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O mercado de debêntures está no foco dos investidores de renda fixa desde o início de 2023, quando as crises de Americanas (AMER3) e Light (LIGT3) causaram desconfiança sobre a capacidade de pagamento dessas e outras empresas. Por outro lado, a crise inflou as taxas e as empresas precisaram emitir oferecendo retornos maiores, o que segue acontecendo, mesmo após a queda da Selic.
Dentre as debêntures consideradas atrativas estão as de empresas de saneamento. Companhias do setor, como Aegea, Iguá e BRK, são elogiadas pelos analistas por terem contratos de concessão de longa duração, o que significa receitas recorrentes por muito tempo. Somente de maio a julho, levantaram um total de R$ 5,75 bilhões por meio de debêntures.
Além de retorno superior ao dos títulos públicos, as debêntures de saneamento são isentas de Imposto de Renda, já que as companhias que emitem os papéis investem em projetos incentivados de infraestrutura.
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Apesar dos pontos positivos, os papéis carregam, sim, riscos. As empresas de saneamento têm dívidas grandes e o mercado ainda teme mudanças no Marco Legal do Saneamento que possam afetar a competitividade do setor. Vale a pena investir?
Janela de oportunidade?
O pano de fundo das novas emissões é o Marco Legal do Saneamento, lei de 2020 que altera uma série de regras no setor e prevê a ampliação do fornecimento de água e coleta de esgoto à população até 2033. O texto é considerado positivo, pois prevê estímulos para a presença das empresas privadas no setor.
Com a lei em vigor, as empresas de saneamento assumiram operações que foram privatizadas e, agora, estão se capitalizando para investir e entregar as metas que as concessões exigem. Só nos últimos meses:
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- A Iguá levantou R$ 3,8 bilhões em uma emissão de debêntures em junho, para financiar investimentos em saneamento básico no estado do Rio de Janeiro;
- A Águas do Rio, do Grupo Aegea, anunciou a maior oferta de debêntures de infraestrutura do País, de R$ 5,55 bilhões em duas séries. A empresa precisará investir R$ 30 bilhões nos próximos 35 anos na exploração das concessões dos blocos 1 e 4 da antiga Cedae.
Nas duas emissões, os papéis foram muito procurados. A oferta da Iguá teve demanda de R$ 5 bilhões, enquanto a demanda da Águas do Rio foi de R$ 9,76 bilhões.
Confira as últimas emissões de debêntures incentivadas do setor de saneamento:
Data de encerramento da oferta | Empresa | Valor captado (R$) |
02/mai/2023 | Sanepar | 400 milhões |
10/mai/2023 | Aegea | 1 bilhão |
11/mai/2023 | BRK Ambiental | 100 milhões |
12/jun/2023 | São Gabriel Saneamento | 70 milhões |
26/jun/2023 | Iguá Rio de Janeiro | 3,8 bilhões |
10/jul/2023 | Manaus Ambiental | 200 milhões |
12/jul/2023 | Solví Essencis Ambiental | 130 milhões |
31/jul/2023 | Sul Concessões e Participações | 55 milhões |
Fonte: Anbima. O levantamento ainda não contempla dados de agosto.
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“Sempre investimos e gostamos do setor”, diz Antonio Pedro Leão Teixeira, sócio e gestor de infraestrutura da JGP Crédito. “É um setor resiliente, não tem muito risco de demanda, com geração de caixa muito previsível”, completa o analista.
Teixeira também tem elogios às empresas públicas, como Sabesp (São Paulo), Sanepar (Paraná) e Copasa (Minas Gerais): “têm estrutura de capital muito leve, sem muita alavancagem (dívida)”, mas pondera: “não têm muitas metas, sempre investiram muito abaixo da média do mercado e ainda são inchadas (com muitos funcionários)’.
Debêntures de saneamento pagam bem?
Com a rentabilidade dos títulos públicos caindo, o retorno das debêntures de saneamento chama atenção. O IDEX-INFRA JGP, índice que acompanha o mercado de crédito privado e é calculado pela JGP, mostra que as taxas dos papéis de empresas de Utilidade Pública têm remuneração 150 pontos-base superior à dos títulos de inflação de referência.
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Significa dizer que, em média, se o Tesouro IPCA+ 2035 paga 5,12% ao ano, uma debênture do setor com mesmo prazo tem rentabilidade real aproximada de 6,62% ao ano.
Mas as últimas emissões relevantes remuneravam acima dessa média: o papel da primeira série da Iguá, com vencimento em 20 anos, paga 8,20% ao ano além da inflação, enquanto o da primeira série da Águas do Rio teve taxa de IPCA mais 6,90%. Isso sem contar a isenção de Imposto de Renda, cuja alíquota pode chegar a 22,5% nos investimentos de renda fixa não isentos.
