Pirâmide de R$ 7 bi com “robô milagroso” da Atlas Quantum é alvo de CPI; conheça o caso

Fundada em São Paulo, empresa que fazia publicidade com Tatá Werneck e o ator Cauã Reymond causou prejuízo estimado em até R$ 7 bi a 200 mil pessoas

Lucas Gabriel Marins

Publicidade

Era início de 2018. Enquanto os brasileiros acompanhavam as notícias sobre a prisão do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do assassinato da vereadora Marielle Franco, a apresentadora Tatá Werneck e o ator Cauã Reymond apareciam em propagandas da Atlas Quantum, uma empresa do mercado cripto até então desconhecida do público geral.

Os artistas globais não sabiam, mas ali começava a ser escrito um triste episódio do segmento de criptomoedas brasileiro. De acordo com processos, o caso deixou um prejuízo estimado entre R$ 5 bilhões e R$ 7 bilhões para cerca de 200 mil pessoas no Brasil e em outros 50 países. Muitos embarcaram no sonho com a poupança pessoal, e acabaram vivendo um pesadelo.

Agora, a Atlas Quantum entrou na mira da CPI das pirâmides financeiras, que pode ser instalada ainda nesta semana na Câmara dos Deputados. Conheça o caso.

Continua depois da publicidade

“Robô milagroso”

A Atlas Quantum foi fundada em maio de 2018 por Rodrigo Marques dos Santos e Fabrício Spiazzi Sanfelice Cutis, em São Paulo. Na época, eles diziam ter um suposto robô de arbitragem, chamado “Quantum”, capaz de realizar compra e venda automática de Bitcoin (BTC) entre diferentes exchanges, sempre com lucro.

Era mentira.

Em 2019, o negócio chamou atenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que determinou que a empresa parasse de ofertar seu “robô milagroso”, entendido pela agência como um contrato de investimento coletivo (CIC). Se não parasse, uma multa de R$ 100 mil por dia seria aplicada.

Continua depois da publicidade

A partir daquele mês, a Atlas Quantum parou de pagar os resgates dos investidores. O negócio passou então a ser alvo de centenas de processos judiciais em todo o Brasil. Só em São Paulo, segundo dados do Projudi, são 730 ações civis. Algumas pessoas conseguiram reaver parte do dinheiro, mas a maioria ainda espera uma ação da Justiça — os processos estão em curso.

Em agosto de 2021, a Atlas Quantum resolveu processar a CVM em R$ 3 bilhões, acusando o órgão regulador de danos morais e materiais por ter suspendido seu produto. A ação, no entanto, não prosperou e a Atlas não se manifesta apenas nos autos do processo desde março do ano passado. O regulador não comenta ações judiciais em andamento.

“Bate-cabeça” das autoridades

A partir da denúncia de um investidor, um inquérito criminal também foi aberto na Justiça de São Paulo. Devido à existência de possíveis crimes contra o sistema financeiro nacional, o caso foi remetido para o Ministério Público Federal (MPF), e a Polícia Federal (PF) entrou na jogada.

Continua depois da publicidade

Em um revés jurídico, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) devolveu o caso para a esfera estadual, interrompendo as investigações da PF.

“Infelizmente, as apurações não têm evoluído adequadamente na Justiça, aparentemente por falta de entendimento e/ou interesse das autoridades”, disse o advogado Artêmio Picanço, especialista em casos envolvendo o uso de criptomoedas e blockchain.

“É preciso que se tenha maior força do poder público, especialmente do poder de investigação, para que esse caso não fique adormecido e esquecido no Brasil como um grande caso que não teve sequer uma finalização do inquérito policial, tampouco um pedido de prisão emanado para o senhor Rodrigo Marques, gerando uma sensação de impunidade”, falou.

Continua depois da publicidade

Fortuna em criptomoedas

Após o caso, o fundador e CEO da Atlas Quantum sumiu do Brasil. De acordo com advogados e pessoas envolvidas com o caso, ele morou no México e na Espanha, esbanjando uma vida luxuosa com o dinheiro desviado dos investidores.

Na país europeu, segundo as pessoas ouvidas pelo InfoMoney, o antigo magnata do setor cripto nacional morou em mansão de cerca de 1,2 milhão de euros — um indicativo, dizem as pessoas, de que o dinheiro ainda existe.

Ex-funcionários da área de tecnologia da Atlas, que tinham acesso aos dados, afirmaram que, no início de 2020, a Atlas tinha 16673.59976081 unidades de BTC e 21426804.33764274 de Tether (USDT) sob custódia, o que equivale a cerca de R$ 2,5 bilhões.

Continua depois da publicidade

Em agosto de 2019, segundo relatório acessado pela reportagem, a gigante de auditoria Grant Thornton também atestou que a empresa tinha 15226,1 BTC e 34.793.966,2 USDT, o que equivale hoje a aproximadamente R$ 2 bilhões.

A defesa da Atlas foi contatada e questionada sobre o andamento do processos e do caso, mas não quis comentar.

CPI

A Atlas Quantum é apenas uma das empresas investigadas na CPI das pirâmides financeiras, aprovada em maio na Câmara dos Deputados. Outros casos que geraram perdas para os investidores, como Genbit (antiga Zero10 Club), Trader Group, Braiscompany e até o fracassado fan token lançado pela Seleção Brasileira também entraram na mira dos deputados.

“Queremos acabar com essa lógica que tentaram dar de que o investimento pode ter garantia [de retorno mensal] de 10% ou 15%. A falta de conhecimento fez vários brasileiros entrarem em crimes como esses”, disse o deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), autor da proposta da CPI, para o InfoMoney.

Participantes do mercado cripto, em especial profissionais de direito atuantes na área, receberam bem a notícia da investigação do poder legislativo.

“Entendo ser válido todo olhar mais atento e o uso das forças do Estado para coibir práticas ilícitas. Nesse sentido, sem dúvida, a CPI — quando bem utilizada — é uma ferramenta constitucional poderosa”, disse Nicole Dyskant, advogada especialista em regulação e compliance para ativos digitais.

De acordo com ela, casos de golpes financeiros que usam criptoativos como isca vêm manchando o mercado de ativos digitais, que nada tem a ver com fraudes.

“Essa confusão prejudica a imagem dos criptoativos que tanto podem revolucionar o mercado financeiro e proporcionar mais acesso para aqueles que hoje são excluídos do sistema financeiro tradicional”.

Lucas Gabriel Marins

Jornalista colaborador do InfoMoney