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Argentina: crise, inflação, peso desvalorizado e a bolsa que mais sobe no mundo; o que está acontecendo?

Eleições e inflação estimulam a valorização dos ativos, mas cenário no país é de incerteza

Ana Paula Ribeiro

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A expectativa em torno das próximas eleições e as – fortes – variações do câmbio fazem com que o índice de ações da Bolsa argentina, o Merval, acumule ganhos de mais de 100% apenas nesse ano.

Se você achou que o desempenho em moeda local se deve apenas à desvalorização do peso, enganou-se. Mesmo considerando a performance em dólar, a alta é expressiva: 43% em 2023, até esta segunda-feira (19), a maior entre os principais índices de ações mundo.

Entre as bolsas do continente americano, o Merval é seguido pelo Nasdaq, índice dos Estados Unidos que reúne principalmente ações do setor de tecnologia, que sobe perto de 31% no ano. No restante do mundo, o único índice que se aproxima do argentino é o FTSE/Athex Large Cap, da bolsa grega, que sobe pouco mais de 39%, segundo dados da plataforma Eikon.

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O Ibovespa, na mesma comparação, em dólar, avança um pouco menos de 20% em 2023.

O Merval é composto por 23 ações, sendo que as principais são da petrolífera YPF, da Pampa Energia, da Mirgor e da Loma Negra. O setor financeiro, com BBVA e Galícia, também tem um peso importante.

O desempenho do índice, no entanto, não significa seja boa ideia tentar surfar a onda dos “hermanos”, que enfrentam uma série de problemas econômicos e uma inflação descontrolada.

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O país tem uma inflação que está em 114% quando anualizada. Para tentar conter essa escalada, o Banco Central da Argentina elevou os juros para 97% ao ano. Além disso, a insegurança e falta de reservas pressiona a cotação do dólar. E são vários os preços para a moeda americana: tem a cotação oficial, o dólar blue, o dólar turismo, o dólar tarjeta, entre outros.

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Com tantos desafios, qual o motivo que leva os investidores a apostarem nas empresas argentinas?

“O Merval sobe com a expectativa de que nas próximas eleições tenha fim o ‘kirchnerismo’. Mas também, após as eleições, dado a situação de desastre econômico que o próximo governo irá receber, o Merval não deve continuar subindo”, avalia Bernardo Mariano, sócio da empresa de pesquisas ERDesk.

O “kirchnerismo” está ligado ao falecido Néstor Kirchner, presidente da Argentina de 2003 a 2007, e de sua esposa, Cristina Fernández de Kirchner, presidente entre 2007 a 2015 e atual vice-presidente do país. É também considerado uma das correntes do peronismo, que defende uma política de maior proteção social.

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Efeito da inflação

Mariano explica que parte dessa alta está relacionada ao processo inflacionário do país, que corrige o preço das receitas, mas que o principal motivador é a expectativa em relação aos rumos da Argentina.

O primeiro turno das eleições presidenciais na Argentina ocorre em 22 de outubro e o segundo turno será no dia 19 de novembro. O atual presidente, Alberto Fernández, afirmou que não tentará a reeleição. Pela União pela Pátria, que o elegeu em 2019, há uma disputa entre os pré-candidatos peronistas, mas a expectativa é de que Cristina Kirchner não concorra.

Para o economista argentino Martin Tetaz, as incertezas políticas e a situação econômica do país fazem com que os investidores busquem cada vez mais a dolarização dos seus ativos. Essa dolarização já dura décadas e se acentua em momentos de crise, com o atual.

“Há uma intenção de dolarizar os pesos ao máximo e um dos canais é buscar ativos que podem ter o valor protegido. O câmbio para as empresas reguladas [listadas na Bolsa] é bastante atrativo. E também é um ano eleitoral, isso já aconteceu antes, em 2015”, explica.

Esses dois fatores fazem com que a alta do Merval seja puxada pelas empresas de serviços públicos e do setor de energia – as desse último grupo já vêm em um processo de alta desde o ano passado, com o aumento do preço das commodities do setor.

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Preços descontados

O que também levou os investidores de risco para a bolsa argentina é o fato de os valores das empresas estarem com um preço abaixo dos pares – ou seja, um valuation favorável.

“Tecnicamente, os preços estão muito baratos, então os investidores acreditam que o resultado eleitoral possa ser benéfico para as posições que estão comprando”, diz Tetaz.

Esse otimismo está baseado na falta de unanimidade em torno de um nome da situação, que cria a expectativa de que um candidato de oposição poderá ganhar as eleições do segundo semestre.

Os principais partidos oposicionistas devem se juntar ao Junto pela Mudança e ao Proposta pela Mudança, do ex-presidente Maurício Macri, para disputar as eleições.

Há ainda a expectativa em relação à candidatura de Javier Milei, da Libertad Avanza, de extrema-direita.

No entanto, tanto a frente de oposição como Milei conseguiram resultados tímidos nas eleições regionais, o que ainda mostra a força do peronismo na Argentina.

Ana Paula Ribeiro

Jornalista colaboradora do InfoMoney