Estatais têm ganho mais permanente com Congresso à direita, mesmo com Lula, diz economista da BlueLine

Para Fábio Akira, principal risco é o cenário externo, que afetaria mais o câmbio e os juros do que propriamente a Bolsa

Bruna Furlani

Crédito: Divulgação pessoal

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A distância mais apertada entre a votação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do atual mandatário Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno das eleições despertou um movimento de maior otimismo em torno das ações de estatais nesta segunda-feira (3).

Na avaliação de Fábio Akira, economista-chefe da gestora BlueLine, mesmo se o candidato petista ganhar as eleições, o risco de descontinuidade de processos de privatização seria limitado com a nova composição do Congresso.

“Mesmo se o Lula ganhar, a iniciativa de reestatizar o que já foi feito é muito mais baixa”, diz. E completa: “Para as estatais, há um ganho permanente com a composição de um Congresso mais à direita, embora a volatilidade [vista agora] esteja muito associada à chance de vitória do Lula ou não”.

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No último domingo (2), as urnas foram tomadas por uma onda bolsonarista nas eleições para o Senado Federal. Ao todo, o PL – partido de Bolsonaro – elegeu oito senadores. Com os outros que já possui, a bancada de Bolsonaro terá 13 senadores, o que leva o partido a se consolidar como o maior da Casa.

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A eleição de uma bancada mais liberal do ponto de vista econômico, somada à perspectiva de decisão mais apertada no segundo turno do pleito presidencial, tornaram o cenário mais favorável para a Bolsa, o real e os juros. Akira, no entanto, não descarta que o ambiente externo possa atrapalhar a festa, especialmente em relação ao câmbio e aos juros, mais vulneráveis a um movimento externo menos favorável.

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“O driver principal é o risco inflacionário e o risco de altas mais pronunciadas de juros nos países desenvolvidos. Isso tem como consequência direta o fortalecimento do dólar e o contágio das taxas elevadas [do mercado externo] para o mercado local”, esclarece.

Confira os principais trechos da entrevista a seguir:

InfoMoney: Como avalia o resultado das eleições ontem? 

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Fábio Akira: Tem uma frase que eu sempre uso ao tratar de inflação que é: o headline [número principal] ficou em linha, mas o núcleo surpreendeu. Acho que essa frase se encaixa bem ao resultado eleitoral. O headline foi a performance do Lula, que mostrou que ele ficou muito perto de vencer em primeiro turno. Tudo isso ficou bem em linha com que as pesquisas anunciavam, que traziam uma performance entre 48% e 51%. Mas o núcleo, ou seja, a tendência subjacente eleitoral é que surpreendeu. A performance do Bolsonaro foi bem mais forte, assim como a composição do Congresso e a performance da direita nos pleitos estaduais.

IM: Como deve ser um eventual mandato de Lula ou Bolsonaro com um Congresso mais bolsonarista? 

Akira: O mercado tenta sempre deixar de lado preferências partidárias e ideológicas e precificar o risco de descontinuidade na política econômica. No começo, quem apresentava maiores riscos de descontinuidade era o Lula. Mas ele fez todo um movimento de campanha, que reduziu gradualmente esse risco, ao escolher o [Geraldo] Alckmin como vice, ao formar uma frente ampla e ao se aproximar de [Henrique] Meirelles.

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O mercado já vinha precificando esse risco de descontinuidade menor e o resultado das eleições no Congresso reforçou que esse risco está menor. Foi uma surpresa a composição de votos da direita no Congresso, principalmente no Senado. Na Câmara, a correlação de forças não parece ter mudado tanto.

IM: De que forma o mercado está digerindo o primeiro turno? 

Akira: O resultado está claramente mais positivo, só que tem duas formas de olhar. Uma é olhar uma abordagem mais de curto prazo. O que o resultado do primeiro turno gera em termos de consequência ou de dinâmica para a campanha do segundo turno? O espaço entre os dois candidatos está mais fechado e ambos precisam conquistar o voto dos candidatos mais moderados. Portanto, a campanha deverá ser mais moderada. Uma segunda análise envolve como vai transcorrer a administração com essa nova composição do Congresso.

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IM: Ou seja, a tendência é de que os dois busquem ir mais ao centro? 

Akira: Na campanha, a tendência é ser uma campanha mais virulenta e agressiva, mas talvez no discurso econômico ela se acomode e tente encontrar uma moderação dos dois lados. Esse novo Congresso receberia muito bem e aceleraria a agenda desestatizante do Bolsonaro, junto com o Paulo Guedes. Por outro lado, a nova composição funcionaria como um freio para iniciativas mais reestatizantes do Lula. Isso é muito claro e bem marcado.

Na questão fiscal, o problema já é mais complicado. O Lula tem falado que deseja garantir a sustentabilidade fiscal na geração de superávits primários, ao mesmo tempo que fala em acelerar gastos sociais e de infraestrutura. Como concilia isso? Esse Congresso e a sociedade já não toleram muito isso. Fica a dúvida de como isso vai fechar. Já na gestão Bolsonaro, o risco pode ser outro. Pode ser que o exagero de carga tributária coloque em risco o equilíbrio fiscal, dado que há uma pressão para gastos fiscais e recomposição de gastos.

IM: Hoje, ações estatais como Petrobras e Sabesp subiram. Como devem ficar as estatais no segundo turno e após as eleições?

Akira: A volatilidade durante a campanha está garantida. As coisas vão oscilar. Só que, nesse caso, a composição do Congresso gera um risco de downside [recuo] menor. Mesmo se o Lula ganhar, a iniciativa de reestatizar o que já foi feito é muito mais baixa. Para as estatais, há um ganho permanente com a composição de um Congresso mais à direita, embora a volatilidade [neste momento] esteja muito associada à chance de vitória do Lula ou não.

