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O Brasil é um país potencialmente beneficiário desse imbróglio americano, se governo e sociedade tiverem, antes de tudo, competência e coragem. O exemplo mais típico é a bolsa de valores: se a tal crise afeta muitas empresas americanas, inclusive (talvez, principalmente) do sistema financeiro de lá, não só é natural que a bolsa de lá caia, como é razoável crer que parte dos investidores internacionais migrem para a nossa BOVESPA.
Ora, o sistema financeiro aqui no Brasil está fortíssimo e as empresas do ramo de construção civil, destacadamente habitação, estão “bombando” – para usar uma gíria propositalmente exagerada – o que poderia ser tema de euforia para investidores. No entanto, mesmo que em alguns dias haja um certo descolamento entre IBOVESPA e DOW JONES (oxalá um crescente distanciamento), na maior parte do tempo eles caminham no mesmo sentido. E, claro, o nosso índice acompanhando o deles e não vice-versa, como ocorre praticamente no mundo inteiro.
“Os exportadores continuam sendo uma espécie de heróis nacionais, não se reconhecendo ainda o papel dos importadores” |
Inegável que, se faz sentido para os agentes do mercado, aqueles que, além de “achar”, ou simplesmente ter opinião, ainda compram ou vendem, não serão os analistas, os acadêmicos, o governo nem a mídia especializada quem vai demovê-los de seus credos, mesmo que sejam efêmeros e volúveis. Os agentes têm a sua (deles) verdade e se guiam por ela, mesmo que na maior parte do tempo predominem boatos, ondas e até mesmo “profetas” mal intencionados.
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Porém, como usam o dinheiro deles, pondo a própria cabeça em risco, nada a reclamar, exceto por eventualmente desvalorizar nossos fundos de pensão. Mas há que se lamentar essa visão estreita que nem sequer dá oportunidade a um pensamento positivo e, pelo menos, diverso: os agentes continuam agindo como “manada” e formam consensos em velocidade de banda-larga de ultima geração, derrubam a bolsa em 5%, para no dia seguinte fazê-la subir 6%.
A economia muda em ritmo pré-Bill Gates e não justifica que essa alta volatilidade seja tão freqüente. O Brasil cresce a 5% ou 6% ao ano. Para uma bolsa variar mais ou menos 5% ou 6%, não precisa mais que alguns segundos.
Outro descompasso importante anda sendo observado no “câmbio”, especialmente nas ultimas semanas em que o dólar caiu frente às moedas de quase todo o mundo relevante, mas não aqui no Brasil onde o nosso real acabou se desvalorizando, ainda que o efeito – alta nas cotações – seja bem vindo para a maioria dos exportadores.
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E não se pode, de modo algum, minimizar a atuação do BC que tem se esforçado para sustentar uma cotação “palatável” para o setor exportador, tentando por meio de sucessivas compras de moeda estrangeira amenizar a volatilidade do mercado de câmbio – o mais sensível e nervoso dentre todos – sem mudar a tendência, mas interferindo na velocidade. Mais que isso, o governo recentemente tomou medidas na área de câmbio, incapazes de per si de mudar a tendência, mas que, além de reforçar a percepção da preocupação da autoridade com a queda no câmbio, ainda melhora estruturalmente o mercado.
Permitir que a empresa mantenha 100% de sua receita de exportação no exterior, sem o caro malabarismo de ingressar simbolicamente 70% para o fim único de tributá-lo, é um progresso. Eliminar o IOF das operações de câmbio é outro passo correto, uma correção de uma decisão equivocada tomada em janeiro último.
Remanesce, no inconsciente coletivo, a tendência de “gostar” das subidas do dólar frente ao real, porque os exportadores no Brasil continuam sendo uma espécie de heróis nacionais, não se reconhecendo ainda o papel dos importadores, que têm garantido suprimento e preços baixos nas prateleiras do Brasil. Além disso, a presença do produto importado tem obrigado o fabricante nacional a um saudável exercício de atualização tecnológica, do qual ganham os consumidores. Mas ainda sobrevive o ranço de um País que parecia eternamente carente de moeda forte e que teria que privilegiar o exportador em todas as circunstâncias, como demonstra a eterna falta de quem reclame de alta do dólar na mídia brasileira.
Estruturalmente, economicamente, temos um cenário favorável às bolsas, exceto aquelas que negociam papéis de empresas americanas encurraladas pela crise e, se confirmada a percepção que o Brasil acabará beneficiário de investimentos desviados da América, deve retomar com força a pressão sobre o câmbio, ou seja valorização do real. Há que se observar ainda que, dado o aquecimento de demanda, turbinada pelo crédito farto e os sinais perigosos de inflação, o Banco Central começa a dar a impressão que vai subir os juros internos no próximo encontro do COPOM.
Ex-diretor do Banco Central, comentarista diário no portal da Intra Corretora e consultor de empresas da EBS-Consult, Emílio Garofalo Filho escreve mensalmente na InfoMoney, às terças-feiras.
emilio.garofalo@infomoney.com.br