A isenção de IR faz muita diferença, ainda mais porque as debêntures, em geral, já têm prêmio na comparação com títulos públicos. E o setor se mostrou resiliente na pandemia em termos de receita e inadimplência.
Mayara Rodrigues, analista de renda fixa da XP
Para a XP, o momento para investir nesses ativos é agora, já que as taxas vêm caindo nas últimas semanas. “As taxas vão cair ainda mais, então agora é uma janela de oportunidade”, diz Mayara.
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Setor tem seus riscos
Investidores experientes sabem que retornos atrativos são proporcionais aos riscos que as aplicações representam, e não é diferente com as debêntures de saneamento.
As empresas do setor estão aproveitando uma janela de oportunidades aberta pelo Marco Legal do Saneamento e, por isso, estão com endividamento mais alto. Analistas dizem que é preciso acompanhar os indicadores, mas o mercado “aceita a alavancagem porque há muito tempo não via oportunidades tão boas”, diz Mayara.
O essencial, segundo ela, é verificar se há dívidas relevantes vencendo no curto prazo e se as empresas têm capacidade de refinanciar os passivos. Teixeira, da JGP, sugere comparar o tamanho da dívida com a geração de caixa. Ele ressalta que as empresas do setor têm dívidas longas e bom acesso ao mercado de capitais – por isso, não causam preocupação.
O mercado, no entanto, está de olho na intenção do governo federal de promover mudanças no Marco Legal do Saneamento. Em maio, a Câmara dos Deputados derrubou dois trechos de decretos presidenciais que alteravam a lei, mas ainda há sinais que novas tentativas podem acontecer.
Na terça-feira (8), o ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho, disse que alterações na lei incentivarão investimentos e levarão a melhorias na infraestrutura de águas e esgotos.
Qualquer mudança para perto do que o segmento era antes do Marco Legal enfraquece o setor. Mas ainda não vimos propostas nos deixem mais preocupados.
Antonio Pedro Leão Teixeira, gestor de infraestrutura da JGP Crédito
A XP também não espera mudanças radicais, com grandes impactos para o setor. “É possível que o governo acrescente medidas de proteção às empresas públicas, mas sem prejudicar as privadas. Além disso, não acreditamos em mudanças nos leilões que já aconteceram”, diz Mayara.
Acesso aos papéis pode ser difícil
Há duas formas de investir nas debêntures – de saneamento ou outros setores. A primeira é via mercado primário, comprando os papéis assim que eles são lançados. Para isso, é preciso estar antenado aos anúncios das empresas que vão emitir dívida e procurar saber quais bancos e corretoras distribuirão os papéis.
Vitor Wolfgram, analista da Levante, lembra que os anúncios se dão com fatos relevantes, no site de relação com investidores da empresa e outros canais. Também é comum que as instituições financeiras que participam da oferta acionem os clientes via e-mail ou assessores de investimento.
A segunda forma de comprar as debêntures é no mercado secundário, mas também não há garantias de acesso aos papéis. O segmento de debêntures tem liquidez inferior ao de ações, por exemplo. O banco ou corretora precisa agir como intermediador entre compradores e vendedores. Outra possibilidade é que a própria instituição financeira compre as debêntures, depois vendidas aos investidores interessados.
Independentemente da forma que o ativo chega ao investidor no mercado secundário, é preciso considerar que nem sempre a debênture desejada estará disponível. “Pode ser que hoje sua corretora tenha a debênture da empresa que você quer e amanhã o ativo já não esteja disponível, é preciso acompanhar e esperar até que o comprador encontre um vendedor”, esclarece Wolfgram.
Investir em debêntures é para você?
Por mais que as debêntures de saneamento tenham boa relação entre risco e retorno, é preciso avaliar se elas cabem no seu bolso. Os ativos têm vencimento no longo prazo, e por isso não são alternativas para o investidor que pode precisar do dinheiro rapidamente.
O investidor que não tem tempo ou conhecimento para acompanhar a situação das empresas que emitiram os papéis também precisa pensar duas vezes antes de comprar uma debênture. Uma opção nesses casos são os fundos de investimento.
A vantagem dos fundos é contar com gestores especializados em escolher os melhores papéis e acompanhar o mercado diariamente. A cobrança de taxas de administração, porém, pode desanimar. Por isso, Mayara, da XP, diz que as duas estratégias podem se complementar. “Investir diretamente ou via fundos não são coisas excludentes”.
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