Se a reforma tributária exterminar os juros sobre capital próprio (JCP), como vem sendo noticiado, o banco ABC Brasil (ABCB4) entraria no olho do furacão – pelo menos na visão do mercado. A instituição nunca pagou dividendos em toda a sua trajetória na Bolsa – desde 2008, só remunera os acionistas com JCP.
Nesse período, o banco usufruiu dos benefícios tributários, muito comum entre os bancos, proporcionados pelos juros sobre o capital, já que eles permitem às empresas abater o valor distribuído da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), com alíquota de 25%, e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), com alíquotas de 9% a 15%.
O fim do JCP deve afetar os ganhos das companhias que fazem mais uso deste instrumento. No caso do ABC Brasil, os analistas do JPMorgan calculam que o lucro cairia 17,6%.
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O que soa preocupante para agentes de mercado e investidores não parece estar tirando o sono da direção do ABC, mais interessada em aumentar a rentabilidade do banco para neutralizar os efeitos da reforma tributária.
Em entrevista ao InfoMoney, Ricardo Moura, diretor de relações com investidores do ABC Brasil, e Sergio Borejo, diretor vice-presidente administrativo do banco, destacam que esperam que o impacto seja quase zero.
A primeira razão, na visão dos executivos, é que o fim do JCP deve vir acompanhado de uma redução na carga tributária das empresas, mitigando os efeitos da medida. “Se não houver essa contrapartida, o custo das operações do mercado aumentaria e seria repassado. Acho que quem está envolvido nessas discussões está ciente disso, que não é o desejado por ninguém. Por isso, acreditamos que teremos uma redução nos outros impostos corporativos”, defende Borejo.
Moura destaca também que um possível fim do JCP seria aplicado apenas em 2024, o que permitiria ao banco ter mais tempo para aumentar a rentabilidade. No segundo trimestre por exemplo, o retorno sobre patrimônio anualizado (ROAE) foi de 15,1%. Já houve trimestres em que o indicador chegou a 16% ou 17%, lembra Moura, enfatizando que o cenário atual é melhor que o da pandemia – quando o ROAE atingiu 13%.
“Com esse aumento de rentabilidade, a contribuição que os juros sobre capital próprio trariam para o resultado do ABC seria proporcionalmente menor. Então conforme a gente aumenta a rentabilidade do banco, o impacto do JCP cairia ao longo do tempo”, afirma Moura.
O diretor de relações com investidores do banco destaca também que o impacto não seria exclusivo ao ABC e, sim, afetaria outros pares do segmento bancário. “Isso colocaria a indústria em um pé de igualdade”, pontua.
Turbinar o retorno sobre patrimônio líquido para que este tenha um crescimento acelerado demandaria alguns fatores, segundo Moura, como a diversificação dos negócios e o aumento da base de clientes, principalmente no segmento middle – empresas com faturamento anual entre 30 e 300 milhões.
Além disso, o ABC está de olho na exploração de novos canais de distribuição de produtos e serviços, seja pela própria força comercial ou nos balcões de terceiros, como já ocorre com a oferta de seguros. Estas estratégias, segundo o executivo, acabariam amenizando os efeitos do fim do JCP e evitariam também um repasse de custos para algumas linhas de crédito, embora ele destaque que o encarecimento de preços vai depender muito da situação e condições do mercado e do tipo de linha de crédito.
Qual será o substituto do JCP?
Questionado pelo InfoMoney sobre qual instrumento de remuneração o ABC Brasil utilizaria diante do possível fim do JCP, os executivos apontaram que o formato mais provável seria o pagamento de dividendos.
A instituição, no entanto, não prevê a princípio uma mudança do payout (parcela do lucro destinada a proventos) estabelecido no estatuto, de 25% no mínimo, e nem mais usual no ABC, de 40%. Também não existem planos iniciais de uma antecipação de dividendos.
“Ainda não pensamos nisso, mas os lucros acumulados já foram tributados em 45%. Então, antecipação de proventos não parece ser o caminho, até porque precisamos de capital”, afirma Borejo.
Moura reforça que entre a opção de aumentar o payout atual ou ter oportunidades de crescimento, o ABC prefere a segunda alternativa. “Acreditamos que hoje temos um balanço interessante. Do resultado, distribuímos mais ou menos 40% ao acionista em proventos e o resto utilizamos para crescimento do banco”, explica.
O diretor de RI lembra ainda que o ABC está focado em turbinar as iniciativas existentes e desenvolver novas avenidas de crescimento. “Temos nisso a corretora de seguros, operadora de crédito, entrada em novos segmentos de clientes e outras ideias para fazer o banco crescer”.
Moura projeta ainda que a frequência de pagamento de proventos deve continuar sendo semestral. “A ideia é continuar com isso, a não ser que haja alguma mudança regulatória”, disse.
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Recapitalização como aliada
O banco pagava JCP trimestralmente no passado, mas mudou recentemente a frequência para dois pagamentos ao ano por um ajuste operacional para retomar uma prática antiga de recapitalização de juros sobre capital próprio. Esta estratégia tem o objetivo de aumentar o capital do banco e prepará-lo para uma jornada de crescimento.
Semelhante a uma oferta de novas ações, os acionistas que recebem JCP do ABC têm a opção de usar estes proventos para adquirir novos papéis da companhia, uma espécie de reinvestimento no capital do banco. Caso não desejem fazer o reinvestimento, os investidores sofrem uma leve diluição. “Mas geralmente a adesão a este tipo de aumento é acima de 90%”, pontua Moura.
A prática foi muito utilizada pelo ABC Brasil de 2012 até 2018, e retomada em 2020. Sem realizá-lo em 2021 e 2022, o programa ressurgiu neste ano, relacionado aos proventos já anunciados do primeiro semestre.
“Nós estamos fazendo isso para manter a nossa estratégia de crescimento no segmento middle e corporate. Essa estratégia de crescimento segue independente do primeiro semestre ter sido menor do que esperávamos”, aponta o diretor vice-presidente administrativo.
O ABC Brasil tinha um crescimento estimado para a carteira de crédito expandida total de 12% a 16% neste ano, projeção que foi cortada para um crescimento de 4% a 8% em 2023. Já para o crescimento da carteira de crédito expandida do segmento middle, a queda foi de uma projeção de 35% a 45% para 5% a 15%.
Moura justifica que as reduções ocorreram porque o banco teve um primeiro semestre praticamente estável, e agora conta com apenas um semestre para buscar um crescimento maior.
“Para a gente crescer agora, vamos ter que fazer isso na metade do tempo. Mas vemos um movimento de recuperação no segundo semestre e justamente por isso recapitalizamos os juros sobre capital próprio”, defende.
O executivo está otimista com a segunda metade do ano, que deve beneficiar principalmente o segmento middle com spreads (custo de crédito) maiores. Segundo Moura, historicamente o segundo semestre é mais dinâmico porque possui mais dias úteis, o que se soma ao novo ciclo de corte de juros.