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IM: O risco sobre as estatais que era projetado em caso de uma eventual vitória do Lula deve ser afastado? 

Akira: O risco de descontinuidade muito grande e de radicalismo em uma eventual vitória do Lula fica limitado. Mesmo que ele tente, certamente o Congresso barraria esse tipo de iniciativa. Como o Lula é mais negociador, talvez ele não proponha coisas tão radicais ao Congresso. Ele deve tentar executar outras iniciativas que não necessitem do Congresso.

IM: A perspectiva deve seguir sendo de alta para o petróleo e para a Petrobras?

Akira: Do lado global do petróleo, há uma escassez no médio e longo prazos. Já no curto prazo, há um risco de recessão global e de desaceleração nos Estados Unidos, Europa e China. Tem esse alívio no lado da demanda no curto prazo, o que tende a atuar como força baixista sobre o petróleo. Mas há esse risco altista no médio e longo, que indica que não dá para cair muito.

Nesse caso, o preço internacional fica mais volátil e ganha relevância a discussão doméstica. Isso tende a ser mais favorável para a Petrobras. Mesmo com uma eventual vitória de Lula, o Congresso deve ver como pouco palatáveis movimentos radicais de reestatização.

IM: Bolsa amanheceu positiva, juros recuaram e real se apreciou. O exterior pode atrapalhar essa festa? 

Akira: Pode. O cenário externo é extremamente conturbado, com muito risco. Câmbio e juros estariam mais vulneráveis a oscilações externas. O driver principal é o risco inflacionário e o risco de altas mais pronunciadas de juros nos países desenvolvidos. Isso tem como consequência direta o fortalecimento do dólar e o contágio das taxas elevadas [do mercado externo] para o mercado local.

O contexto externo conturbado e o crescimento econômico local mais forte deixam o câmbio e os juros mais vulneráveis e talvez a Bolsa menos. Ela [Bolsa] pode ser afetada, mas tem potencial para passar ilesa, no caso de alguns players [empresas] mais ligados ao pleito eleitoral.

IM: Quais seriam essas ações?

Akira: Em caso de vitória de Bolsonaro, estatais e instituições financeiras do setor privado seriam beneficiadas.

Uma das coisas que o Lula disse é que vai voltar a usar mais ativamente os bancos públicos. Se for próximo ao que a administração da Dilma fez, de colocar os bancos públicos pra forçar a concessão de crédito e a redução de spread bancário, um eventual governo Lula seria menos favorável para bancos privados. Por outro lado, a avaliação é de que isso não aconteceria em um eventual governo Bolsonaro.

No governo Lula, há ainda todo o contexto de varejo, setor habitacional, educacional e de construção que poderiam ser beneficiados.

IM: Isso seria por causa de benefícios fiscais, como aumento do Bolsa Família, por exemplo? 

Akira: Além de ações mais visíveis, governos de esquerda costumam ter um foco maior em consumo, em gasto social. Isso também estaria alinhado ao próprio discurso eleitoral de Lula de retomar o foco em investimento de infraestrutura. Isso torna a Bolsa brasileira mais interessante.

Acredito que a Bolsa seria afetada pelos temas macroeconômicos globais, mas teria casos mais específicos que prevaleceriam sobre o ruído global, desde que o cenário externo não fosse destruidor. O contágio de câmbio e de juros, nesse caso, seria muito mais direto.

IM: O problema com o Credit Suisse lá fora poderia afetar também a Bolsa brasileira? 

Akira: Qualquer episódio ou evento no sistema financeiro gera uma aversão a risco global e tende a fortalecer dólar. Ou seja, o real ficaria vulnerável. Além disso, o contexto é favorável para o fortalecimento do dólar contra outras moedas pela discussão macroeconômica de pressão de inflação e por uma atitude muito mais assertiva por parte da autoridade [monetária] americana no combate à inflação.

IM: Lula pediu um cheque em branco ao mercado ao não dar detalhes sobre o plano econômico de governo. O que o mercado espera da equipe econômica do Lula? 

Akira: A leitura inicial seria extremamente favorável se o nome [para o Ministério] fosse do Meirelles, porque o mercado assumiria que ele só teria aceitado o convite se tivesse recebido uma carta branca, assim como fez no Banco Central. Agora, se o nome para a Fazenda for mais político, dependeria muito mais do resto da equipe.

Tem que ter coerência e consistência entre a equipe econômica e a ala política. O mercado já viu isso ocorrer quando a Dilma colocou o Joaquim Levy [ex-ministro da Fazenda], que é bastante ortodoxo. Isso foi bem recebido, mas não teve consistência e suporte político pra adotar as políticas mais ortodoxas. Não basta colocar o Meirelles na Fazenda. A execução das políticas e a capacidade do Meirelles de mover as engrenagens para uma agenda mais reformista seriam muito importantes.

IM: Se a equipe do Lula indicar uma posição mais favorável a reformas, isso também agradaria agentes financeiros?

Akira: O mercado está esperando uma sinalização sobre o arcabouço fiscal. Em reuniões fechadas com empresários, ele [Lula] disse que não iria ter teto, mas que pensaria em um arcabouço fiscal. Segundo o que foi reportado, ele se colocou como garantia. Ele deu a cara a tapa, mas o mercado precisa de mais do que isso. A maior cobrança do mercado vai ser equipe e a discussão do arcabouço fiscal mais rapidamente.