Febre dos BDRs passou? Cancelamentos de recibos de ações estrangeiras superam emissões em 2022

Movimento reflete menor interesse dos investidores, dadas as condições adversas dos mercados globais; índice de BDRs tem queda superior a 26% no ano

Mariana Segala

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A febre dos BDRs – ou Brazilian Depositary Receipts – parece ter chegado ao fim, ou ao menos estar dando um tempo. Um dos grandes sucessos do mercado em 2021, os recibos de ações estrangeiras negociados na B3 estão perdendo espaço no pregão conforme o ano avança.

Não apenas o volume médio de negociações diminuiu desde janeiro – quando atingiu um pico de R$ 643 milhões por dia, caindo para R$ 386 milhões em abril – como também reduziu a atividade no mercado primário, que representa o momento da listagem de novos papéis na B3.

Entre janeiro e abril de 2022, houve mais cancelamentos do que emissões de BDRs. E a diferença não foi pouca: no primeiro quadrimestre, as emissões somaram R$ 6,6 bilhões, contra cancelamentos de R$ 9,7 bilhões.

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Os dados constam em boletim mensal de BDRs elaborado pela B3. De acordo com o documento, as emissões sempre superaram os cancelamentos – ao menos desde 2017, período abrangido pelo material. Só em 2021, as emissões (de R$ 27,2 bilhões) corresponderam a praticamente o dobro dos cancelamentos (R$ 13,8 bilhões).

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Brilho ofuscado

O movimento indica um menor interesse dos investidores brasileiros pelos papéis neste ano. “Quando há mais cancelamento do que emissões, a posição em BDRs está diminuindo”, explica Marcos Skistymas, superintendente de produtos de equities, juros e moedas da B3.

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Segundo Skistymas, os cancelamentos costumam refletir a atividade dos formadores de mercados, instituições financeiras contratadas para prover liquidez – comprando e vendendo – aos BDRs no pregão. Seu papel é importante para assegurar que os investidores consigam adquirir (ou se desfazer) dos recibos, mesmo que naquele momento não haja outros investidores interessados em vendê-los (ou comprá-los) no pregão. Os formadores de mercado são, de acordo com o superintendente da B3, os principais responsáveis por emissões e cancelamentos de BDRs.

Quem adquire um BDR não compra diretamente as ações da empresa listada no exterior – mas elas existem de fato lá fora, e precisam ficar depositadas e bloqueadas em uma instituição financeira que atua como custodiante.

Quando há demanda por um determinado BDR na B3 e não há oferta disponível, o formador de mercado precisa adquirir os papéis da empresa em seu mercado de origem, depositá-los junto ao custodiante para que, só então, o banco depositário dos BDRs aqui no Brasil emita os recibos e os disponibilize para negociação.

O mesmo ocorre no sentido contrário. Se há mais investidores querendo vender BDRs do que outros dispostos a comprá-los, o formador de mercado também entra em ação. Neste caso, ele adquire os recibos na B3, solicita o seu cancelamento e vende as ações correspondentes no mercado de origem, desfazendo a operação.

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Condições de mercado pesam

A redução do interesse por BDRs, na visão de especialistas, se dá pelas condições do mercado neste ano. De um lado, as ações nas bolsas internacionais estão em queda. De outro, o câmbio baixou nos últimos meses – o que entra na conta dos preços dos recibos negociados na B3.

“Vimos o mercado americano praticamente bater um pico em 2021, o que coincide com o pico de emissões de BDRs”, diz Felipe Paletta, analista e sócio-fundador da Monett. “Mas desde lá, houve tanto a correção das bolsas quanto a apreciação do real. O câmbio caiu de R$ 5,80 para R$ 5 em março, quando houve o auge dos cancelamentos”.

Em 2021, houve um salto na quantidade de BDRs listados na B3, assim como dos investidores com posição nesse tipo de ativo e dos volumes negociados. Um dos grandes impulsionadores foi uma mudança no regramento da CVM sobre o assunto, permitindo que pessoas físicas em geral – e não apenas os investidores qualificados, com ao menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras – fossem liberadas para comprar e vender BDRs na Bolsa. A alteração ocorreu em outubro de 2020.

O número de investidores de BDRs, que ao fim de 2019 somava 2,9 mil, alcançou 306 mil dois anos depois. Em abril de 2022, chegou a 360,6 mil, dos quais quase 359 mil são pessoas físicas.

Para José Cassiolato, sócio da Nexgen Capital, os cancelamentos são compreensíveis, dado o cenário internacional. “Com alta de juros nos Estados Unidos, preocupações geopolíticas, a Covid na Ásia, as empresas se desvalorizaram significativamente, já que tudo isso acrescenta desafios à receita das companhias”, diz. “Do ponto de vista técnico, hoje encontramos poucos investidores com o apetite para investir uma classe de ativo que sofreu pra caramba ao longo dos últimos três meses”.

Enquanto o Ibovespa acumula alta de 3,78% em 2022, considerando o fechamento de terça-feira (17), o BDRX – índice que mede o desempenho médio das cotações dos BDRs da B3 – recua 26,59%.

Cancelamento = deslistagem?

Segundo Skistymas, os cancelamentos verificados neste ano não estão relacionados à deslistagem de BDRs na B3. Os programas que foram lançados até aqui permanecem ativos. Na verdade, novos continuam sendo acrescentados. Hoje mesmo, por exemplo, 25 novos recibos – de empresas como Coursera, Post Holdings e United Natural Foods – foram disponibilizados no pregão.

“Se um um papel é disponibilizado para negociação, mas não há investidores interessados, a instituição depositária pode tomar a decisão de deslistá-lo por falta de interesse, pois há custos envolvidos”, explica o superintendente da B3.

Entre os custos de manutenção de um programa de BDRs, o executivo cita, por exemplo, a captura de informações divulgadas pela empresa no mercado de origem e disponibilização das mesmas aos investidores brasileiros.

“Mas não houve deslistagem de BDRs nos últimos anos, nem atualmente”, ressalta.

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Mariana Segala

Editora-executiva do InfoMoney