Juro alto torna brasileiros muito imediatistas, diz gestor de fundo

O ex-presidente da Anbima Marcelo Giufrida decidiu abrir uma gestora de recursos meses antes de as eleições encherem o mercado de volatilidade – mas a asset passou em seu primeiro grande teste

Diego Lazzaris Borges

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No esgrima, “garde” é a palavra francesa que dá nome à parte da espada que protege a mão do espadachim, envolvendo seu punho. Por remeter a segurança, vigilância e acolhimento, Garde também foi o nome escolhido pelo ex-presidente da Anbima (a associação de bancos e fundos de investimento) Marcelo Giufrida para batizar a gestora de recursos que ele e outros antigos executivos do banco BNP Paribas no Brasil abriram em sociedade em 2013. Como todos os sócios da Garde são egressos de grandes instituições financeiras francesas, lá não faltam referências ao esgrima e a “Os 3 Mosqueteiros”, romance do francês Alexandre Dumas. O único fundo da casa se chama D’Artagnan FIC FIM, em homenagem ao protagonista do livro. Em seu primeiro ano completo de história, o multimercado rendeu 11,86%, equivalente a 110% do CDI de 2014. Nos 12 meses encerrados em 10 de fevereiro, os ganhos chegaram a 14,27% – nada mal para um período de alta volatilidade e baixa rentabilidade como o dos meses que antecederam as eleições presidenciais. Os resultados são bem superiores à média da indústria. O IHFA (Índice de Hedge Funds Anbima) terminou o ano passado com alta de apenas 7,44%.

Giufrida, o CEO da Garde Asset Management, explica que a estratégia da gestora foi reduzir a exposição à medida que qualquer ativo se distanciava dos fundamentos por motivos políticos. “Fomos persistentes, mas sem teimosia.” Somente quando o cenário começava a ficar mais claro é que eles voltavam a comprar gradativamente. Após a morte de Eduardo Campos (PSB), Marina Silva (PSB) entrou na disputa e chegou a aparecer à frente de Dilma Rousseff (PT) nas pesquisas. Já no segundo turno, foi Aécio Neves (PSDB) que conseguiu abrir vantagem sobre a petista. O fundo ficou fora da especulação eleitoral até que os modelos dos gestores apontaram com maior convicção que Dilma seria a vitoriosa. A principal estratégia do fundo é por meio de exposição aos mercados de juros e moedas. A Bolsa entra no portfólio apenas como forma de hedge (proteção), quando os gestores utilizam derivativos para reduzir a volatilidade e o risco de alguma posição. Em outubro, quando havia sinais evidentes de que Aécio perderia, por exemplo, os gestores compraram opções de ações para proteger ativos que se desvalorizariam com a reeleição.

Além da oscilação do preço dos ativos ao sabor das pesquisas eleitorais, os gestores também tiveram de enfrentar a pressão causada pelo aumento da taxa de juros. Com a Selic em dezembro a 11,75%, os investidores se sentiam mais tentados a deixar o dinheiro em ativos de baixo risco, que garantem uma remuneração atraente sem riscos. “No Brasil, as pessoas são muito imediatistas. Como o juro é alto, isso é compreensível. Quando não vê retorno, o investidor acaba ficando ansioso e agoniado. Mas o ano mostrou que quem teve paciência ganhou dinheiro”, diz Giufrida.

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Atualmente a gestora não tem nenhuma posição na Bovespa. No mercado de câmbio, a estratégia de aposta no dólar contra a maioria das moedas que funcionou no semestre passado se manteve no início deste ano, apesar de a posição comprada contra o real ter diminuído. Eles acreditam que o câmbio vai continuar a funcionar como uma das variáveis de ajuste para a diminuição do desequilíbrio externo do país. “Não quisemos zerar a posição porque achamos que o preço do dólar ainda precisa ser corrigido”, diz Carlos Calabresi, diretor de investimentos da Garde.

Isso não quer dizer que a equipe não espere volatilidade ou descarte quedas pontuais do dólar ao longo dos próximos meses. “O mercado tem mostrado otimismo a cada nova medida ou discurso do ministro Joaquim Levy e é normal que o dólar caia um pouco nestes momentos – bem diferente do que acontecia na gestão [Guido] Mantega. Mesmo assim, enxergamos que a moeda americana está abaixo do preço de equilíbrio para uma conta corrente menos deficitária”, explica o economista Daniel Weeks. Isso porque em 2015 a dificuldade de financiamento externo do país tende a ser maior, dentre outros motivos por conta dos escândalos de corrupção na Petrobras. “O canal externo está um pouco entupido pelos problemas da estatal”, diz Weeks.

