Análise técnica tem poder preditivo? Economistas testam com algoritmos

Dissertação de mestrado eleva o status do instrumental de "arte de analisar gráficos" para estudo estatisticamente comprovado

Rafael Souza Ribeiro

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SÃO PAULO – Com praticamente 110 anos de vida, a análise gráfica, fundamentada por Charles Henry Dow no início do século passado, ainda é permeada por um certo ocultismo em função de padrões gráficos com nomes pitorescos, como Ombro-Cabeça-Ombro ou as famosas Bandeiras e Flâmulas, o que dá o status de arte ao instrumental.

A ideia de que os preços se movem em função do rompimento dessas figuras ou pelo cruzamento de indicadores técnicos não é consenso no mercado global, gerando uma discussão tão grande, que a questão passou a ganhar espaço dentro do mundo acadêmico nos últimos anos.

Nos Estados Unidos, trabalhos como de Lawrence Edward Blume e de Ryan Sullivan ganharam fama por testarem a eficiência de indicadores técnicos em operações no mercado local, abrindo espaço para o tratamento científico da análise técnica. Por aqui, os trabalhos sobre o tema estão em fase de amadurecimento.

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A dissertação “Análise Técnica – Sorte ou Realidade?” elaborada por Pedro Saffi em 2003 foi o estopim dos estudos, que ganharam novo escopo com o trabalho de Pedro Gabriel Boainain e Pedro Valls Pereira, ao testarem a lucratividade de estratégias de investimento baseadas na identificação de O-C-O’s e O-C-O-I’s no mercado de ações brasileiro.

Mais recentemente, Ricardo Baptista e Pedro Valls Pereira verificaram a robustez do conteúdo preditivo de regras de análise técnica utilizando as oscilações intradiárias do Ibovespa Futuro e obtiveram resultados estatisticamente significativos. Neste ano, Daniel Guedine Serafini e seu orientador Pedro Valls Pereira também revolucionaram. Desta vez, o poder de previsão da análise técnica foi testada através de algoritmos, dissertação que será o foco deste artigo.

Estruturando a hipótese
O título do trabalho, “Sistemas técnicos de trading no mercado de ações brasileiro: testando a hipótese de eficiência de mercado em sua forma fraca e avaliando se a análise técnica agrega valor”, já deixa claro o objetivo dos economistas: verificar se as séries históricas possuem algum poder preditivo.

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Para isso, foi testada a hipótese de eficiência de mercado de Eugene Fama, que, basicamente, postula que nenhuma técnica seria capaz de encontrar ativos subvalorizados ou sobrevalorizados. Especificamente, o alvo da análise será a hipótese de eficiência de mercado em sua forma fraca.

De acordo com a teoria, os preços das ações descontam todas as informações do mercado instantaneamente, ou seja, os ativos possuem um comportamento totalmente aleatório e a correlação entre preços passados, correntes e futuros é nula. Deste modo, testar a hipótese de eficiência de mercado em sua forma fraca “é o mesmo que validar se a análise técnica agrega ou não valor”, explica Serafini sobre o objetivo do trabalho.

O diferencial
Diferentemente de outros trabalhos, os pontos de compra e de venda das operações realizadas nas simulações foram previamente estipulados, em miúdos, foram utilizados profit target e stop loss. Outro aspecto diferente foi a utilização de stop móvel de ganho e de perda, ou seja, os objetivos da operação eram atualizados conforme o movimento diário do preço.

Para arcar com todo este instrumental, os economistas utilizaram quatro sistemas de algoritmos. “Avaliamos sistemas mais complexos, onde a compra e/ou venda se dá não apenas devido a um padrão gráfico, mas também necessita ser confirmada por um ou mais indicadores”, destaca Serafini, metodologia que proporcionou mais realismo às simulações.

Foram coletados dados diários entre janeiro de 1999 e março de 2009 dos 36 ativos mais líquidos listados na BM&F Bovespa no período mais o Ibovespa, totalizando 2.641 dias úteis em cada série, todas ajustadas por proventos.

