Incerteza eleitoral derruba euforia e expõe fragilidade do rali da Bolsa

A percepção de que havia uma “transição política encaminhada” foi colocada em xeque com a reentrada da família Bolsonaro no centro do tabuleiro.

Osni Alves

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A entrada do nome de Flávio Bolsonaro no jogo eleitoral de 2026 e o apoio público do governador Tarcísio de Freitas ao senador funcionaram como um choque de realidade para o mercado financeiro.

Em poucos dias, uma narrativa que parecia relativamente organizada — com Tarcísio visto como o candidato natural da direita — deu lugar a um cenário mais nebuloso, reacendendo a volatilidade e derrubando ativos locais. A reação foi imediata: a Bolsa caiu cerca de 4,5% em um único pregão e os juros abriram quase 60 pontos-base.

O movimento expôs o quanto parte do rali recente da Bolsa brasileira estava ancorado em expectativas políticas ainda frágeis. Até setembro, segundo a leitura de gestores, a alta dos ativos domésticos teve pouco ou nenhum componente local, sendo explicada majoritariamente pelo fluxo externo para emergentes.

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O descolamento do Brasil em relação a seus pares veio apenas nos meses seguintes, quando o discurso político passou a ganhar peso nas mesas de operação.

Esse entusiasmo, no entanto, mostrou-se prematuro. A percepção de que havia uma “transição política encaminhada” foi colocada em xeque com a reentrada da família Bolsonaro no centro do tabuleiro.

O mercado, que vinha precificando um cenário relativamente favorável, foi forçado a recalibrar expectativas diante de um jogo que voltou a ficar aberto.

Mais do que a queda pontual dos preços, o episódio reforçou um velho padrão do mercado brasileiro: a tendência a exagerar movimentos quando o assunto é eleição. A leitura de bastidores é que a euforia se formou rápido demais — e a correção, até agora, foi modesta diante do tamanho da incerteza que ainda está por vir.

Rali político teve prazo curto

Na avaliação de Marcos Peixoto, sócio e portfolio manager da XP Asset, o Brasil viveu dois momentos distintos em 2024.

“Até setembro, a alta da Bolsa foi zero política e 100% externa. Teve fluxo forte para emergentes e todos os países estavam andando bem”, afirmou.

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Já entre outubro e novembro, o País passou a se destacar, embalado por discursos mais enfáticos de Tarcísio e pela leitura de que a eleição começava a entrar no radar.

Segundo ele, esse movimento trouxe uma dose clara de euforia eleitoral. “Teve uma descolada do Brasil em relação aos pares nos últimos dois meses. Foi um pouco de juros, um pouco de política, mas claramente já tinha um viés de antecipação da eleição”, disse.

Peixoto pondera, no entanto, que tentar “operar eleição” com tanta antecedência é um exercício de baixa previsibilidade.

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“Até meados do ano que vem, operar eleição eu acho meio loucura. É muita incerteza, muita água para rolar, e a probabilidade de acertar o que vai acontecer é baixa”

— Marcos Peixoto, sócio e portfólio manager da XP Asset.

Para o gestor, a história recente reforça esse ponto. Ao longo do ano, diferentes narrativas ganharam força e se dissiparam rapidamente, sempre acompanhadas de movimentos intensos de mercado.

“Você teve momentos em que parecia que o Lula estava morto politicamente, depois outros em que parecia imbatível, depois o foco foi Tarcísio. Muita aceleração social aconteceu”, avaliou.

Mercado exagera — e depois corrige

A reação negativa à candidatura de Flávio Bolsonaro, na visão de Peixoto, foi barulhenta, mas não necessariamente desproporcional.

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“Caiu 4%, mas caiu basicamente o que tinha subido dois dias antes. Não achei nada demais”, afirmou. Para ele, o ajuste foi mais uma correção de euforia do que uma mudança estrutural de cenário.

Ainda assim, o gestor reconhece que o equilíbrio risco-retorno já não é o mesmo do início do ano. “No começo, você tinha uma simetria melhor: ganhava dois e perdia um no cenário ruim. Depois dessa alta, ficou meio a meio”, disse.

A combinação de Bolsa cerca de 30% mais cara com juros reais ainda elevados fechou parte do espaço para novas apostas direcionais.

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Diante desse contexto, a estratégia tem sido manter mais caixa e evitar movimentos impulsivos. “A gente estava com cerca de 20% de caixa, muito porque muita coisa subiu rápido. Não é que a Bolsa esteja cara, mas já não está tão óbvia”, explicou.

Peixoto reforça que eleições tendem a ser eventos emocionalmente amplificados pelo mercado.

“O mercado financeiro sempre se emociona mais do que deveria. Já vi várias eleições em que a probabilidade real era baixíssima, mas os preços exageravam no otimismo”, disse.

Para ele, entender essa psicologia é tão importante quanto analisar fundamentos.

Stock Pickers e o pano de fundo político

As declarações foram feitas durante o programa Stock Pickers, apresentado por Lucas Collazo, em um episódio que discutiu os bastidores do mercado e os impactos da política sobre os ativos brasileiros.

Ao longo da conversa, Peixoto destacou que, apesar do ruído recente, ainda não há convicção suficiente para se posicionar fortemente em um cenário eleitoral específico.

“O mercado ainda acha que o Tarcísio vem. A maioria dos gestores acredita nisso. Eu acho que existe chance, mas não tenho essa convicção toda”, afirmou.

Segundo ele, também não é possível descartar outros desdobramentos, incluindo uma candidatura mais competitiva de Flávio Bolsonaro ou arranjos alternativos no campo da direita.

Para o gestor, o mais prudente neste momento é reconhecer a magnitude da incerteza.

“Eleição é facada, é avião que cai, é evento inesperado. Esse ano já teve uma dessas. Provavelmente vai ter outra”, disse.

“Tem tempo. E é exatamente por isso que eu tento evitar tomar decisões grandes baseadas nisso agora.”