Gestores do XP Macro, que rende 6,74% em 2022, tiram o pé da Bolsa e se voltam para mercados no exterior

Inflação derivada da pandemia piora com reflexos da invasão da Ucrânia e ressurgimento da Covid na China - e hoje é principal norte para estratégia do fundo

Mariana Segala

Julio Fernandes, Fernando Genta e Bruno Marques, da XP Asset (Vivian Koblinsky)

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O último ano e meio foi de grandes mudanças na carteira do XP Macro, principal fundo multimercado da XP Asset. Pudera. Os reflexos da pandemia de coronavírus sobre a economia – global e brasileira – alteraram profundamente o cenário com que os gestores haviam lidado nos cinco anos anteriores, desde a criação da estratégia. O legado inflacionário, o mais evidente, acabou aprofundado neste ano pelos desdobramentos da invasão russa à Ucrânia e pelo ressurgimento da Covid em países como a China, com potencial para bagunçar as cadeias de fornecimento mais uma vez. Foi preciso mudar de direção, e logo.

Algumas das novas posições assumidas recentemente foram novidade para os gestores – vender bolsa americana, por exemplo. “Ficamos muito tempo comprados”, diz Bruno Marques, co-gestor do XP Macro, cargo que divide com Julio Fernandes. Isso durou até que eles e sua equipe convergiram para a convicção de que o nome do jogo, a partir de 2021, seria “inflação”.

“Fomos surpreendidos com a inatividade dos bancos centrais do G7, principalmente dos Estados Unidos, em perceber que o cenário de inflação transitória tinha se evaporado e que estávamos lidando com um cenário de inflação muito mais alta”, afirma Marques. As principais apostas atuais da carteira derivam exatamente dessa percepção.

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Uma das posições mais lucrativas dos últimos tempos foi tomada nos juros dos EUA, na expectativa de que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) precisaria elevá-los para enfrentar a escalada dos preços na economia – o que se materializou na semana passada, quando a autoridade monetária anunciou uma alta de 0,25 ponto percentual na taxa básica, que agora varia de 0,25% a 0,50% ao ano. “Achamos que o Fed deveria ir para, minimamente, 3% a 3,5%”, diz Marques.

A visão pouco construtiva para a bolsa americana permanece, visto que num cenário de inflação e juros mais altos a atividade econômica tende a diminuir, assim como o apetite por ativos de risco. Para Bolsa brasileira, o espaço na carteira atualmente é mínimo, por razões semelhantes. A perspectiva para o atual ciclo de alta da Selic é de que termine quando a taxa atingir 13,25% ao ano (hoje está em 11,75%).

A flexibilidade da estratégia conduziu a carteira cada vez mais para os ativos no exterior. “De 55% a 60% do que ganhamos no ano passado foi em mercados globais, e nesse ano estamos em 85% a 90%”, diz Fernandes, reforçando que ao longo dos anos, com a criação de quatro mesas de negociação distintas, os ativos potenciais na carteira do fundo se ampliaram.

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Em 2022, o XP Macro acumula rentabilidade de 6,74% até a última terça-feira (22), contra 2,12% do CDI no mesmo período. Desde que foi criado, há exatos seis anos, em 24 de março de 2016, o retorno beira 83%, frente a 50% do CDI.

Em entrevista ao InfoMoney, Marques, Fernandes e Fernando Genta, economista-chefe da XP Asset, falaram sobre os riscos que vislumbram para a economia e os mercados, as perspectivas para inflação e juros e os ajustes mais recentes feitos na estratégia. Confira os principais trechos abaixo:

Quais são os principais riscos que a equipe enxerga atualmente no cenário macroeconômico?

Fernando Genta – Viramos o ano pensando na nova variante da Covid, no ano eleitoral no Brasil, nos desafios fiscais. E no final, tudo isso foi atropelado pelo cenário geopolítico, de uma forma que a gente não via há muito tempo. O que dá para tirar dessa guerra, do ponto de vista macroeconômico, fora o aspecto humanitário, é um mundo ainda mais inflacionário.

