Hora de recolher o risco: por que a Kapitalo está mais conservadora com o cenário externo

Sócio-diretor Carlos Woelz está de olho em risco de superaquecimento da economia global, que leve a uma postura mais agressiva com relação à alta de juros

Lucas Bombana

Carlos Woelz, diretor da Kapitalo Investimentos, durante evento do InfoMoney (Crédito: Flavio Santana/Biofoto)

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SÃO PAULO – O contraste entre o ritmo acelerado da vacinação e a retomada da atividade econômica nos Estados Unidos e o lento avanço de ambas as frentes no Brasil levou grandes gestoras de recursos brasileiras a optarem por aumentar a aposta nos ativos globais ao longo dos primeiros meses de 2021. Na Kapitalo Investimentos, contudo, a visão é um pouco diferente.

A gestora tem cerca de R$ 19,5 bilhões em ativos sob gestão, principalmente em fundos multimercados, mas também com veículo de ações, de commodities e sistemáticos. E na avaliação do sócio-diretor Carlos Woelz, a vitória dos democratas no Congresso na eleição americana, somada à expectativa de recuperação já contratada por conta da vacinação, faz o risco de superaquecimento da economia global – e de uma postura mais agressiva de alta dos juros pelo Federal Reserve – aumentar.

Como resultado do cenário traçado, a Kapitalo tem adotado uma postura mais cautelosa em relação às oportunidades no mercado internacional desde o início deste ano.

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“Os riscos estão começando a equilibrar os ganhos da aceleração global, e estamos passando a olhar onde tudo vai terminar”, disse Woelz, em entrevista ao InfoMoney.

O maior conservadorismo, entretanto, tem seu custo. O índice acionário americano S&P 500 marcava ganhos de 11,3% no acumulado de 2021 até abril, o que, se por um lado reflete o sucesso dos estímulos fiscais e monetários extraordinários para combater a pandemia, por outro, pode indicar também o fim de um ciclo econômico, na visão do gestor.

Os próximos dados de emprego nos Estados Unidos serão acompanhados com lupa por Woelz, que espera obter, por meio deles, uma noção mais clara do tamanho do impacto de todos os estímulos adotados na crise, bem como dos eventuais ganhos de produtividade sobre a economia americana.

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A incerteza sobre as respostas para essas questões fez o gestor optar por uma redução do nível de risco da carteira global nas últimas semanas, principalmente por meio de apostas mais conservadoras nos mercados de juros e moedas. O portfólio internacional dos multimercados conta ainda com uma exposição ao setor de tecnologia na renda variável internacional.

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Já em relação ao quadro doméstico, Woelz diz que, embora as incertezas fiscais e política sigam em patamares elevados, não considera a Bolsa brasileira cara, tendo em vista os resultados reportados mais recentemente pelas empresas listadas e as perspectivas de ganhos à frente.

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“Embora a Bolsa brasileira esteja próxima das máximas, se olharmos para o valuation, ela não para de ficar mais barata”, afirmou o gestor. Ele acrescenta, contudo, que, diante dos riscos locais, as posições estão voltadas para a retomada da atividade global, em setores como siderurgia e mineração, papel e celulose e alimentos.

No caso da renda fixa, apesar de reconhecer que a curva de juros embute um prêmio considerável, Woelz afirma que ainda tem carregado posições tomadas, que ganham, portanto, com novas altas no nível precificado pelo mercado para a Selic nos próximos meses.

Em relação ao câmbio, o gestor considera o real barato, mas prefere não fazer grandes apostas na valorização da divisa frente às incertezas sobre o quadro fiscal e pela falta de confiança do investidor estrangeiro no país. “Quando o real desvaloriza forte, olho para o preço, tampo o nariz e compro, mas, no momento, estou com posições bem pequenas.”

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Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida por Woelz, que fundou a Kapitalo Investimentos em setembro de 2009 junto com João Carlos Pinho. Na gestora, ele comanda quatro “books” nos multimercados carro-chefe da casa (Kappa e Zeta): gestão macro Brasil e internacional, além da mesa de gestão de caixa e de arbitragem.

