Fundos multimercados: quais estratégias podem ganhar mais em cenário de crise e juro baixo?

Piora do contexto econômico impõe maior desafio a categorias como "macro", mas abre oportunidades para fundos com alocação internacional

Ana Paula Ribeiro

(Getty Images)

SÃO PAULO – Os fundos multimercados tentam manter a sua fatia na indústria em meio a alguns obstáculos: baixa taxa de juros, incerteza causada pela pandemia do coronavírus e maior disputa com outras categorias de risco. Nesse cenário, o investidor precisa redobrar os cuidados e avaliar os riscos dessas carteiras e qual fatia do seu patrimônio deve ser investida na classe de ativo.

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Os multimercados somavam ao fim de maio um patrimônio de R$ 1,22 trilhão, equivalente a quase 23% do total da indústria de fundos, pouco acima dos 21% de igual período de 2019, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

A categoria de multimercados permite o investimento em diferentes tipos de ativos (juros, inflação, ações, moedas), o que leva a graus de riscos naturalmente distintos. Por essa razão, essas carteiras ganham nomenclaturas diferentes a depender da estratégia e também apresentam desempenhos díspares.

Mesmo com a categoria mantendo sua representatividade na indústria, algumas das carteiras mais importantes entre os fundos multimercados estão sendo castigadas na crise, com um volume expressivo de saques.

Uma das principais estratégias está sob a nomenclatura “multimercados macro”, com fundos que realizam operações com base em cenários macroeconômicos de médio e longo prazos.

No ano até maio, o segmento já sofreu resgates de R$ 9,8 bilhões e, em 12 meses, de R$ 6,9 bilhões. O patrimônio desse segmento é de R$ 170,3 bilhões, o terceiro maior na classe de multimercados.

O principal motivo para esse volume de saques está atrelado a um cenário de taxa de juros mais baixas, mas as perdas sofridas a partir da deflagração da pandemia de coronavírus também contribuíram para esse movimento de resgate por parte dos investidores.

“A categoria sofreu como um todo, mas sofreu mais nos fundos macro. Os que tinham uma visão mais pessimista para Brasil sofreram menos, mas, mesmo pessimista, não havia como prever a Covid”, diz Leonardo Bortoloto, sócio Aditus Consultoria.

Entre os fundos com gestores de visão mais negativa e que têm ganhos no ano, ele cita o Nimitz, da SPX Capital, e o Adam Macro, da Adam Capital.

De maneira geral, contudo, os fundos multimercados macro acumulam uma rentabilidade pífia. No ano, perdem 0,82% e, em 12 meses até maio, registram ganhos de 5,52%.

Bortoloto tem evitado recomendar multimercados para os seus clientes, na maioria family offices. No entanto, a participação tem ficado equivalente ao que já era registrado no fim do ano passado, entre 20% e 30% do patrimônio.

“A vida do multimercado vai ser mais difícil, tanto em termos de captação como de retorno. A chacoalhada de março deixou o investidor e o gestor mais conservadores. Quem reduziu muito a exposição ao risco vai ter mais dificuldade para recuperar daqui para frente”, avalia.

Bons ventos do exterior

Se nas carteiras macro o movimento é de resgates e baixo rendimento, os investidores que deixaram seus recursos alocados em multimercados classificados como “investimentos no exterior” tiveram um pouco mais de sorte.

Essa categoria tem um patrimônio de R$ 477,5 bilhões – a maior da classe -, sendo que acumula uma captação líquida de R$ 17,8 bilhões no ano até maio e de R$ 43 bilhões em 12 meses. O retorno também é maior: 3,81%, em 2019, e 12,71%, no acumulado de 12 meses.

A saída dos multimercados macro e a ida para os fundos com investimento no exterior reside justamente nessa diferença de rentabilidade.

Até o ano passado, os multimercados lucravam, em grande parte, com as aplicações de renda fixa, presentes em geral nas carteiras que usam a nomenclatura macro, que acumularam ganhos de 11,57% em 2019. Essas carteiras tiraram proveito da redução mais acentuada dos juros, ou seja, tiveram rentabilidade alta apesar da estratégia de menor risco.

“Esses fundos ganharam com a queda dos juros. Esse ano está menos óbvio. A Bolsa estava ajudando, mas começamos a enfrentar alguns fatores de risco: o coronavírus, as eleições nos Estados Unidos e os problemas na retomada da nossa economia”, diz Marcelo Lara, planejador financeiro com certificação CFP.

