experiência completa. Por exemplo: além de aulas online, uma grande universidade precisa criar um ambiente que simule um campus, onde os estudantes possam interagir, estudar e realizar outras atividades juntos.

Como a ideia é de uma rede descentralizada, uma mudança cultural será também necessária. Atualmente há muito conteúdo disponível gratuitamente na internet, patrocinado por grandes companhias. Iniciativas independentes terão que ser cobradas para prosperar, e os usuários terão que concordar em pagar.

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Alexandre Rocha

Jornalista colaborador do InfoMoney