Fundos de crédito privado com resgates no curto prazo sofrem mais na crise; entenda por quê

Gestores preveem mudanças no nicho como reflexo da crise, com composição das carteiras mais ajustada aos prazos de saída do investimento

Lucas Bombana

SÃO PAULO – O abalo causado pelo coronavírus não poupou nenhuma classe de ativo no mercado. Em um cenário de elevada incerteza e fortes perdas nas bolsas ou na renda fixa, uma das principais estratégias que começou a despontar entre gestores de recursos após o baque inicial foi se voltar para as ações e os títulos de dívida mais sólidos para atravessar o período turbulento.

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No entanto, entre alguns fundos do mercado, nos de crédito notadamente, mesmo os ativos mais resilientes não foram o suficiente para impedir perdas relevantes. Em comum entre esses veículos com dívida privada que ficaram para trás está o prazo de resgate curto.

Um bom exemplo pode ser extraído do desempenho do Schroders High Grade, com prazo de resgate D+1. Embora invista apenas em ativos com selo grau de investimento, mais líquidos e mais seguros que os chamados high yield (de maior risco), o fundo caía 7,4% desde o inicio da crise, em 21 de fevereiro, até 26 de maio, segundo dados da Economatica. No período, o IDA-DI, o índice de debêntures remuneradas pelo DI calculado pela Anbima, recuava 3,7%.

Há diversos outros casos assim, como os fundos Valore, da AZ Quest, e Agilite, do CA Indosuez Wealth, ambos focados em emissões bancárias e debêntures de alta liquidez e baixo risco de crédito. O prazo de resgate (D+5), contudo, potencializou as perdas em um cenário de alta aversão ao risco despertado pelo coronavírus.

Isso porque os gestores se viram forçados a se desfazer, em pouco tempo, de bons ativos que, se fossem mantidos até o vencimento, deveriam entregar os retornos fixados no momento da emissão, dada a qualidade das empresas emissoras. Essa dinâmica de mercado contribuiu para que os fundos da AZ Quest e do CA Indosuez Wealth recuassem 5,6% e 5,1% desde o inicio da crise, respectivamente, bem acima da média do mercado indicada pelo índice referencial da Anbima.

As perdas expressivas dos fundos mais líquidos da indústria refletem em grande parte os saques dos investidores que, no momento da paúra, correram para resgatar recursos dos produtos mais acessíveis.

Considerando uma base da Economatica com 120 fundos de renda fixa com alocação em crédito privado de pelo menos 50% da carteira, patrimônio acima de R$ 100 milhões e mais de 99 cotistas no dia 26 de maio, os resgates líquidos somaram R$ 58,3 milhões desde 21 de fevereiro.

Desse volume, dentre os 74 fundos com prazo de resgate de até cinco dias (61,6% da amostra), os saques superaram os aportes em R$ 50 milhões, o que respondeu por quase 86% do total de resgates líquidos.

Risco x Retorno

Tendo em vista o maior grau de incerteza, com as crises sanitária, econômica e política turvando a leitura do cenário, a sócia-diretora da FB Wealth, Daniela Casabona, prevê ainda bastante volatilidade para os fundos de crédito.

Ainda assim, com a Selic em 3%, há boas oportunidades que podem ser capturadas nos títulos privados por meio de gestoras com experiência no ramo, diz a especialista, que tem no radar tanto ativos high grade (com menor risco de crédito) como high yield (de menor liquidez e mais risco), mas sempre privilegiando fundos com maior prazo de resgate. “Nossa alocação em crédito é com o foco no longo prazo, não como fundo de caixa.”

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Daniela acredita que, após a experiência recente com o nicho, se tornará uma visão consensual no meio de que manter os prazos curtos de resgate em fundos de crédito, sem que haja uma mudança no perfil da carteira, não é mais viável.

A especialista prevê que os fundos que têm o prazo médio dos ativos de crédito na carteira consistentemente, e de maneira significativa, acima do prazo de resgate oferecido ao cotista, devem perder popularidade, uma vez que eles estiveram entre os que mais perderam na crise, com os gestores se vendo obrigados a vender ativos com vencimento no longo prazo em um momento bastante desfavorável.

“Os gestores entenderam o que pode acontecer em um cenário de estresse, e devem se preparar para ter uma resposta ao investidor sem prejudicar tanto o fundo.”

Fundos reformulados?

