Menos China, mais Europa e EUA: reviravolta global muda recomendações para investimento no exterior

Preferência dos gestores de patrimônio é por ações de bancos, setor industrial, energia, materiais e alguns papéis de consumo não essencial

Bruna Furlani

(scyther5/Getty Images)

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SÃO PAULO – Os sinais de que a inflação em todo o mundo pode ser mais persistente do que o previsto, além da perspectiva do fim – em breve – das injeções de dinheiro nas economias desenvolvidas, ganharam tração nos últimos meses. Ao mesmo tempo, temores de calote de mais empresas do setor imobiliário chinês ajudaram a azedar os negócios mundo afora.

A reviravolta no cenário global provocou mudanças também nas recomendações de algumas gestoras de patrimônio, que revisitaram planilhas e alteraram parte da carteira internacional. Atentas à maior volatilidade e aos ruídos de curto prazo, a opção foi por aumentar a exposição em Europa e manter ou até diminuir, em alguns casos, a posição em China.

Também houve trocas nas carteiras focadas nos Estados Unidos, ainda que o país siga entre as maiores alocações dos portfólios dos gestores. Algumas casas, por exemplo, preferiram reduzir a exposição às ações de tecnologia americanas e dar preferência a setores que poderiam ser mais focados em gerar valor, e não crescimento.

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A razão, explica Thiago Vitorello, gestor de portfólios offshore da Taler Gestão de Patrimônio, é que nesse cenário os setores mais focados em crescimento, como é o caso dos papéis de tecnologia, com múltiplos já elevados, devem se sair pior.

“Essas ações estão caras. Além disso, grande parte do crescimento está no longo prazo”, diz Vitorello. Na opinião do executivo, o problema é que como o fluxo de caixa é mais longo e os juros nos Estados Unidos tendem a subir, a taxa de desconto utilizada para calcular o valor justo dos papéis aumenta. Na prática, isso pode pressionar a cotação do papel para baixo.

As preferidas dentro dos EUA

Diante desse cenário, o gestor da Taler comenta que prefere as ações focadas no setor industrial americano, que devem se beneficiar dos investimentos em ativos fixos. Isso porque, diz ele, todos os gargalos que existem nas cadeias produtivas vão ter que ser fechados em algum momento.

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Outros setores que podem ir bem, segundo Vitorello, são aqueles ligados à energia e a materiais, que tendem a ganhar com a alta dos preços. O executivo também diz que as ações de bancos americanos podem ser beneficiadas com a alta dos juros que deve ocorrer no país.

Quem também está de olho nos papéis de bancos americanos é Wilson Barcellos, CEO da Azimut Brasil Wealth Management. O gestor acredita que o setor financeiro parece descontado e que algumas instituições que evoluíram tecnologicamente vão se beneficiar do cenário de alta de juros.

Entre os papéis preferidos de Barcellos estão os do J.P. Morgan (JPMC34). Segundo balanço divulgado na semana passada, a instituição registrou lucro líquido de US$ 11,7 bilhões no terceiro trimestre de 2021, um aumento de 24% em relação ao ganho de US$ 9,4 bilhões apurado em igual período de 2020.

Em termos ajustados, o banco americano obteve lucro por ação de US$ 3,74 nos três meses encerrados em setembro, o que superou a previsão de analistas consultados pela FactSet, de US$ 3 por papel.

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Para o executivo da Azimut, a parte de prazos mais curtos da curva de juros americana já sinalizou o risco inflacionário e parece estar “no preço”. Ainda sim, segundo ele, os próximos três meses serão mais complexos – há prêmio nos ativos de risco, mas o cenário será de maior volatilidade.

Também de olho na alta dos juros dos Estados Unidos e na retomada das atividades, ações de consumo discricionário – de itens secundários, e não de primeira necessidade – estão as preferidas de Daniel de Paula, sócio-fundador da Nexgen Capital.

Entre os nomes estão os papéis da Disney (DISB34) e de redes de café, como Starbucks (SBUB34). No primeiro caso, o executivo da Nexgen Capital defende que a companhia possui várias frentes de receita, como o streaming, que vem crescendo. Além disso, os parques de diversões estão reabrindo e a circulação de pessoas deve aumentar. Já no segundo caso, De Paula afirma que as ações podem ser mais defensivas no cenário de retomada.

De olho na Europa

Com a visão de que os Estados Unidos já estão atingindo o pico do crescimento econômico e de que a China ainda inspira cuidados no curto prazo, algumas casas optaram por aumentar a posição em Europa. A Taler é uma delas.

