Compromisso fiscal é “bem mais frágil do que se imaginava”, diz gestor da Kapitalo, que vê Selic a 11% já no 1º tri de 2022

Diante do cenário instável, Bruno Cordeiro, sócio da gestora, diz que tem apenas uma pequena posição em Bolsa brasileira, boa parte dela em Petrobras

Bruna Furlani

Crédito: Divulgação

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SÃO PAULO – Os dribles para furar o teto de gastos e a saída de grandes defensores de uma agenda de maior austeridade sobre as contas públicas do país mostram que o compromisso com a agenda fiscal brasileira é “bem mais frágil do que se imaginava antes e isso tem sido uma constante no governo”.

A avaliação sobre a deterioração do cenário doméstico é feita por Bruno Cordeiro, sócio da gestora Kapitalo, que possui R$ 21 bilhões sob gestão, e é responsável pela gestão do fundo K10 da casa. Apesar de o teto estar no centro dos debates, o executivo está mais atento ao que vem pela frente.

“A nossa maior preocupação hoje é com a questão fiscal […]. O teto é apenas um instrumento. Só que ele representa um compromisso para que o país não entre em uma trajetória preocupante da dívida pública. Nesse cenário em que estamos, acho pouco provável que isso seja resolvido no curto prazo”, pontua Cordeiro.

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Segundo o executivo, a mudança no cenário doméstico deve ter fortes reflexos na política monetária do Banco Central. Com a piora, a expectativa da casa agora é que o Comitê de Política Monetária aumente a taxa básica de juros em 1,5 ponto percentual, ou seja, para 7,75% ao ano. “150 pontos-base deveria ser o piso na próxima reunião”, diz. Anteriormente, a expectativa era de um ajuste de 100 pontos-base.

A casa também acabou aumentando as projeções para a taxa básica de juros no primeiro trimestre de 2022 para 11% ao ano. A razão de não fazer estimativas de prazo mais alongado, explica Cordeiro, é porque o cenário está bastante instável.

Ao comentar sobre investimentos no fundo K10, o gestor ressalta que a posição em Bolsa brasileira é bastante pequena e que a maior aposta está nos papéis da Petrobras.

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Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

A semana foi marcada pela saída de membros do Ministério da Economia, além de dúvidas sobre o Auxílio Brasil e aprovação da PEC dos precatórios que alterou o teto de gastos. Como analisa o cenário macroeconômico atual? 

Vejo de duas formas. A primeira é que o compromisso com a agenda fiscal é bem mais frágil do que se imaginava antes. E isso tem sido uma constante. Temos um compromisso muito menor com a parte fiscal. Agora, a principal dúvida do mercado para os próximos anos é a sustentabilidade da dívida. Não é algo de curto prazo, mas sim de médio e longo prazos. A sustentabilidade vai seguir em voga e não estamos conseguindo contornar isso de forma correta.

A gestora foi muito penalizada diante dessa situação? 

No K10, por exemplo, nós optamos por não participar ativamente do ‘jogo Brasil’. Ou seja, estávamos já com um portfólio mais leve em Brasil [com posições pequenas aqui]. O foco já estava na carteira internacional. Aqui, o cenário estava bastante poluído pela questão fiscal. Ficamos em dúvida entre o preço e o cenário, e preferimos não correr o risco. No ano, por exemplo, o K10 está com retorno positivo de 13%.

O que quer dizer com uma posição mais leve em Brasil? 

Estamos com um viés menos construtivo com Brasil e operando apenas de forma tática porque os preços na Bolsa brasileira estão bastante razoáveis, estão baratos. Agora, como o cenário daqui pra frente é difícil, nós preferimos ter posições mais defensivas, mas não grandes porque os preços já refletem a piora no cenário.

Como estão posicionados em Bolsa então? 

Nós temos alocações compradas [com aposta na alta dos papéis] em Petrobras. Estamos construtivos com o cenário de energia global e a companhia está muito barata em relação aos pares no mundo. O motivo é justamente a questão econômica que vira e mexe questionamos.

Vemos que a demanda por energia e por petróleo, especificamente vai seguir forte no mundo e que a política de volta da produção pela Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] vai se manter. Estamos comprados [apostando na alta] não só em Petrobras, como na própria commodity [petróleo].

Diante dessa loucura que está o cenário atual, qual é a maior preocupação da gestora? 

A nossa maior preocupação hoje é com a questão fiscal. Todo o resto se resolve facilmente. O que é chato é que não estamos apontando na direção de resolver o fiscal. O teto é apenas um instrumento. Só que ele representa um compromisso para que o país não entre em uma trajetória preocupante da dívida pública. Nesse cenário em que estamos, acho pouco provável que isso seja resolvido no curto prazo.

E sobre a inflação, está preocupado?

A inflação não está com uma cara boa. Mas é uma questão que sabemos que vamos endereçar. Nós temos mecanismos para isso. O que me incomoda mesmo é a falta de vontade política para endereçar a questão fiscal. Agora, o desafio de trazer a inflação para a meta é grande. Vai ter que ter uma desinflação muito alta para que isso ocorra. O Banco Central vai ter que acelerar o passo. Acredito que a inflação só vai convergir para a meta em 2023.

O que seria acelerar o passo? 

Acelerar esse passo de puxada seria, por exemplo, acelerar a alta da Selic no próximo Copom [Comitê de Política Monetária]. Achamos que 150 pontos-base [1,5 ponto percentual] deveria ser o piso para a próxima reunião. Anteriormente, acreditávamos que era 100 pontos-base [1 ponto percentual]. Com isso, a Selic deve migrar para 11% já no primeiro trimestre de 2022.

O que estaria por trás desse aumento maior do ritmo? 

Está havendo uma deterioração muito grande das expectativas de inflação e o arcabouço fiscal teve uma mudança importante. O BC [Banco Central] vai ter que reagir de forma mais contundente para fazer com que a inflação não fuja muito da meta. Ele deve aumentar um pouco o passo agora e deveria caminhar para essa zona de 11% no primeiro trimestre do ano que vem.