Foi considerado um custo fixo de 0,15% do montante total por cada operação e o efeito slippage cost, que é a diferença entre o preço em que a ordem é colocada e o preço em que é efetivamente executada, uma vez que as ordens foram baseadas nos preços de fechamento.

Grande desafio do trabalho
Além de formular sistemas semelhantes ao cotidiano de um trader, outro desafio do trabalho foi conferir validade estatística ao resultado, uma vez que modelos de previsão de retornos baseados em séries temporais são passíveis do “acaso”, ao não demonstrar uma boa relação de previsibilidade como o suposto resultado. “Possivelmente sempre haverá um modelo de previsão que parecerá bom, mas, que de fato, não é”.

Dentro dos modelos estatísticos, este problema de previsibilidade, muito comum quando se executa testes empíricos utilizando o instrumental de análise técnica, é conhecido como data snooping.

Para resolver este impasse, os economistas utilizaram o método bootstrap, uma técnica derivada das simulações de Monte Carlo* que permite controlar o efeito de data snooping, permitindo a realização de testes estatisticamente mais confiáveis.

Testando a hipótese
Estruturados os quatro sistemas (ver páginas 28 a 38 do trabalho), cada um com um nível de exposição ao risco diferente (forma agressiva e conservadora), já que cada investidor detém sua curva de risco, chegou-se ao total de oito algoritmos.

Assim, foram comparados os retornos obtidos pelos sistemas simulados as séries originais (como operações a mercado de um investidor comum) com aqueles resultados alcançados pelos sistemas aplicados as séries artificiais (geradas via bootstrap), que, neste caso, não possuem qualquer previsibilidade.

“Caso os retornos obtidos das séries originais superarem os retornos das séries artificiais, teremos uma evidência de que as séries financeiras possuem certa previsibilidade intertemporal e não se comportam aleatoriamente”. Ou seja, se as séries originais apresentarem resultados superiores, pode-se afirmar que a análise técnica detém poder preditivo, pois a hipótese de mercado eficiente na sua forma fraca será rejeitada.

Conclusão
Utilizando um intervalo de confiança** de 95% para a simulação das séries artificiais (bootstrap), os economistas comparam o retorno médio dos oito algoritmos em trades ao mercado (séries originais) e o percentual de simulações bootstrap cujos retornos superaram os retornos das séries originais.

Fonte: Daniel Guedine Serafini, “Sistemas técnicos de trading no mercado de ações brasileiro”.

Em média, 25% das séries simuladas superam os retornos obtidos pelas séries originais, um número alto frente ao requerido pelo intervalo de confiança (5%). O melhor resultado, como revelado pela tabela, foi 17,6% para o sistema 3a.

Portanto, não podemos afirmar com base nestes parâmetros que a análise técnica é capaz de gerar estratégias de investimento lucrativas dentro de um nível de significância de 95%, de modo que não foi possível demonstrar empiricamente que os sistemas possuem poder de previsibilidade futura observando-se, apenas, o histórico das ações.

A análise técnica tem seu valor!
Apesar da conclusão desanimadora ao primeiro olhar, a análise técnica mostrou-se eficaz em certo ponto. Os sistemas 2a e 2b, por exemplo, apresentaram retorno de 225,1% e 105%, respectivamente, percentual considerável para uma carteira de ações.

Outra questão importante destaca por Daniel Guedine Serafini e Pedro Valls Pereira é o volume das séries, uma vez que a BM&F Bovespa começou apresentar negócios mais expressivos a partir de 2004, fato que pode distorcer o resultado, afirmam.

Além disso, os sistemas apresentaram resultados extremos positivos bastante superiores aos resultados extremos negativos, ou seja, o lucro máximo alcançado pelas estratégias foi bem maior em relação ao prejuízo máximo.

“Isso não nos surpreende, já que ao utilizarem stop loss, os sistemas limitam as perdas, mas não os ganhos”, apontam, apresentando o resultado empírico positivo de um controle de risco adequado ao entrar em qualquer operação.

*Modelo de simulação que utiliza a geração de números aleatórios para avaliar o desempenho de uma variável em razão do comportamento da amostra
** Probabilidade de um evento ocorrer