Quando projetam os indicadores econômicos deste ano, os economistas da Garde mostram-se tão pessimistas como a maioria do mercado.  “Achamos que o PIB deve ficar em -0,5%. Pode ser até pior do que isso, com queda de 1%”, alerta Weeks.  Eles também estão cautelosos em relação à inflação. O principal problema são os preços administrados, que devem ter forte influência no resultado final do IPCA deste ano. “Quando analisamos tudo que foi contingenciado, como energia elétrica e tarifas de ônibus, a conclusão é que os preços administrados serão o grande vilão da inflação no ano”, afirma o economista.

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Já para o longo prazo as expectativas são mais positivas. O otimismo é explicado pela entrada de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda. Na avaliação dos gestores, Levy tem mostrado relativa autonomia ao implementar as medidas necessárias para conter o avanço dos preços e promover a retomada do crescimento. “Obviamente é um trabalho difícil, pois a situação fiscal se deteriorou muito nos últimos anos. 2014 particularmente foi um ano muito complicado, mas o discurso do ministro é forte no sentido de arrumar a casa e fazer os ajustes logo”, afirma Weeks. Com a visão de que o país ainda vai sofrer com os problemas macroeconômicos no curto prazo, mas tende a melhorar nos próximos anos, a Garde optou por comprar títulos com prazo de vencimento mais longos.

A concorrência dos títulos isentos
Além de toda a dificuldade de navegar por mercados cada vez mais voláteis, os gestores de fundos multimercados tiveram outra preocupação nos últimos anos: a forte concorrência dos títulos isentos de Imposto de Renda, principalmente as LCI (letras de crédito imobiliário) e LCA (letras de crédito do agronegócio). O boom desses títulos veio junto com a retomada do aumento dos juros nos últimos dois anos. Os investidores não perderam tempo: segundo dados da Cetip, o estoque de LCI cresceu 40% em 2014 enquanto o de LCA registrou um aumento de 41%.

As prateleiras das corretoras ficaram repletas de LCI com retornos que muitas vezes passam de 100% do CDI para resgates daqui a dois ou três anos – o que equivale 118% do CDI em um investimento de mesmo prazo com Imposto de Renda, como um fundo multimercado. Para o investidor, é natural que uma rentabilidade com a garantia do FGC (Fundo Garantidor de Crédito) seja um forte chamariz e provoque uma corrida pelos títulos. Na direção oposta, a captação (diferença entre depósitos e saques) dos fundos de investimento ficou negativa em R$ 1,1 bilhão em 2014. No caso dos multimercados, as retiradas superaram os aportes em quase R$ 30 bilhões.

Mesmo com a forte concorrência dos títulos isentos, a Garde foi na contramão de boa parte dos gestores e conseguiu captar no ano passado. De janeiro a dezembro, o patrimônio líquido do fundo aumentou de R$ 100 milhões para R$ 170 milhões. “Existe a concorrência dos títulos isentos, mas não dá para imaginar que clientes de segmentos como o ‘private’ vão colocar todos os seus recursos em uma única classe de ativos. A diversificação é natural e necessária”, diz Giufrida. O fundo espera uma forte elevação no patrimônio administrado à medida que os resultados continuem a aparecer de forma consistente.

A concorrência também pode estar com os dias contados. Desde que assumiu o cargo, o novo ministro da Fazenda sinalizou que pretende acabar com a isenção de IR das LCI e LCA. Para Giufrida, a decisão é correta. “A arbitragem tributária não é boa. O título deve ser incentivado pela sua característica de risco/retorno, e não pela tributação. Caso contrário são criadas exceções que distorcem a alocação de recursos”, afirma. Após o governo dificultar a vida dos gestores nos últimos anos com medidas que não favoreceram o crescimento da economia, agora pode ter chegado a hora de a Fazenda dar um empurrão na indústria de fundos acabando com as vantagens tributárias de alguns de seus maiores concorrentes.

* Essa matéria foi publicada na edição 55 da revista InfoMoney, referente ao bimestre março/abril de 2015.

Diego Lazzaris Borges

Coordenador de conteúdo educacional do InfoMoney, ganhou 3 vezes o prêmio de jornalismo da Abecip