A grande herança macroeconômica da Covid foi um mundo inflacionário, pois as pessoas passaram a consumir muito mais bens e a produção industrial global não estava preparada para atender a essa demanda. Já vínhamos de uma situação bem pressionada no mundo, e países que fizeram estímulos fiscais tinham ainda mais pressão de inflação, como Brasil, Chile e especialmente Estados Unidos.

Viramos o ano com a cabeça de que o Fed [Federal Reserve, banco central americano] ia acabar tendo de seguir o roteiro que vimos o Banco Central do Brasil ou do Chile seguindo: começa falando que vai ter de voltar os juros para o nível pré-pandemia, depois diz que vai ter de subir mais, depois muito mais rápido. E a guerra só acentuou esse cenário.

Muita ênfase se dá aos combustíveis, como o gás na Europa e o petróleo, mas temos preocupação grande com alimentos. Tem todo o desenrolar do trigo e dos cereais na Ucrânia [invadida no final de fevereiro de 2022 pela Rússia], dos fertilizantes na Rússia… Isso projeta um cenário de inflação de alimentos forte nesse e no próximo ano.

Para adicionar ainda mais inflação, começamos a ter uma série de lockdowns na China por causa do aumento exponencial de casos de Covid. É um cenário de riscos inflacionários muito altos, que vai demandar um mundo com mais juros e mais inflação, e os bancos centrais que estavam atrás no processo de ajuste vão ter de correr atrás do prejuízo. São três palavras para descrever o cenário macro no Brasil e no mundo: inflação, inflação e inflação.

Bruno Marques – Também é importante lembrar que é muito difícil “desplugar” uma das maiores economias do mundo, como a Rússia, do sistema internacional. Temos bastante receio dos canais de transmissibilidade não evidentes no primeiro momento. O mercado é muito interligado, temos medo que algo possa acontecer nesse sentido.

Alguns receios acabam se materializando em inflação de alimentos, por exemplo. Estamos descobrindo uma série de produções que o combo Rússia–Ucrânia–Belarus produz e que são fundamentais para as cadeias globais. Isso vai desde o potássio até o argônio, usado no setor de tecnologia. No ambiente em que o mundo já tem uma situação mais apertada, temos muito receio das coisas que possam surgir.

Quando pensamos na crise de 2008, falamos de subprime. Mas na verdade, as principais empresas de subprime quebraram em maio de 2007, e isso só teve impactos efetivos lá na frente. Às vezes, é difícil enxergar os canais de transmissão e o efeito borboleta, onde as coisas vão terminar. Achamos que tem bastante risco no mercado nesse sentido.

Quais foram as movimentações do fundo nesse ano, diante da perspectiva de inflação?

Bruno Marques – Temos uma posição, que já dura um ano e meio, apostando na alta dos juros dos Estados Unidos. Com a economia reabrindo, a gente imaginava que os juros mais longos voltariam para patamares normais. No começo de 2021, percebemos que o grande tema era inflação. Fomos surpreendidos com a inatividade dos bancos centrais do G7, principalmente dos EUA, em perceber que o cenário de inflação transitória tinha se evaporado e que estávamos lidando com um cenário de inflação muito mais alta. Não só isso, eles deram ainda mais estímulo fiscal.

Tínhamos uma posição, que ainda carregamos, bem relevante, apostando na alta dos juros curtos e intermediários nos EUA. Nossa aposta é de que o Fed terá de ser bem mais forte no ajuste do que o mercado ainda precifica. Foi uma aposta que rendeu muito nesse ano. Está um pouco menor agora, mas ainda carregamos e estamos bastante convictos. Achamos que o Fed deveria ir para, minimamente, 3% a 3,5% [os juros americanos atualmente estão entre 0,25% e 0,50% ao ano].

Como o ambiente é muito incerto, tem de pensar em cenários que, embora não sejam base, podem acontecer. E existe um cenário em que o Fed vai ter de ir muito acima disso. Desinflacionar uma economia não é fácil, ainda mais para um banco central que não está sendo tão incisivo quanto deveria.

Num cenário de juros mais alto e com inflação mais alta, a bolsa americana deveria demandar mais prêmio. Olhamos para o diferencial entre a rentabilidade implícita na bolsa e a rentabilidade implícita nos títulos do Tesouro americano. Achamos que isso está baixo, deveria haver mais prêmio na bolsa americana.

