Fundos de ‘super ricos’ que anteciparem IR terão desconto – mas quanto e como pagarão, afinal?

Governo estima que há 2,5 mil brasileiros com recursos aplicados nesses fundos, que acumulam R$ 756,8 bilhões

Bruna Furlani

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Após dias de suspense sobre a tributação dos chamados fundos dos “super ricos”, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou Medida Provisória que prevê a cobrança de Imposto de Renda sobre rendimentos de fundos exclusivos.

O texto inclui ainda a possibilidade de que os investidores que desejarem realizar um acerto antecipado sejam beneficiados com uma alíquota menor de 10%, em vez de 15%, sobre todos os rendimentos acumulados no passado.

Segundo Gabriel Stanton, advogado do Souto Correa na área tributária, a tributação sobre rendimentos apurados até 31 de dezembro deste ano será dividida em duas partes.

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No caso dos rendimentos apurados até dia 30 de junho, a alíquota será cobrada em quatro parcelas iguais e sucessivas, segundo o advogado, nos meses de dezembro de 2023, janeiro, fevereiro e março de 2024.

Já os ganhos auferidos entre 1º de julho de 2023 e 31 de dezembro de 2023 devem ser pagos à vista em maio de 2024, destaca Stanton.

Fundos exclusivos são produtos que costumam possuir um único cotista e que apresentam uma exigência de investimento mínimo de R$ 10 milhões.

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Simulação de Michael Viriato, estrategista-chefe da Casa do Investidor, dá uma dimensão de quanto esses investidores pagariam em caso de acerto antecipado de contas com o Leão. Um fundo exclusivo fechado com investimento inicial de R$ 10 milhões, que tenha acumulado retorno de 182% do CDI% (ou R$ 18,2 milhões) ao longo de dez anos, precisaria pagar R$ 1,8 milhão de Imposto de Renda antecipado, pelos cálculos de Viriato. Se a alíquota de 15% fosse a aplicada, o custo seria de R$ 2,73 milhões.

A simulação considera a tributação de todo o rendimento obtido pelo fundo ao longo de sua existência e leva em conta o retorno médio de fundos exclusivos em prazos mais longos.

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Já quem não optar por acertar antecipadamente será tributado integralmente no primeiro come-cotas de 2024, que incidirá em maio, com parcelamento do imposto em até 24 meses, atualizado pela Selic, sob responsabilidade do administrador do fundo de investimento, como explica Érico Pilatti, sócio do Cepeda Advogados e especialista em direito tributário.

Novas alíquotas e come-cotas

A medida assinada pelo Governo também prevê a cobrança de come-cotas para os fundos exclusivos fechados, que passaria a ser realizada duas vezes ao ano, nos meses de maio e novembro. Atualmente, a cobrança de IR só ocorre no resgate, no caso dos fundos fechados.

Na visão de Rangel Fiorin, diretor tributário do escritório Juveniz Jr Rolim Ferraz Advogados, o objetivo é aplicar aos fundos de investimento fechados as mesmas regras e as alíquotas dos fundos abertos, de forma a promover isonomia entre eles.

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Um detalhe importante é que a alíquota irá depender do prazo das carteiras, conforme explica Pilatti, do Cepeda Advogados.

Para os fundos de curto prazo (carteira de títulos com prazo médio igual ou inferior a 365 dias), Pilatti destaca que o valor cobrado de come-cotas será de 20%. Já para os fundos de longo prazo, a alíquota é de 15%.

Um dos temas de grande sensibilidade da nova regra é que haverá a incidência do come-cotas, independentemente do fundo ser fechado ou não, excluindo produtos com legislação específica e regimes próprios como fundos imobiliários (FIIs) e FI-Infra.

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Para além do come-cotas, os fundos, no geral, continuarão sujeitos à cobrança de imposto complementar de até 22,5% na data da distribuição dos rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas, sendo a cobrança baseada no período das aplicações, de acordo com a tabela regressiva.

No caso dos investimentos com prazo de até 180 dias, a alíquota será de 22,5%; caindo para 20% nas aplicações com 181 até 360 dias; para 17,5% em aplicações com prazo de 361 dias até 720 dias; e para 15% nos investimentos de 721 dias ou mais, como lembra Gabriel Cardoso, advogado da área empresarial do Maia & Anjos Sociedade de Advogados.