Essa é uma visão compartilhada por André Fadul, gestor dos fundos de crédito do CA Indosuez Wealth. Ele prevê que os próximos produtos a serem estruturados pelo mercado serão bem diferentes dos conhecidos até agora.

“O modelo de 50% do portfólio em letras financeiras para ter um conforto de liquidez nesse tipo de fundo acabou”, afirma Fadul, em referência à magnitude da volatilidade que pegou os agentes desprevenidos, sem que o colchão de liquidez fosse suficiente para absorver todo o volume de saques. “As estratégias vão precisar amadurecer”, complementa o especialista.

Ele prevê que esse processo de transformação deve incluir um aumento no espaço das LFs de grandes bancos nas carteiras. Além disso, o restante do portfólio, com a alocação em crédito, também deve mudar em relação ao observado mais recentemente na indústria de forma geral.

O investimento em ativos de dívida privada com prazo de vencimento bastante superior aos de resgate dos fundos deve perder espaço dentro da indústria. No lugar deles, Fadul prevê o surgimento de novos produtos em que os ativos tenham uma “duration” mais próxima à liquidez das carteiras.

O aumento no uso de derivativos como forma de proteção também está no radar. Dessa forma, explica Fadul, os fundos estarão menos sujeitos à volatilidade trazida pelas oscilações dos preços dos juros futuros, concentrando-se somente no spread de crédito propriamente.

Assim, diz o especialista, ficará mais claro para que o investidor faça uma diferenciação entre o retorno que é gerado pela gestão ativa em relação àquele oriundo de oscilações mais gerais do mercado como um todo, como o fechamento das taxas no mercado de juros futuros.

Feijão com arroz

Para Ulisses Nehmi, CEO da Sparta, um dos legados deixados pela crise será um retorno ao conservadorismo por parte de alguns gestores. “Estava sendo comum encontrar fundos D+0 com carteiras mais arrojadas do que fundos D+30”, afirma. “Isso é um péssimo sinal.”

Nehmi também acredita que essa volta às origens deve ocorrer por meio de um alinhamento maior entre o prazo médio dos ativos no portfólio em relação ao de resgate do fundo.

Os novos fundos de crédito com prazo de resgate curto que vierem a surgir, diz o CEO da Sparta, devem estar mais precavidos após a experiência de março, evitando ativos com uma “duration” longa, que possam trazer um impacto negativo relevante caso tenham de ser vendidos às pressas, por mais resilientes que sejam.

Já aumentar os níveis de caixa não está no radar, até porque esse é um movimento que já foi feito. Em meados do primeiro semestre de 2019, o caixa nos fundos da Sparta rodava ao redor de 10%, e hoje já está mais perto de 20%.

Segundo o especialista, a estratégia tem ajudado a atravessar o período de volatilidade com um pouco mais de tranquilidade, ao proteger o portfólio quando a volatilidade aumenta e permitir que as oportunidades oriundas da crise sejam aproveitadas.

A forma de atuação tem garantido uma performance apenas ligeiramente superior à do mercado – de 21 de fevereiro a 26 de maio, o fundo da Sparta recuava 3,6%, contra uma queda de 3,7% do IDA-DI.

Como vem com o caixa acima da média, a gestora alterou em março a forma de cobrança do fundo – a taxa de administração de 0,7% passou a valer apenas para a parcela alocada em crédito.

Já para a alocação em caixa, a taxa cobrada é decrescente, conforme essa parcela aumenta dentro da carteira. “Manter o caixa elevado, desde que não onere o investidor, pode ser um diferencial importante.”

Novas alternativas

O gestor da JGP, Alexandre Muller, também acredita que a indústria passará por um reajuste de rota, na esteira dos resultados recentes. Na avaliação do especialista, o novo caminho deve incluir alternativas ainda pouco exploradas no país.

“O futuro dos fundos de crédito deve passar pelos ETFs”, projeta o gestor, que cita o baixo custo, a vantagem tributária e a liquidez, pela negociação das cotas dos fundos de índice em bolsa, como atributos que devem aumentar a utilização dos fundos indexados. “Os ETFs devem gradualmente substituir os fundos de crédito de liquidez imediata.”

Outra mudança esperada para o setor é uma concentração maior dos portfólios em setores ou papéis nos quais os gestores depositem mais confiança. Com o passar do tempo, prevê Muller, os fundos de crédito devem ficar mais parecidos com os de ações. “Fundos de Bolsa costumam ter 20, 30 papéis, enquanto entre os fundos de crédito são cerca de 100.”

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