Conseguimos capturar essa venda ao longo de janeiro e fevereiro. Março está mais difícil, mas é uma posição [vendida nos mercados dos EUA, apostando na queda] de que gostamos, embora demande uma postura mais ativa na gestão. Tem voltas muito fortes ainda.

Também tivemos ganhos com posições tomadas em juros no México, apostando na alta. Na Bolsa brasileira tivemos pequenos ganhos, em posições mais táticas, um pouco comprados em Ibovespa, um pouco em Petrobras. Ganhamos ainda tomados em inflação implícita no Brasil, posição que já zeramos, e hoje mantemos uma posição aplicada em juro real [apostando na redução dos juros reais].

Julio Fernandes – Estamos começando a ver que em níveis próximos de 6% de juros reais [nível atual de juros reais no Brasil], a assimetria seria mais para baixo. Por que os juros reais são atraentes hoje? Estamos começando a ver uma inflação tão alta que não necessariamente os bancos centrais vão combater integralmente. Eles vão subir juros, mas não na proporção da inflação. Como a inflação sobe mais do que os juros, as taxas reais fecham [diminuem].

Principalmente, o BC brasileiro já não está mais disposto a combater todo o choque inflacionário. Assim como foi a mensagem da última ata do Copom: vai subir um pouco mais, caso a inflação incomode, mas, no nosso entender, fará isso se tiver um choque em 2022.

A reunião de março era a última em que o Copom [Comitê de Política Monetária] olharia para 2022. Depois, começa a mirar em 2023. E no nosso entender, tem risco, sim, de a inflação de 2022 ser mais alta e não ter o que fazer mais. É um cenário em que juros reais de 6% para três ou quatro anos está de bom tamanho.

A propósito, qual é a perspectiva da equipe para os juros brasileiros, depois da decisão do Copom de semana passada?

Fernando Genta – O BC foi muito claro de que o plano de voo dele atual é parar a Selic em 12,75% ao ano, se as coisas caminharem como desenhou na ata: se o preço do petróleo ficar girando na casa dos US$ 110 o barril, se o câmbio ficar nos R$ 5. O cenário mais provável é parar em 12,75%.

Nosso ponto de discordância é sobre a dinâmica da inflação daqui para frente. O Banco Central está projetando uma inflação de 6,2% para esse ano, ao passo que a gente vê o IPCA indo a 7%.

Curioso notar que o próprio BC fala que a guerra deixa o ambiente de commodities mais pressionadas, ao mesmo tempo que diz que commodities são um elemento que joga no cenário baixista de inflação. Ficamos com um pouco mais de dificuldade para entender, mas o ponto é que como a gente acredita que a inflação vá vir mais alta do que o BC projeta ao longo das próximas duas reuniões, acreditamos que vai dar mais uma alta de 50 pontos base, além dos 12,75%, para 13,25%. A inflação de 2022 contribuiria com uma inércia maior para 2023.

Entendemos o que o BC quis dizer, que vai parar, mas ele mesmo disse também que se as condições mudarem ele pode ir além. E achamos que as condições vão mudar.

Quais são as posições que estão trazendo maior retorno ao fundo em 2022, e como elas diferem das apostas dos últimos seis anos?

Bruno Marques – Um fundo multimercado tenta antecipar as grandes tendências macroeconômicas. De 2016 a 2021, víamos as várias reformas feitas no governo Temer e no começo do governo Bolsonaro, víamos o Banco Central com presidentes como Ilan Goldfajn e Roberto Campos Neto, que reconquistaram a credibilidade e as expectativas de inflação, víamos o arcabouço fiscal e um Brasil crível no longo prazo, ainda que com suas dificuldades.

Nesse cenário, a gente visualizava um ambiente de queda de juros, de forma responsável. Então tivemos posições aplicadas em juros, apostando na queda, de 2016 até o começo de 2021. E ao mesmo tempo, víamos o impacto que isso teria na atividade e nos ativos de risco. Quanto menor o juro maior o crescimento, menor o custo das empresas e maior a demanda por ativos de risco. E por isso tínhamos bastante posições na Bolsa.

