Antecipação de dividendos? O que dita “corrida” e quais empresas podem distribuir antes da reforma

Analistas comentam possível distribuição de proventos em massa em 2023 e outras estratégias que devem surgir antes de novo imposto sobre dividendos

Katherine Rivas

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Com a possibilidade de a tributação de dividendos e a extinção dos juros sobre capital próprio entrarem na pauta política a partir de agosto com a segunda fase da reforma tributária, um debate volta a ganhar força no mercado de capitais: as empresas vão antecipar dividendos? E, se sim, o movimento será tão forte quanto o de 2021?

Se a taxação de dividendos for aprovada ainda no segundo semestre, fazendo-a entrar em vigor em 2024, a corrida das empresas para antecipar dividendos pode ser inevitável, avaliam analistas.

“Os sócios majoritários, que tomam as decisões nas empresas, vão preferir ter seus dividendos não tributados, fazendo a empresa distribuir antes. E os investidores minoritários também terão este benefício”, pontua Fabio Sobreira, analista da Harami Research.

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Em junho, o BTG Pactual revelou em relatório que cerca de 120 companhias sob cobertura dos analistas do banco poderiam distribuir R$ 508 milhões em dividendos extraordinários. A análise levou em conta os lucros retidos das empresas.

Para o investidor, a antecipação de proventos neste ano não seria nada ruim, desde que não haja sacrifício de investimentos futuros ou maior endividamento, avalia o analista independente Ricardo Schweitzer. “Cabe aos investidores ter a consciência de que os níveis de payout (parcela do lucro líquido destinada a proventos) que provavelmente veremos não devem ser esperados indefinidamente”, destaca.

Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, no entanto, uma possível corrida de empresas para remunerar acionistas depende ainda de diversos fatores.

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O que fará empresas anteciparem ou não?

1. Momento diferente

“Há dois anos, a antecipação de dividendos foi oriunda de uma forte geração de caixa porque as empresas estavam muito bem”, lembra João Daronco, analista da Suno Research. “Foi ano de recorde no preço do minério de ferro, alta no preço do petróleo”, aponta, reforçando que companhias exportadoras não tinham onde investir esses recursos e, por isso, estavam distribuindo proventos.

O analista afirma que 2023 está se caracterizando por uma arrefecida no preço do petróleo e o minério de ferro ainda em patamares baixos – apesar das altas recentes da commodity –, o que faz com que algumas companhias gerem menos caixa e tenham menos recursos disponíveis para distribuir ou antecipar. “Não adianta uma empresa querer pagar dividendos, se ao distribuir pode prejudicar a estrutura financeira dela”, destaca.

2. Recompra de ações

Diante de um cenário de menor bonança que em 2021, algumas empresas podem enxergar cenário atrativo para recompras de ações, destinando caixa para turbinar seus papéis no lugar de antecipar dividendos — principalmente levando em conta o desconto dos papéis na Bolsa.

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“A recompra acaba sendo um dividendo indireto, porque a empresa diminui o número de ações em circulação, o lucro por ação aumenta e em consequência o dividendo por ação é maior”, explica Guilherme Tiglia, sócio da Nord Research.

3. Clareza do texto

Luiz Rosa e Carlos Pacheco, advogados tributaristas do Machado Meyer Advogados, explicam que a clareza quanto à tributação de lucros acumulados pelas empresas é crucial para entender o caminho que as companhias tomarão.

“Caso o novo projeto utilize uma redação clara e não ambígua, trazendo mais segurança jurídica, é possível que as empresas não vejam a necessidade de acelerar a distribuição de dividendos”, afirmam.

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Por outro lado, advertem que a instituição da tributação de lucros acumulados incentivaria uma corrida nas distribuições.

Quais empresas podem antecipar dividendos?

Para Daronco, da Suno, empresas exportadoras com muito caixa podem acabar antecipando proventos, entre elas as de setores como siderurgia, mineração, celulose e frigoríficos.

Na lista de companhias, Daronco cita Ferbasa (FESA4) e Klabin (KLBN4). Contudo, também há exceções, como é o caso da Taurus (TASA4), que exporta armas. Segundo o analista, a empresa passa por um momento desafiador e pode acabar utilizando lucros e reservas acumuladas para melhorar a sua estrutura de capital.

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De acordo com levantamento do BTG Pactual, setores como papel e celulose, petróleo e mineração teriam capacidade de entregar um rendimento médio em proventos superior a 20%.

As principais exportadoras que anteciparam proventos em 2021 podem não seguir o mesmo caminho na nova corrida por proventos.

No caso da Petrobras (PETR4), Daronco sinaliza que a companhia pode não acabar antecipando a remuneração dos acionistas por conta do perfil da sua nova gestão e a governança da companhia, que não é muito favorável a dividendos elevados.

