Curvello, da ASA Investments: alta de juros nos EUA briga com “céu de brigadeiro” nos emergentes

Entre posições vencedoras da gestora estão a alocação tomada em juros americanos, embutindo expectativa de que taxas no país continuem subindo

Bruna Furlani

Crédito: Divulgação

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Após meses de fluxo positivo de capital estrangeiro para a Bolsa, a virada em abril pode ser o primeiro sinal de uma reversão completa desse fluxo que pode ocorrer até o fim do ano, na visão de Marcello Curvello, gestor de moedas do fundo ASA Hedge, da gestora ASA Investments.

Em entrevista ao InfoMoney na semana passada, o especialista destacou que a casa acredita que o aperto de condições financeiras nos Estados Unidos deve ser mais forte do que é esperado hoje pelo mercado. Nas projeções da ASA, os juros americanos devem subir até 2,5% no fim deste ano e chegar a 3% ao ano em 2023.

“Isso não conversa com um fluxo ‘céu de brigadeiro’ e positivo para ativos de risco, principalmente para ativos emergentes”, diz. “A minha expectativa quando eu analiso os dados do setor externo e balanço de pagamentos é que esse fluxo de renda variável vai colapsar para zero”.

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Segundo números da B3, o saldo de capital estrangeiro para a Bolsa ficou negativo em R$ 1,74 bilhão no mês passado.

Sobre a economia americana, Curvello diz que os dados divulgados nos últimos dias, como Produto Interno Bruto (PIB) não provocaram nenhuma mudança de cenário para a elevação dos juros americanos de forma mais agressiva pelo Federal Reserve (Fed), banco central americano.

Entre as posições vencedoras do fundo hoje estão a alocação tomada em juros americanos, ou seja, apostando que os juros devem subir nos Estados Unidos. Há ainda uma posição vendida (na expectativa de desvalorização) em bolsas americanas e europeias. Sem contar posições vendidas em Ibovespa e dólar contra real, afirma o gestor.

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Ao falar sobre a visão que tem para o dólar, o gestor destaca que a projeção da casa é que a moeda americana encerre o ano em R$ 5,10. Segundo ele, a moeda deve oscilar com base em dois fatores: a continuação da política de Covid-19 zero na China e o ajuste mais agressivo do Fed.

“À medida que o Fed for entregando e que ficar claro pro mercado que ele vai ter que subir mais juros, o cenário para ativos de risco e dólar pra países emergentes não vai ser tão benigno assim. Talvez essa questão de como vai se dar a política monetária nos Estados Unidos seja uma coisa mais estrutural, que pode ser bem negativa pra moeda”, diz.

Confira os principais trechos da entrevista a seguir:

A divulgação de dados recentes da economia americana, como o Produto Interno Bruto (PIB), muda algo em relação ao cenário que a casa tem para os juros americanos? 

Não tem uma mudança significativa, na verdade. Foi um número mais fraco do que o esperado. Mas quando a gente olha a composição do dado, ela é de certa forma benigna se olharmos os drivers mais importantes de atividade americana, que envolvem o consumo doméstico. Teve um drag [queda] no PIB por conta da balança comercial americana, por conta de governo e de estoques. Mas o core [núcleo] do consumo mostrou que está bastante saudável. Logo, isso não gerou uma mudança no cenário de juros olhando pra frente.

O Fed deve continuar com essa subida mais agressiva de juros?

Esse dado de PIB não é suficiente pra mudar em nada o que o Fed tem observado na economia e a necessidade de alta de juros.

Pensando na questão do dólar, o que está pesando mais sobre a apreciação que vimos recentemente da moeda?

Olhando pro fim da semana retrasada, temos dois drivers [pontos] importantes, sendo que o mais importante é o desenrolar da pandemia na China. A gente tem a China como um país em que os casos ainda tão aumentando. Sempre que tem uma cidade com aceleração da transmissão de casos, o país realiza um lockdown em massa e em cidades que são importantes na questão do PIB chinês. Então, à medida em que os dados continuam a piorar e a China continua com essa politica de Covid-19 zero, o mundo tem um receio de atividade econômica por lá e isso tem impacto também no preços das commodities.

