Deflação: é hora de fugir de títulos indexados ao IPCA ou de aproveitar os juros ainda elevados?

Na visão de analistas da XP, nível de remuneração real é atrativo e tende a "empatar" com papéis prefixados, que despertaram interesse do mercado

Mariana Segala

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Dois meses consecutivos de deflação – recuo nos preços – medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) podem estar abalando a confiança dos investidores de renda fixa que aplicam em papéis corrigidos pelo indicador. Entre os ativos do tipo estão os títulos públicos (Tesouro IPCA+), além de papéis bancários (CDBs e letras de crédito) e de dívida corporativa (como as debêntures).

Como a rentabilidade desses investimentos é resultado de dois componentes (uma taxa de juros prefixada, definida desde o momento da aplicação, mais a variação da inflação), alguns papéis sentiram o baque do IPCA negativo de -068% em julho – a maior deflação da história – e -0,36% em agosto.

Embora o efeito tenha sido limitado na média, o receio de registrar perdas em aplicações de renda fixa – algo que muitos investidores acreditam que nunca aconteça – cresceu. Na visão de Camilla Dolle, head de renda fixa da XP, isso não se justifica.

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“Em momentos em que os preços dos títulos de renda fixa se desvalorizam, é comum observar movimento de aversão a estes ativos por parte dos investidores. Vemos este comportamento, muitas vezes, como equivocado, dado que a razão por trás da queda nos preços pode ser passageira”, dizem Camilla e Tatiana Nogueira, economista da XP, em relatório publicado nesta quinta-feira (15).

Segundo elas, esse é o cenário observado recentemente. “Com a deflação dos últimos meses e o reflexo dela sobre os títulos atrelados ao IPCA, investidores têm buscado se desfazer de suas aplicações indexadas à inflação ou preferido apenas prefixados ao realizar aplicações”, diz o documento.

Porém, a deflação atual tem natureza de curto prazo e “ao que tudo indica, deve se dissipar já no próximo mês”. “Sendo assim, e considerando-se os níveis atuais de taxas de juro real, os títulos IPCA+ continuam sendo boas opções de alocação, principalmente para prazos médios e longos”, avaliam.

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Nesta manhã, a remuneração dos títulos públicos atrelados ao IPCA variava entre 5,78% e 5,96% ao ano, a depender do prazo de vencimento e da característica de pagamento de juros dos papéis (alguns oferecem cupons semestrais, outros não). Ao longo deste ano, as taxas chegaram a superar 6% ao ano. Mas mesmo menores atualmente, ainda costumam ser consideradas atrativas pelos analistas, dado que seguem rondando esse patamar.

De acordo com o relatório da XP, a deflação verificada nos últimos dois meses – e que provavelmente se repetirá em setembro – resulta essencialmente do efeito do corte de impostos em energia, combustíveis e telecomunicações. Em junho, o governo aprovou projeto de lei que reduziu o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) desses itens em caráter permanente, além de ter zerado até o final do ano a tributação de PIS/Cofins sobre combustíveis. Além disso, a Petrobras deu início ao corte nos preços de combustíveis em julho.

Não fossem essas eventos pontuais, a leitura da XP é de que a inflação acumulada em julho, agosto e setembro seria de +1,74%, no lugar do IPCA de -1,18% estimado para o período diante dos cortes de impostos e preços.

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“É verdade que a inflação vem perdendo força, mas ainda de forma bastante gradual”, diz o relatório da corretora. “Projetamos quedas adicionais em preços externos, especialmente em alimentos e metais, com a entrada de safras e desaceleração da economia chinesa, respectivamente. No entanto, as condições climáticas, custos elevados, baixos estoques e questões geopolíticas não darão espaço para quedas grandes o suficiente para levar a inflação ao consumidor ao campo negativo após setembro, em nossa visão, pelo menos até meados de 2023”.

Por isso, apesar da expectativa para o IPCA de setembro ser de deflação mais uma vez, as especialistas da XP afirmam que os níveis atuais de juros reais são suficientemente altos para que os títulos atrelados ao índice (IPCA+) resultem em uma remuneração equivalente à dos títulos prefixados – que despertaram “clara preferência” no mercado dados os índices de preços negativos. Na visão delas, o IPCA gera oportunidades daqui para frente.

“Ao basear suas decisões de investimentos apenas no cenário recente, boas oportunidades de taxas podem ser desperdiçadas pelos investidores. Ao investir, o ideal é visar o longo prazo e evitar realizar movimentações nas carteiras a todo momento – o que pode significar perdas desnecessárias”, afirmam.

Mariana Segala

Editora-executiva do InfoMoney