Contudo, essa visão divide os agentes de mercado. Sergio Biz, analista focado em dividendos e sócio do GuiaInvest, acredita que a Petrobras faria sim as antecipações, porque, embora pague menos dividendos do que no passado, ainda tem espaço para distribuir mais proventos em 2023.

Para a Vale, o cenário ainda é um pouco dúbio. “O preço do minério está muito baixo, não sei se seria o momento ideal para despejar caixa com proventos”, aponta Daronco. A companhia poderia estar mais inclinada a fazer recompras de ações.

Outras que teriam boa probabilidade de acelerar o pagamento de proventos seriam as empresas familiares ou aquelas que têm dependentes dos seus dividendos, entre estas Grendene (GRND3), Itaúsa (ITSA4), Itaú (ITUB4), Klabin e até a própria Ferbasa. “Tem uma fundação [a Fundação José Carvalho] que vive dos dividendos da Ferbasa”, lembra Daronco.

A tributação dos dividendos, teria como efeito secundário um possível fim dos juros sobre capital próprio (JCP), com impacto em setores que costumam utilizar com frequência este instrumento de remuneração.

Gabriel Duarte, analista de ações da Ticker Research, cita os grandes bancos, como Bradesco (BBDC4), Itaú (ITUB4), Banco do Brasil (BBAS3) e Santander (SANB11) como candidatos a fazer antecipações, com destaque para os dois primeiros, que pagam JCP mensais.

Daronco reforça que bancos médios, como Banrisul, ABC Brasil e todos aqueles que tenham carteiras de crédito, também seriam impactados. Vale lembrar que o banco ABC (ABCB4) remunera seus acionistas apenas com JCP desde 2008.

Ainda no segmento financeiro, seguradoras como Caixa Seguridade (CXSE3) e BB Seguridade (BBSE3) também podem acabar antecipando proventos, embora elas não distribuam exclusivamente JCPs.

Biz destaca que as companhias vão gerar um caixa interessante, mesmo com os juros se aproximando do ciclo de queda. “Devem lucrar bastante em 2023, o que permitiria que antecipem proventos com facilidade”, comenta.

Além do banco ABC, companhias que só pagaram JCP nos últimos cinco anos podem ser candidatas a antecipar proventos. Integram o leque: Hypera (HYPE3), BTG (BPAC11), Sabesp (SBSP3), Multiplan (MULT3), Dimed (PNVL3), M. Dias Branco (MDIA3) e Dasa (DASA3).

Dentro dos setores de indústria, consumo cíclico e alimentos, os analistas destacam companhias que são conhecidas por ter muito caixa. “Toda empresa que tiver um financiamento de capital próprio grande vai acabar antecipando e mudando essa condição. O problema é que se precisar de caixa depois vai ter que recorrer a capital de terceiros”, explica Fábio Sobreira.

Para o analista da Harami Research, empresas como Ambev (ABEV3), Weg (WEGE3) e Grendene (GRND3) seriam potenciais candidatas.

Biz, do GuiaInvest, cita também a Metal Leve (LEVE3), que, mesmo distribuindo recursos de forma antecipada, possui, na sua avaliação, um baixo endividamento e uma sólida estrutura de capital.

Fora estes segmentos, o BTG também enxerga oportunidades em empresas de serviço público e construção, que poderiam ter um rendimento médio em dividendos acima de 20%.

É o fim da renda passiva?

Tiglia, da Nord, esclarece que a distribuição de dividendos deverá perder um pouco de força com a nova tributação, mas as estratégias de renda e das boas pagadoras de dividendos não deverão perder toda sua atratividade.

Ele relembra que a taxação não é exclusiva do Brasil — nos Estados Unidos, por exemplo, os proventos têm tributos de 30% — e que os dividendos já foram tributados no Brasil, antes de 1988 e durante 1994 e 1995, com alíquotas de 15%.

Nesse cenário, empresas podem optar por fazer recompras de ações, ampliar investimentos ou até fazer ofertas subsequentes.

Para Duarte, da Ticker, dividendos e recompras vão coexistir, assim como em outros países onde existe a tributação. “Mas as empresas passaram a remunerar via recompra de ações com maior frequência em detrimento ao pagamento de dividendos”, pontua.

A recompra foi eleita pelos analistas consultados como o formato de remuneração que mais teria aderência no Brasil com a tributação dos dividendos.

Quando o mercado perceber que a tributação está próxima de ser aprovada, analistas projetam uma corrida dos investidores para comprar ações e garantir os dividendos, o que pode impulsionar o preço dos papéis.

Segundo Tiglia, investidores que agirem rápido, se posicionando antes, vão se beneficiar tanto da distribuição massiva de dividendos quanto da valorização futura das ações.

Katherine Rivas

Repórter de investimentos no InfoMoney, acompanha ETFs, BDRs, dividendos e previdência privada.