Desde o início, em setembro de 2010, até abril de 2021, o Zeta rende 334,75%, contra 148,04% do CDI no mesmo intervalo. O Kappa, que começou no mesmo período, mas tem um mandato de volatilidade mais moderado, teve rentabilidade de 206,63%.

No intervalo dos últimos 12 meses, o Zeta sobe 19,47%, enquanto o Kappa tem ganhos de 11,45%, contra 2,14% do CDI. Considerado o acumulado de 2021, a rentabilidade é de 2,74% e de 1,73%, respectivamente, contra 0,69% do benchmark.

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InfoMoney: Após o desempenho recente que colocou o Ibovespa de volta aos 120 mil pontos, quais as perspectivas esperadas para a Bolsa brasileira daqui em diante?

Carlos Woelz: Vejo as empresas brasileiras acelerando bastante seus resultados. Há alguns setores que estão se aproveitando de preços excepcionais das commodities no mercado internacional e outros que, com os pacotes fiscais brasileiros que mantiveram o consumo aquecido, estão conseguindo resultados surpreendentes.

Nesse sentido, embora a Bolsa brasileira esteja próxima das máximas, se olharmos para o “valuation“, ela não para de ficar mais barata. Então a Bolsa está no “high”, mas não está cara. Ela está até diria que barata, mesmo considerando o aumento do juro real esperado.

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Estamos comprados em Bolsa no Brasil, mas muito mais em setores globais, que dependem da demanda internacional. Gostamos de alimentação, celulose, siderurgia e mineração.

Acreditamos que a atividade vai continuar muito forte e que teremos uma nova pernada de recuperação para cima, mas, se tivermos uma piora significativa do cenário, provavelmente a rentabilidade dessas empresas não vai piorar, porque deve ter uma depreciação do câmbio que gera um aumento das receitas.

IM: Qual a visão da Kapitalo para o câmbio?

Woelz: Consideramos o real fora do preço e significativamente barato, e certamente teremos um reequilíbrio do juro real de curto prazo, que provavelmente deveria trazer alguma apreciação significativa da moeda brasileira. Por outro lado, estamos com uma conta corrente que se recusa a melhorar e uma falta de confiança dos estrangeiros.

Nesse contexto, quando o real desvaloriza forte, olho para o preço, tampo o nariz e compro, mas, no momento, estou com posições bem pequenas, porque o real apreciou um pouco, e não temos soluções definitivas para os problemas fiscais de médio prazo do país. Mas tendo a operar o real mais comprado do que vendido porque avalio como uma moeda barata.

IM: Você comentou que espera por um reequilíbrio do juro de curto prazo. Quais as posições dos multimercados da Kapitalo na renda fixa?

Woelz: Estamos tomados nos juros de mais curto prazo, porque estamos vendo uma trajetória de política monetária local que pode ser insuficiente para levar a inflação para a meta. Mas não é uma posição enorme, porque já tem bastante alta embutida na curva.

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O mercado está precificando que o Banco Central vai ser leniente com a inflação, ou seja, que o BC vai fazer uma trajetória de juros insuficiente para a inflação convergir à meta.

Eu já acho que, se o BC for realmente independente, será adotada uma trajetória de juros suficiente para levar a inflação à meta. Então ou essa inflação esperada pelo mercado cai, ou os juros futuros vão subir no curto prazo. É um cenário desconfortável para o BC, que, se surpreender, vai ser no sentido de ter mais juros, e não menos.

IM: Qual é a sua visão sobre a evolução do ambiente doméstico nos próximos 12 meses?

Woelz: Hoje a relação dívida/PIB está crescendo em um ritmo muito forte, e é preciso entender quais serão os caminhos que vão levar a uma estabilização, principalmente pensando numa perspectiva de eventual mudança de governo.

A discussão de longo prazo deve partir ou de corte de gasto ou de aumento de imposto, ou de uma combinação dos dois. O fato é que a conta hoje não fecha, e ficamos empurrando o problema com a barriga.