Para saber se um determinado multimercado pode ajudar o investidor a atingir o objetivo financeiro, Lara recomenda saber qual a política de investimento do fundo. Isso significa buscar informações sobre os riscos da carteira, limites de investimento e grau de volatilidade.

“Além de ver a rentabilidade passada, o investidor precisa avaliar qual foi a volatilidade. Se isso não fizer parte da lâmina do fundo, a dúvida deve ser levada ao distribuidor do fundo”, recomenda.

Esse cenário mais desafiador nos multimercados faz com que planejadores financeiros recomendem cautela com a categoria, que pode ocupar cerca de 30% de um portfólio.

Mudanças na alocação

No caso da área de gestão de patrimônio da Tag Investimentos, a recomendação aos clientes é de redução da participação dos que são classificados como multimercados macro, em um contexto de menor espaço para queda da Selic e, portanto, sem tanta gordura para valorizações expressivas.

“Já chegamos a recomendar que mais de 80% da fatia destinada a multimercados ficasse nos classificados como macro. Hoje, essa parcela não chega a 40% e a seletividade será cada vez maior”, aponta Marco Bismarchi, sócio da Tag.

Essa mudança, segundo Bismarchi, decorre do fato de ser mais difícil e incerto garantir ganhos com a redução dos juros.
Nesse caso, os fundos macro são substituídos pelas estratégias “long & short” (fundos que fazem operações de compra e venda de ativos, buscando ganhos com a arbitragem entre eles) e os descorrelacionados, que são os multimercados que investem em ativos que não seguem diretamente variáveis macro ou índices.

Os fundos considerados mais descorrelacionados também fazem estratégias de arbitragem, mas são considerados mais sofisticados por investirem no exterior (poderiam se beneficiar de uma alta das Bolsas globais em um momento de baixo crescimento no país, por exemplo) ou por operarem baseados em algoritmos, os chamados fundos quantitativos.

“Estamos focando mais nos fundos quantitativos ou que possuem estratégia de alocação no exterior. O multimercado macro é muito focado no mercado local”, diz.

De acordo com Bismarchi, esse movimento de menor exposição aos multimercados macro e priorização das carteiras que operam com algoritmos ou que investem no exterior teve início neste ano, mas o processo foi paralisado em março, quando a volatilidade ficou maior. “Agora que retomamos. Não se pode fazer um movimento desse todo de uma vez.”

Para a parcela alocada em multimercados, Marco de Callis, sócio da Hieron Patrimônio Familiar e Investimentos, aconselha olhar fundos que tenham a estratégia de investimento no exterior, principalmente porque a recuperação das economias desenvolvidas deve ser mais rápida que a dos emergentes.

No entanto, recomenda buscar gestores que ofereçam uma estratégia de mitigação do risco cambial. “O investidor precisa entender que uma coisa é fazer diversificação internacional e outra é comprar dólar nesse patamar. Quem for diversificar, precisa procurar gestores que façam algum tipo de proteção da moeda”, alertou.

Leia também:
Como investir no exterior: com ou sem hedge cambial?

Um raio X dos fundos

Carlos Eduardo Costa, educador financeiro do Banco Mercantil, alerta que um dos grandes desafios do investidor de fundos multimercados é estudar a gestão dessa carteira. Isso, segundo ele, vai além de ver quais ativos podem estar no fundo, mas também quem são os profissionais que fazem a gestão.

“É importante conhecer o histórico do gestor e ver qual foi seu desempenho em outros períodos de crise. Os relatórios de gestão podem ser utilizados nessa análise”, afirma.

E apesar do cenário adverso para os multimercados, que vão precisar correr mais riscos para entregar uma melhor performance, Daniela Casabona, sócia-diretora da FB Wealth Management, considera que essas carteiras dão mais “portas de saída” aos investidores.

Enquanto um fundo de ações vai depender do fluxo de recursos para a Bolsa, os multimercados têm mais caminhos para garantir liquidez ou fazer mudanças de estratégia.

E assim como outros profissionais, ela recomenda que o investidor não olhe apenas a rentabilidade passada dos fundos, mas também o perfil dos gestores, em especial em fundos lançados há pouco tempo.

“Temos muitos fundos novos e, quando se olha o histórico de rentabilidade, vai ser bem positivo. Essas carteiras passaram por poucos momentos estressantes”, lembra.

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Ana Paula Ribeiro

Jornalista colaboradora do InfoMoney