Bastidor do fan token fracassado da Seleção tem sobrinho de Blatter, crise na Turquia e US$ 15 mi para a CBF

Dono da agência de marketing esportivo Infront, Philippe Blatter é investigado pelo Cade por formação de cartel para transmissão de futebol

Lucas Gabriel Marins

Philippe Blatter (Divulgação/Infront)

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As negociações entre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a exchange turca Bitci para a emissão do fan token da entidade, o Brazil National Football Team Fan Token (BFT), foram intermediadas pela Infront, agência global de marketing esportivo presidida por Philippe Blatter, sobrinho do ex-presidente da FIFA, Joseph Blatter.

A informação foi confirmada pela CBF e por Mahmut Sokun, sócio da agência de marketing turca PAS, parceira da Infront e da própria Bitci.

O BFT foi lançado em meados de 2021 em clima de festa. Em 20 minutos, todas as unidades foram vendidas, gerando um caixa de R$ 90 milhões para a empresa emissora e para a CBF. O projeto, no entanto, não vingou. O token caiu mais de 90% desde novembro do ano passado e nunca ofereceu utilidade alguma para os investidores.

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A Bitci e a Infront foram contatadas pela reportagem, mas não responderam até a publicação deste texto. Desde 2015, a Infront faz parte do Dalian Wanda Group, um dos principais conglomerados chineses do setor cultural e de entretenimento.

No ano passado, o negócio virou alvo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ao lado de outras sete empresas em um inquérito para apurar uma suposta formação de cartel para transmissão de futebol na TV.

Bastidores na Turquia

As negociações entre Bitci, CBF, Infront e PAS começaram no início de 2021. Naquele ano, o mercado de fan tokens estava aquecido: as vendas alcançaram US$ 1,1 bilhão em dezembro, uma alta de 29.000% em relação ao mesmo mês de 2020, segundo a plataforma de dados CryptoSlam.

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Além da CBF, os clubes brasileiros Coritiba, Vitória, Fortaleza, Ceará, Botafogo e Sport também fecharam parceria com a corretora turca. Os contratos, de três anos, previam que, em troca da emissão dos ativos digitais, a confederação e os clubes estampariam o logotipo da empresa no site, no backdrop da sala de coletivas de imprensa e em outros locais.

“A empresa Bitci cumpriu todos os pagamentos no primeiro ano, e mais 40% [do valor vendido de fan token] adiantado, mas no segundo ano a empresa teve dificuldade para levar o dinheiro da Turquia para o estrangeiro. A própria CBF chegou a receber US$ 15 milhões”, disse Sokun ao InfoMoney. A CBF não confirmou o recebimento do valor.

Entre 2021 e 2022, a Turquia se viu imersa em uma crise financeira sofrida. Em dezembro de 2021, a lira turca despencou e chegou a uma cotação de 18 em relação ao dólar. Em julho do ano passado, a taxa de inflação do país bateu 79%, a maior em 24 anos.

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No mesmo período, o mercado cripto entrou em um “inverno” (queda de preços) rigoroso, que resultou na quebra de diversos players importantes no mercado, como a exchange FTX, o projeto Terra (LUNA) e o fundo de hedge cripto Three Arrows Capital.

Além da crise na Turquia, Sokun disse que outro motivo para os projetos de fan tokens não terem dado certo no país foi a falta de utilidade. Um fan token, por “natureza”, oferece aos detentores benefícios, como acessos exclusivos ou a possibilidade de participar de enquetes.

“A utilidade do token não correspondeu ao negócio em potencial. O uso de criptomoedas no país também era muito baixo, e as pessoas tinham muita pouca informação”, falou.

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Falha no Brasil

A Bitci foi fundada em 2018 em Bodrum, uma cidade litorânea da Turquia com ares de Balneário Camboriú (SC). Faz parte da Cagdas Holding, uma conhecida holding turca fundada em 1987 que atua em diversos segmentos, que vão da comunicação à engenharia civil.

No começo de 2022, depois de fechar parceria com a CBF e os clubes brasileiros, a empresa anunciou que iria aumentar a presença no Brasil. Uma equipe local foi fundada, e o empresário brasileiro Alessandro Valente, conhecido no ramo de apostas, foi anunciado como presidente da Bitci Brasil.

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Uma equipe com 20 pessoas, de áreas como marketing, design e atendimento, foi montada por aqui. A expansão, no entanto, não deu certo, segundo Valente.

“Eu assumi o controle da empresa brasileira, aquela que deveria dar suporte operacional aos contratos firmados pela empresa turca, mas não tive respaldo, apoio ou assistência da equipe global. Por isso, tomei a decisão de deixar o projeto”, disse ao InfoMoney.

Valente falou que todos os contratos com o clube foram fechados pela Bitci global, não pela equipe local. “Não fizemos nenhum contrato com qualquer clube ou federação, todos os acordos foram firmados entre clube ou federação e a Bitci Teknoloji AŞ [da Turquia]”.

Tanto a CBF como os times nacionais cancelaram a parceria com a Bitci por falta de pagamento. A entidade máxima do futebol brasileiro, por exemplo, protocolou um procedimento arbitral contra a Bitci no Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), uma espécie de câmara de mediação que busca solucionar controvérsias entre duas partes.

O futuro dos fan tokens emitidos e a propriedade sobre elas, no entanto, ainda é incerto, visto que, nos contratos firmados com os clubes e a CBF, a Bitci tem direito de guardar os ativos em sua plataforma. Os fan tokens do Ceará, Coritiba, Fortaleza e o BFT ainda podem ser negociados no site da exchange turca. Já os de Vitória, Botafogo e Sport nunca chegaram a ser lançados.

Lucas Gabriel Marins

Jornalista colaborador do InfoMoney