A expectativa da equipe econômica é arrecadar R$ 24 bilhões com a medida entre 2023 e 2026.

A apresentação do texto era amplamente esperada pelo Governo, porque representa uma fonte de compensação da renúncia de receitas oriunda da atualização da faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física, que passou de R$ 1.903,98 para R$ 2.112,00.

FIDCs vão entrar?

Com a publicação da medida, o entendimento de Pillati é de que os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) poderão ser tratados na nova regra geral, com come-cotas, o que pode ser um ponto sensível.

“A maior parte dos FIDCs são fechados e há dificuldade de acesso aos recursos por causa da baixa liquidez”, destaca o especialista do Cepeda Advogados.

Ricardo Bolan, sócio de Tributário do Lefosse , também demonstra preocupação com a questão dos FIDCs. “Se esse ponto não for corrigido, deve gerar um desincentivo a investimentos nesses fundos e, por consequência, uma diminuição das fontes de financiamento das empresas brasileiras”, destaca.

O profissional lembra que os direitos creditórios que compõem a carteira de ativos de um FIDC são provenientes dos créditos que uma empresa tem a receber, como duplicatas, cheques e outros.

O que fazer agora?

Embora o texto da MP já tenha sido apresentado pelo governo, a visão do mercado é que os descontos nas alíquotas para quem decidir antecipar a tributação podem ser um desafio. Isso porque lideranças do Congresso já indicaram que desejam um percentual menor do que o apresentado, em torno de 6%.

“Há o questionamento do quanto que essa tributação dos estoques dos rendimentos não abre uma discussão litigiosa”, diz. “Imagina, quem tem um fundo há 20 anos, de repente, é surpreendido com um fato gerador novo sobre um rendimento do passado. Existem elementos a serem explorados do ponto de vista judicial, de inconstitucionalidade”, alega Pilatti, do Cepeda Advogados.

Evandro Bertho, sócio-fundador da Nau Capital, que possui fundos exclusivos, também defende que a discussão é complexa do ponto de vista jurídico e acredita que o melhor é esperar. “Estamos querendo ver a temperatura do Congresso. Não é a primeira vez que esse tema evoluiu”, destaca.

Apesar de avaliar a medida com cautela, o executivo destaca que a MP tira apenas uma parte da atratividade dos fundos exclusivos em termos de planejamento sucessório com a extensão do come-cotas e que o texto abre algumas opções para quem já estava desejando dar uma arejada na carteira de investimentos.

Nesse sentido, ele diz que o investidor poderia resgatar o montante investido com o desconto e aplicar, por exemplo, num fundo de debêntures incentivadas exclusivo ou diretamente em ativos isentos como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e do Agronegócio (CRAs).

Queda nas captações

Antes da assinatura da medida, investidores e gestoras de patrimônio aguardavam com ansiedade a edição do texto para tomar uma decisão a respeito da manutenção da alocação. Sem a medida em mãos, alguns questionavam se os fundos exclusivos não poderiam perder a atratividade. Não à toa, a captação desses tipos de fundos foi afetada neste ano.

Segundo dados levantados pelo TradeMap a pedido do InfoMoney, os depósitos líquidos (descontados os resgates) nos fundos dos “super ricos” (fundos exclusivos e fechados) caminham para terminar agosto no valor mais baixo deste ano. Até segunda-feira (21), as entradas somavam R$ 205,6 milhões, menos da metade dos R$ 514,2 milhões de julho e dos R$ 12,9 bilhões de junho.

Em abril, as captações líquidas atingiram o ápice de 2023, somando R$ 27,1 bilhões. No acumulado do ano, os depósitos nos fundos exclusivos fechados somam R$ 44,9 bilhões, sendo que apenas entre abril e agosto o montante captado chegou a R$ 41,8 bilhões.

Para a análise dos dados, o TradeMap levou em conta fundos exclusivos fechados, com um único cotista, que não sejam fundos de previdência. Atualmente, o levantamento apontou que há 1,6 mil fundos com essas características.

Já o governo estima que há 2,5 mil brasileiros com recursos aplicados nesses fundos, que acumulam R$ 756,8 bilhões e que respondem por 12,3% dos fundos no País.