Apesar de ter uma nova base, e mais interação entre o governo Bolsonaro e o Congresso, esse novo arranjo não necessariamente trouxe um equilíbrio fiscal.

E o aumento da competitividade da eleição com a devolução dos direitos políticos ao ex-presidente Lula antecipa essa discussão fiscal, à medida que traz uma perspectiva de mudança para uma política econômica até mais expansionista no futuro de um novo governo, o que aumenta a ansiedade do mercado.

IM: Há motivos para ter alguma dose de otimismo com as perspectivas para o país?

Woelz: Estamos muito animados com a retomada da atividade brasileira, em linha com a retomada global. Acreditamos que a atividade deve vir, que o emprego vai voltar, e que isso vai dar uma aliviada significativa no cenário para o país. A questão é qual o cenário global que vamos encontrar.

IM: Temos notado os gestores brasileiros cada vez mais otimistas com o cenário global. Qual a visão a respeito na Kapitalo?

Woelz: Somando os novos pacotes fiscais do governo Biden com a recuperação já prevista por conta da vacinação, entendo que estamos começando a migrar um pouco mais para o superaquecimento no lado dos riscos.

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Esse superaquecimento nos fez migrar ao longo das últimas semanas de posições neutras ou até levemente aplicadas para posições tomadas nos juros internacionais, por estarmos mais cautelosos com o risco de ter uma reprecificação dos juros de maneira significativa para cima.

Além disso, estávamos com uma posição grande vendida em dólar e comprada em moedas mais dependentes da atividade econômica, e seguimos com algumas alocações nesse sentido, mas com um peso um pouco menor, em função desse receio de que poderemos ter uma aversão a risco maior.

IM: De toda forma, a aceleração da atividade continua sendo positiva para setores como commodities, mais atrelados ao desempenho do PIB?

Woelz: Como as cadeias de produção estão bem apertadas, nos parece que os preços vão continuar bastante fortes por um período significativo ainda e, por isso, continuamos muito animados com os preços das commodities. Mas o que acontece é que a recuperação está sendo tão forte que começamos a ter certo receio de que o emprego seja forte demais.

A grande questão agora será observar com atenção os próximos dados de emprego nos Estados Unidos para saber qual o tamanho do ganho de produtividade que houve na economia americana de fato, e qual o impacto desse dinheiro que está nas mãos das pessoas por conta dos estímulos.

Ninguém sabe quais são as respostas para essas duas questões e vamos começar a descobrir a partir de agora. E é essa incerteza que, na nossa visão, já justifica uma diminuição de risco.

IM: Vocês estão, então, pessimistas com o quadro internacional?

Woelz: Não diria que estamos pessimistas com o cenário global, porque, se fosse o caso, estaríamos com posições vendidas, mas diria que agora é o momento de concentrar o risco nos ativos de maior convicção.

Os riscos estão começando a equilibrar os ganhos da aceleração global, e estamos passando a olhar onde tudo vai terminar. Por esse motivo, acho que é o momento de recolher um pouco o risco.

Todo mundo vai começar a fazer conta agora, as pessoas vão tentar acertar qual o nível de emprego depois que estiver tudo aberto. E é esse nível de emprego que vai definir um pouco do risco que estamos correndo.

Se as pessoas resolverem gastar toda poupança que fizeram em função desses estímulos monumentais, desse grande experimento que foi feito no mundo, provavelmente teremos mais risco inflacionário. Se as pessoas pouparem mais, o risco inflacionário é menor.

O problema é que estamos voando cego, não temos nenhum país que esteja na frente dos Estados Unidos que sirva de guia sobre o que pode acontecer lá.

Estamos fazendo um esforço de pesquisa gigante para essa questão, que acho que é a questão primordial, e, em um primeiro momento, na linha dessa diminuição do risco, estamos vendo que a recuperação está um pouco mais rápida do que estávamos estimando. Ou seja, com mais risco.