Vimos commodities importantes na pauta de exportação brasileira sofrendo nesses últimos dias. Como o real está apresentando uma correlação maior com preços de commodities neste ano, ele sofreu por conta desse movimento. Isso gera tanto uma perda de valor no preço das commodities, como gera um ambiente de maior aversão a risco no mundo. O que historicamente, é ruim para moedas de países emergentes.

Qual é o outro fator que pesou?

Tivemos também o evento do FMI [Fundo Monetário Internacional]. Nele, o Powell [Jerome Powell, presidente do Fed] fez um discurso, que representou apenas a continuidade das falas anteriores de que eles vão ter que subir os juros. Mas, na leitura do mercado, eles [do Fed] foram mais hawks [inclinados ao aperto monetário] nas declarações, o que pesou para um movimento de alta mais forte das taxas de juros mais curtas nos Estados Unidos. E pesou também sobre os ativos de risco. De qualquer forma, acho que o driver mais forte sobre o dólar foi a questão da China, que entrou no foco dos investidores.

Há outro ponto que possa ter impactado? 

Quando fazemos uma análise técnica dos principais players de mercado, tanto os principais fundos locais, quanto a comunidade estrangeira, é possível ver que eles estavam com a alocação máxima em real que já estiveram em uma janela relativamente longa de tempo. Os players de mercado estavam posicionados de maneira mais pesada no real. Quando tem uma virada de ambiente de risco e de cenário para commodity, a porta é pequena para todos os investidores diminuírem o risco. Acho que esse não foi o driver do momento, mas quando o movimento acontece, ele pode ser um acelerador.

Outro ponto importante é que viemos acompanhando um fluxo de entrada para portfólios de ações de Brasil muito significativo e já tem alguns dias que esse fluxo diminuiu bastante. Foi um fluxo recorrente principalmente até a primeira quinzena de abril e que não continuou nas últimas duas semanas. A gente tem uma dificuldade grande de calcular por conta da greve do Banco Central, já que que não temos dados de fluxo cambial, nem externo. Mas o dado do dia a dia e não defasado é esse de Bolsa, e vemos que esse fluxo diminuiu na margem.

Essa política de Covid-19 zero na China parece que deve seguir por mais um tempo. Como isso pode afetar as projeções para o câmbio?

A nossa visão é que é essa política é passageira. Se tivesse acontecido no começo da pandemia, haveria uma grande dúvida sobre os próximos passos da doença. Mesmo assim, acho que ainda há um risco de cauda. Não consigo descartar isso. Agora, uma coisa que é estrutural é a questão dos juros nos Estados Unidos. Apesar de ela não ter sido o driver dessa subida do dólar, é uma coisa que eu acredito que deve pesar na tomada de risco de países de ativos emergentes, principalmente à medida que o Fed for entregando essas altas de juros. A nossa expectativa aqui é que ele suba os juros mais do que o mercado precifica hoje. Isso pode um vento contrário pra ativos de países emergentes.

O fundo estava com uma posição tomada em juros americanos? Essa posição segue de pé?

Não mudou. Nós mantivemos a posição tomada em juros na parte curta. A visão não mudou. Para resolver essa questão inflacionária que é bastante difícil, os juros vão ter que subir mais do que a curva precifica hoje. Esse case continua intacto.

Mudou algo em termos de alocação, diante do cenário atual?

Para o cenário de juros nos Estados Unidos, não alteramos nada. Estamos com posição vendida em bolsas globais: Estados Unidos e Europa. Só que essa é uma posição que tem sido usada como hedge [proteção] para essa alocação em juros. É algo mais tático que fazemos quando identificamos que há uma maior aversão a risco. Essas posições ficam maiores agora, com o cenário mais difícil, e quando o cenário fica mais claro, elas são reduzidas. Temos carregado também uma posição comprada [esperando valorização] em commodities, cobre e petróleo. Mas não mudamos muito.

Há alguma posição em Brasil? 

O que temos hoje em Brasil é uma posição vendida em dólar contra real e vendida em Ibovespa. É uma posição que carregamos desde o fim do ano passado. Ela tem como driver que o BC elevou os juros pra níveis restritivos, além do que há um fluxo a favor de renda fixa e contra o mercado de equities [ações]. Além disso, há um carrego duplo, com a posição vendida em dólar e em Ibovespa. Essa posição sofreu e fizemos algumas alterações táticas, mas por ora vamos mantê-la.