Vitorello explica que os setores preferidos no continente europeu são justamente aqueles ligados à reabertura econômica e que são mais cíclicos, como financeiro, óleo e gás, peças automotivas e materiais básicos.

O gestor da Taler destaca que alguns fatores têm ajudado a manter a visão mais positiva com o continente, como o fato de que a confiança do consumidor vem melhorando, além do que os índices gerentes de compras (PMIs, na sigla em inglês) ainda  demonstram expansão.

“Outro ponto favorável é que a participação do setor de serviços é mais forte [na Europa] do que nos Estados Unidos, o que pode ser beneficiado com a retomada das atividades no pós-pandemia”, destaca Vitorello.

Outra casa que está mais otimista com a Europa é a Nexgen Capital. De Paula destaca que reduziu recentemente a posição em China e aumentou a alocação no continente europeu.

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“A Europa, em comparação com China e Estados Unidos, deve crescer menos. É um crescimento mais modesto, mas deve ser duradouro. Sem contar que tem espaço ainda para estímulos atraentes”, diz o sócio-fundador da Nexgen Capital.

Para citar alguns exemplos de empresas que vem chamando a atenção, o executivo destaca os papéis da Unilever (ULEV34) e da Royal Dutch (RDSA34). No primeiro caso, ele explica que o preço das ações está bastante descontado e que a empresa representa um tipo de consumo resiliente, refletindo em papéis que conseguem ir bem em momentos econômicos distintos

Já no caso da Royal Dutch, De Paula aponta que a casa comprou papéis da empresa com o objetivo de se proteger da crise energética e de olho na alta do petróleo.

China segue no radar

Embora as informações em torno da situação financeira de algumas empresas do setor imobiliário chinês não sejam as melhores no curto prazo, a maior parte dos gestores manteve ou reduziu a posição em ações do país.

Vitorello, da Taler, afirma que segue apostando no país asiático porque acredita que a China vai continuar o motor do mundo no médio e longo prazos. Ele afirma que as empresas de tecnologia no país estão baratas, se o investidor analisar o múltiplo do preço sobre o lucro (P/L) – indicador que mede quantos anos seriam necessários para que o investidor conseguisse o retorno das ações que possui ou que planeja adquirir.

O executivo, contudo, pondera que o cenário de curto prazo ainda vai ser de forte volatilidade. “O pronunciamento [do governo] veio como forma de acalmar o mercado. Mas acredito que a China não vai deixar o risco se instaurar”, diz o gestor. “Deve ser feito um calote ordenado. Eles não vão deixar que as empresas quebrem. Mas não vão deixar também que elas se acostumem com o ‘remédio’ [dinheiro recebido do governo].”

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Para voltar a investir com mais força no país, o gestor da Taler admite que será preciso que a China sinalize que resolveu a questão da Evergrande e que há possibilidade de implementar políticas monetárias de caráter mais expansionista, já que o país está desacelerando.

Outra casa que mantém posição em China, mas que segue atenta ao cenário é a Blue3. Thiago Nemézio, estrategista-chefe da casa, diz que o principal risco agora é entender quando o governo intervirá novamente, com o objetivo de diminuir o ritmo de crescimento do país e prováveis bolhas que poderiam surgir.

Mas diz que como as leituras do país não costumam ser simples, prefere seguir investindo no país via ETFs (fundos de índices negociados na bolsa), especialmente aqueles que replicam índices amplos, envolvendo ações de setores variados, ou os específicos de tecnologia.

Hoje, por exemplo, há no mercado o (XINA11), ETF que acompanha o MSCI China, índice que possui cerca de 740 empresas na carteira e que cobre cerca de 85% do mercado de ações chinês.

Estagflação não é cenário-base

Embora ganhem força as avaliações de que o mundo estaria perto da estagflação (situação em que a inflação avança, porém a economia fica estagnada), a visão dos gestores ouvidos pelo InfoMoney é de que esse não é o cenário-base.

Vitorello, da Taler, aponta que não há dúvidas de que o crescimento mundial vai desacelerar, mas afirma que o cenário ainda não é de estagflação. “Eu vejo um crescimento menor para o mundo no ano que vem em relação a este ano. Mas vai crescer”, diz. “Também penso que a inflação vai arrefecer. Agora, vai demorar. Acredito que os gargalos só vão ser resolvidos no fim de 2022”.

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Sigrid Guimarães, CEO e sócia da Alocc Gestão Patrimonial, vai na mesma linha e afirma que sua maior preocupação agora está na inflação ao redor do mundo – mas não na possibilidade de estagflação global. A executiva diz que o choque de oferta na cadeia de produção vem pressionando bastante os preços e que isso torna ainda mais importante ter diversificação em ativos globais.