Colunista InfoMoney: Recursos globais, padrões locais?

Neste momento, cabe a cada companhia avaliar sua situação específica, corrigindo gaps em relação a seus pares globais

Arleu Anhalt

A agenda de reformas de práticas de governança corporativa está repleta e tem sido foco de um intenso embate. Enquanto investidores e reguladores pressionam por avanços, as companhias resistem sob o argumento de que as medidas implicam custos elevados e poderão colocar em risco a estrutura de poder. Algumas sustentam que já deram um salto muito grande ao aderir ao Novo Mercado e que agora é preciso desacelerar o ritmo de mudanças.

A reformulação das regras do Novo Mercado e dos demais níveis de governança da BM&F Bovespa, por exemplo, caminha para incorporar critérios bem mais rigorosos. Estão no foco do debate várias mudanças, tais como: mecanismos de aumento da transparência nas operações de compra e venda de controle; previsão de parâmetros claros sobre instrumentos que evitam perda do controle de capital – conhecidos como poison pills ou pílulas de veneno – em incorporações e operações de fusões e aquisições; obrigatoriedade de realização de oferta pública de compra de ações pelo acionista que atingir participação relevante, de 30%; aumento da proporção de conselheiros independentes e proibição de acumulação dos cargos de principal executivo (CEO) e presidente do conselho de administração pela mesma pessoa como requisitos para permanecer no Novo Mercado; disponibilização de documento detalhado dos temas a serem discutidos em assembleias; divulgação da remuneração dos administradores; obrigatoriedade de as auditorias externa e interna se reportarem ao conselho de administração.

Essas mudanças dependerão da adesão voluntária das companhias que optarem por se enquadrar nos níveis diferenciados. Em outra frente de iniciativas, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) passará em breve a exigir novos controles de risco. As alterações na Instrução 202/93, concebidas para reduzir a probabilidade de desastres financeiros com derivativos como os que recentemente abalaram grandes empresas, passarão em revista as práticas de divulgação das políticas de gerenciamento de riscos e exigirão discriminação dos investimentos e definição das responsabilidades pelas decisões nas aplicações. Um novo sistema de registro será criado para que as companhias abertas revelem sua política para gerenciamento de riscos de mercado. Tais informações deverão ser disponibilizadas aos investidores em toda emissão de ações. Outra iniciativa deverá exigir que as empresas informem os salários por órgão da administração (conselho e diretoria) e a maior e a menor remuneração individual em cada um deles, além do valor médio dos pagamentos.

“Novas iniciativas pretendem alinhar o Brasil aos padrões mais desenvolvidos”

Já o Novo Código de Boas Práticas adotado pelo IBGC (Instituto de Governança Corporativa) avançou no detalhamento de temas como eficácia dos conselhos de administração, transparência de atas e acesso às assembleias. Também incorporou como boa prática a utilização de instrumentos que facilitem o acesso dos sócios à assembleia, como webcast, transmissão on line, votação eletrônica e voto por procuração.

No conjunto, as novas iniciativas pretendem alinhar o Brasil aos padrões mais desenvolvidos do mundo. É bem verdade que as corporações brasileiras avançaram nos últimos anos. Existem muitas evidências disso, como o crescimento acelerado do número de empresas listadas nos níveis diferenciados da Bovespa, empresas de capital fechado com bons padrões de governança e o número elevado de ofertas públicas. O Brasil é também o mais avançado entre os BRICs em práticas de governança. Mas ainda há muitos sinais de atraso, a começar pelo fato de os BRICs estarem bem atrás de países europeus e dos Estados Unidos. Dois terços das companhias abertas brasileiras, entre elas grandes corporações, ainda não estão listadas em qualquer dos segmentos diferenciados de governança corporativa da Bovespa e têm praticas condenáveis e condenadas.

Aos olhos da comunidade financeira internacional, o Brasil vem melhorando de posição em termos de governança, mas precisa atentar cada vez mais ao grau de proteção aos investidores. Isso é fundamental, ainda mais agora que a oferta internacional de recursos começa a aumentar e investidores com enorme poder de fogo como o Calpers decidem direcionar suas aplicações para países emergentes. O Calpers é um dos maiores impulsionadores do ativismo em defesa de interesses dos investidores e só aplica recursos em empresas que cumpram um rigoroso check list de práticas de governança.

Além disso, os fundos de pensão brasileiros foram autorizados a ampliar substancialmente suas aplicações em ações. Companhias com controles deficientes ou que não tenham compromisso com a transparência estão fora de cogitação da massa de investidores que emerge da crise financeira ainda mais sensível a riscos de gestão.

Neste momento, mais do que nunca, cabe a cada companhia avaliar sua situação específica. As que tiverem gaps em relação a seus pares globais certamente enfrentarão limitações importantes de acesso a recursos financeiros e, portanto, ao crescimento. Assim como os recursos são cada vez mais globais, as cobranças seguem os padrões globais.

Arleu Anhalt é presidente da FIRB, ex-presidente executivo do IBRI e escreve bimestralmente na InfoMoney, às quintas-feiras.
arleu.anhalt@infomoney.com.br