Colunista InfoMoney: Remuneração da alta administração na crise

Discutir causas e desdobramentos de crises implica em pensar na inter-relação dos agentes da própria governança

Heloisa Bedicks

Discutir as causas e os desdobramentos de crises implica em pensar na inter-relação dos agentes da própria governança e refletir sobre a atuação de conselheiros de administração, diretores presidentes e conselheiros fiscais no gerenciamento das organizações.

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Iniciada nos EUA, relacionada à pressão no setor de crédito subprime naquele país, a crise chegou ao Brasil com a desvalorização do real frente ao dólar e atingiu empresas cujas estruturas de governança eram tidas como sólidas. Questão fundamental ao debate gerado, a remuneração da alta administração está inserida nesse contexto de reavaliações.

Apesar de, no caso dos EUA, haver uma política mais clara e transparente sobre a remuneração, o tema é amplamente discutido pelos acionistas norte-americanos por não concordarem com os valores excessivos pagos aos seus diretores presidentes, inclusive em empresas protagonistas de graves problemas na governança.

“No Brasil, o problema é falta de transparência na política de remuneração”

Num mercado formado majoritariamente por empresas com ações pulverizadas no mercado, no qual deixa de existir a “fiscalização” efetuada sobre a gestão pelo acionista controlador, observa-se a forte presença do presidente executivo, que nos EUA ainda é comum ocupar também a presidência do conselho, além de exercer forte influência no comitê de remuneração.

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Vale, neste artigo, definir as atribuições do comitê de remuneração. Compete a este órgão definir os valores de forma a alinhar interesses e minimizar o conflito de agência entre os acionistas e a gestão, dar transparência à remuneração e aos critérios de forma a alinhar os interesses de longo prazo da organização. Porém num ambiente em que o responsável será ao final o beneficiado das decisões demonstra graves falhas na independência do órgão.

Executivos de organizações protagonistas da crise desencadeada nos EUA são exemplos deste descontrole sobre a remuneração. Joseph Cassano, diretor da sucursal da AIG, em Londres, cujo ganho nos últimos oito anos atingiu US$ 280 milhões, depois de ter deixado US$ 25 bilhões de prejuízos, segundo informações veiculadas pela imprensa, exemplifica os excessos e dúvidas quanto à política de remuneração praticada. Pós-demissão, o executivo passou a ganhar ainda US$ 1 milhão por mês como consultor. Richard Fuld, diretor presidente do Lehman Brothers, soma-se ao grupo das remunerações exorbitantes: recebeu US$ 485 milhões em salário, bônus e ações, em igual período.

Os desdobramentos dessas ações chegaram a compor a agenda de debates dos então candidatos à presidência norte-americana. Ambos apresentaram em suas plataformas eleitorais propostas para legislar de forma que os acionistas pudessem se manifestar sobre a remuneração dos executivos principais e membros dos conselhos.

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Enquanto nos EUA o ponto fundamental do debate está nas somas recebidas, no Brasil, o problema reside na falta de transparência dada à política e forma de remuneração, muito em função de nosso perfil cultural e de justificativas um tanto infundadas relacionadas à segurança.

Em recente estudo desenvolvido pelo IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), constatou-se que no contexto nacional de 404 empresas listadas na bolsa, apenas 6,2% informam a remuneração da alta administração dividida por grupo, em conselho e diretoria, discriminando as proporções pagas sob forma de remuneração fixa e variável. Ao considerar as 201 empresas de maior liquidez o percentual sobe para 9%.

Com a preocupação na divulgação adotada pelas empresas, algumas organizações vêm trabalhando pelo incentivo à transparência no tratamento do tema no Brasil. O CODIM (Comitê de Orientação para Divulgação de Informações ao Mercado) está elaborando um pronunciamento de orientação sobre o tema. As propostas vão além do fixado pela Lei das SA. Já a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) pretende, entre outras questões, também se pronunciar sobre uma maior divulgação na política de remuneração.

Parte de um amplo debate, o tratamento da temática remuneração também está sendo reavaliado na revisão do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC que será divulgado ao mercado em 2009. As discussões estão caminhando para que num primeiro momento proponha-se a divisão na divulgação dos valores por grupo, conselho e diretoria, além de sinalizar a importância de o conselheiro, por exemplo, ser bem remunerado, utilizando como parâmetro o mercado, a qualificação e os riscos da atividade. O valor pago não pode ser excessivo a ponto de comprometer a independência do profissional, assim como, se houver pagamento de remuneração variável, ela deve ser atrelada a um sistema de avaliação formal, com alinhamento dos riscos, benefícios e métricas de desempenho no longo prazo.

Em estudo recente sobre remuneração de executivos e conselheiros, a Watson Wyatt propôs como solução o gerenciamento de uma forma integrada e sistêmica, em que sejam consideradas quatro dimensões-chave: os níveis de remuneração (quanto), o desenho do plano (como e por que), a governança (qual) e a divulgação da remuneração (o que).

Pode-se afirmar que um sistema de remuneração bem estruturado e com interesses alinhados entre diretoria e conselho significa viabilizar uma estrutura de governança adequada, com a possibilidade de os problemas agente-principal estarem minimizados.

A discussão toda reflete no direito dos acionistas e demais stakeholders conhecerem o valor e a política de remuneração adotada por seus administradores, viabilizando uma melhora na qualidade das informações prestadas ao revelar dados fundamentais para se avaliar a gestão, com reflexos na geração de valor da companhia.

Heloisa Bedicks é diretora executiva do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa e escreve bimestralmente na InfoMoney, às quintas-feiras.
heloisa.bedicks@infomoney.com.br