No início de 2021, começamos a mudar isso. Ao longo do primeiro semestre de 2021, apostávamos na vacinação da população e que isso geraria uma abertura da economia com impacto na atividade. Tivemos posições compradas em Bolsa, numa carteira de ações com ligação forte com a reabertura econômica. Ao longo do segundo semestre, começamos a ficar bem mais preocupados com o ambiente de inflação e começamos a apostar na alta dos juros no Brasil. E percebemos que isso afetaria a Bolsa. Ficamos a maior parte do segundo semestre vendidos em Bolsa, dos 128 mil até os 100 mil pontos.

Ganhamos dinheiro em todos os anos em que os juros caíram, apostando na queda – e ano passado, apostando na alta. Não temos viés. Também ganhamos, de 2016 a 2021, comprados em Bolsa, e no ano passado, vendidos. Esse ano ganhamos vendidos em bolsa americana, que também é algo novo para a gente, pois ficamos muito tempo comprados. E com a posição tomada em juros pegamos a alta.

Julio Fernandes – Não temos viés, otimista ou pessimista. Quando o cenário era um, nos posicionamos para ele. Conforme o cenário mudou, fomos para outra direção. Nos últimos dois anos e meio, a participação da rentabilidade dos mercados internacionais começou a aumentar. Estamos ampliando nossos ativos potenciais. De 55% a 60% do que ganhamos no ano passado foi em mercados globais, e nesse ano estamos em 85% a 90%.

O fluxo de investimento na B3 foi forte até aqui em 2022. Qual é a visão de vocês para Bolsa no ano?

Bruno Marques – A Bolsa no Brasil está entre dois vetores fortes. De um lado, temos a atividade doméstica longe de ser brilhante. Não é tão ruim quando imaginamos no ano passado, mas não é brilhante. Somos muito preocupados com crescimento do ano que vem, lembrando que a política monetária tem impacto defasado. A atividade do ano que vem vai sentir em cheio os efeitos da Selic bem mais alta. Não vemos gatilho para crescimento forte e sustentável.

Por outro lado, o cenário global tem sido muito bom para o Brasil, que é intensivo em commodities, e a situação mundial tem gerado um ambiente de commodities pressionadas, que não vemos revertendo tão cedo.

De fato, não temos grandes alocações no Brasil. A grande graça de um fundo multimercado é que podemos escolher a prova mais fácil para fazer. Não precisamos estar posicionados em tudo. Não vemos assimetria na Bolsa, acho difícil ganhar do CDI no curto prazo. Mas também já não estamos em um cenário em que vale a pena ficar vendido, como fizemos no segundo semestre de 2021.

O pouco que temos é em Petrobras, que com esse nível de preço do petróleo gera muito caixa. É uma grosseria o que paga de dividendos recorrentes. E ainda que sofrendo ataques de todo lado, tem se mostrado resiliente às tentativas do governo de mexer na política de preço.

O que aprenderam com as mudanças que o portfólio do fundo sofreu ao longo dos últimos seis anos?

Bruno Marques – Estamos em um negócio muito competitivo. Temos convicção que a única forma de sobreviver e entregar retorno ao cotista no longo prazo é buscando se aperfeiçoar e melhorar. A Covid foi um grande aprendizado para a gente. É comum comentarmos que coisas improváveis acontecem mais vezes do que conseguimos imaginar, e a pandemia foi um exemplo.

Isso tem nos levado a recorrentemente questionar o que estamos fazendo: qual é o cenário, onde estão os riscos, se estamos correndo riscos assimétricos… Estamos sempre questionando para tentar achar o que não estamos vendo, o que pode estar mudando, que impacto isso teria na nossa posição. Esse é o grande aprendizado dos últimos dois anos.

Julio Fernandes – E temos exemplos. Quando veio a segunda onda da pandemia, já sabíamos que não seria fácil dominar o tema. Então montávamos opções para nos proteger do cenário que não dominávamos. O mesmo aconteceu com a chegada da ômicron ou, mais recentemente, com a guerra. Sabíamos que não dominávamos o tema, e isso ainda é um risco de cauda. Ano passado, o risco de cauda era o teto de gastos, que achávamos que seria questionado. O que fizemos foi, novamente, montar posições que nos protegessem.

Mariana Segala

Editora-executiva do InfoMoney