O Brasil registrou uma forte entrada de capital estrangeiro no começo do ano, que agora está sendo revertida. Como vê essa mudança?

Esse fluxo de portfólio de entrada para a Bolsa foi uma surpresa pra mim e para boa parte do mercado. Não tinha essa expectativa. Eu não acreditava que ele fosse perene, era uma alocação mais pontual. Mas eu sinceramente acho que isso não vai continuar pra frente. Tem dois drivers principais: um é mais brasileiro e outro é global. Voltando de novo na questão do aperto de condições financeiras nos EUA, isso não conversa com um fluxo de céu de brigadeiro e positivo pra ativos de risco, principalmente pra ativos emergentes. Além disso, temos um ciclo eleitoral que vai pegar tração nos próximos meses e que pode ser que gere ruído. A questão da eleição está calma para os preços de ativos. Mas à medida em que isso pegar tração e as falas ficarem mais recorrentes, eu acredito que não vai ser essa calmaria que vimos até agora. Vai gerar ruído.

Mas isso pode se reverter?

É difícil falar de investimento de portfólio de curto prazo. Os gestores são muito rápidos em fazer esse tipo de movimento. Porém, acho que da mesma maneira que tivemos grande entrada em janeiro e fevereiro, março e um pedaço de abril, a gente pode ter uma reversão completa para o fim do ano. A minha expectativa, quando eu analiso os dados do setor externo e de balanço de pagamentos, é de que esse fluxo de renda variável vai colapsar para zero. Então, é como se fosse neutro para a moeda.

Considero que ainda vai ter uma entrada de renda fixa. Ela tem sido menor, mas tem sido recorrente perto de US$ 500 milhões ou US$ 1 bilhão. Mas estamos sem dados na margem. Essa parte de portfólio para de soprar a favor do real. Por outro lado, temos um fluxo muito importante na questão da balança comercial. Tivemos um choque positivo em termos de troca, os preços de commodities da nossa pauta de exportação subiram bastante. Então, ao longo de janeiro e fevereiro tivemos uma rodada de revisões importantes por conta desse impacto de preços para cima na balança comercial brasileira.

Mesmo com essa parte de portfólio mais fraca, ao olharmos os números da conta corrente, essa parte de balança comercial e serviços, renda e o investimento direto, ainda vemos um cenário benigno para a moeda olhando para essa questão de fluxos. Então, acho que essa é a resposta mais completa.

Para que o dólar continue subindo, o principal driver estaria na China então? 

Com certeza, um dos drivers pode ser essa questão da continuidade da Covid-19 e o impacto disso no preço de commodities. Mas outro driver é que o mercado precificou uma alta de juros pelo Fed bastante agressiva. Eu imagino que à medida em que o Fed for entregando os juros e que ficar claro pro mercado que ele vai ter que subir mais, o cenário pra ativos de risco e dólar para países emergentes não vai ser tão benigno assim. Talvez essa questão de como vai se dar a política monetária nos Estados Unidos seja uma coisa mais estrutural que pode ser negativa pra moeda.

O aumento de juros aqui no Brasil em relação aos EUA fez com que tivéssemos uma taxa de carrego muito mais atrativa e compatível com o que o Brasil viveu em anos anteriores. À medida que o BC vai chegando perto do fim do ciclo de aperto monetário e o Fed acelera esse processo, o diferencial de juros entre Brasil e EUA fica mais magro. Então, esse vento favorável de diferencial de juros ele vai continuar positivo para o real, porque o Fed deve subir menos os juros do que subimos aqui. Só que vai ficar menor. Em algum determinado momento, o investidor vai decidir se prefere correr o risco de investir nos Estados Unidos, com juros de 3%, 4%, 5% ou 6%, do que no Brasil com juros que levam em conta o real mais uma taxa de 13%. Então, deve ter uma migração de portfólio global em algum momento em que o Fed subir os juros, o que deve interferir na nossa expectativa aqui.

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