“Ainda não sentimos o peso da alta de juros nos EUA”, diz Rogério Xavier, da SPX, que não vê grandes oportunidades em ações

Gestor destacou que atualmente o viés da SPX está muito mais na ponta vendedora do que na compradora

Carla Carvalho

Rogério Xavier, gestor da SPX, em evento do Credit Suisse (Crédito: Fotoka/Divulgação)

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O sócio-fundador da SPX Capital, Rogério Xavier, afirmou nesta terça-feira (1) que os efeitos sobre os mercados da mudança na política monetária dos Estados Unidos – onde o banco central (Federal Reserve) indica que um ciclo de aumento de juros deve começar a partir de março deste ano – estão só começando. O peso da mudança, disse, ainda não é sentido de fato.

Xavier participou de um painel sobre transformações e perspectivas para a economia e os mercados financeiros durante a Conferência de Investimentos da América Latina de 2022, promovida pelo Credit Suisse. Junto com ele estiveram Enio Shinohara, head de Funds Solutions & Business Development do banco, e Luis Stuhlberger, CIO e CEO da Verde Asset Management.

Para Shinohara, 2022 também será um ano desafiador e de transformações importantes, com o início da normalização da política monetária nos EUA e nos demais países. Por aqui, o nervosismo das eleições e a continuação da briga entre o Banco Central e a inflação devem manter incertezas em alta nos mercados.

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Por outro lado, Xavier afirmou que o que vemos hoje nas economias desenvolvidas não é novidade. Na opinião do sócio da SPX, os bancos centrais dessas economias estavam com uma postura, de certa forma, duvidosa em relação à inflação. “Havia uma perspectiva de transitoriedade da inflação em 2021, pois o mercado achava que ela teria uma alta acentuada e depois cairia. Isso aconteceu não só aqui, mas no mundo todo”, observa.

No entanto, o que ocorreu nas economias emergentes foi que essa inflação se mostrou alta e persistente. Para Xavier, o que aconteceu nos emergentes era um prenúncio do que aconteceria nas economias desenvolvidas. Por isso, os bancos centrais precisaram reagir em algum momento.

“O que há de diferente entre as economias emergentes e as desenvolvidas é que as últimas desejaram ter a inflação mais alta. Basta lembrar dos dois targets que o Fed [banco central dos Estados Unidos] adotou na sua política monetária: inflação e taxa de desemprego. E disse que só mexeria na politica monetária quando ambos os targets fossem atingidos”, analisa Xavier.

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Para o gestor, já era esperado que a taxa de desemprego alcançasse o alvo do Fed em 2022. “Provavelmente, a política do Fed será seguida também pelo Banco Central Europeu. Ou seja, não há muita novidade em relação ao cenário, pois a persistência da inflação levaria a essas mudanças por parte dos bancos centrais”.

Alta dos juros nos EUA

Xavier destacou que a alta dos juros americanos ainda nem começou. “Ainda não estamos sentindo o peso dessa mudança. Ao nosso ver, os mercados ainda trabalham com taxas ainda muito modestas”, avalia.

Para Luis Stuhlberger, até agora os EUA anteciparam a alta dos juros. No entanto, o juro terminal não mudou. “Olhando para o que o mercado nos diz hoje, possivelmente os EUA terminem 2023 com juro próximo a 1,5%. Já em 2024 pode haver uma pequena alta, mas depois a projeção já é de baixa. Então, o juro terminal ficaria por volta de 1,80”, diz o CEO da Verde Asset.

Para o gestor, isso não será suficiente, pois, na sua opinião, a inflação tende a continuar alta nos EUA em 2022. “Lá, a inflação dá diversos sinais de que está muito pior do que se imagina. E o problema do mundo hoje não são os juros altos, e, sim, a inflação”, enfatizou.

Segundo Stuhlberger, o mercado descobrirá, cedo ou tarde, que os juros de longo prazo induzidos pelos bancos centrais fazem mais mal do que bem. “O juro é um elemento que não pode ser manipulado como foi, impunemente. Isso mexe na política mundial de alocação de recursos, e leva os investidores a tomarem decisões equivocadas”, alerta.

Banco Central independente e eleições no Brasil: quais os efeitos?

Para Xavier, pouca diferença deverá fazer a independência do Banco Central no próximo governo. Nesse sentido, o gestor acredita que a política monetária no Brasil já está dada e, pela própria dinâmica da inflação, parece que alcançaremos níveis ao redor de 12,5% de taxa de juros (Selic) nominal.

“Considerando a expectativa de inflação de, aproximadamente, 5,5%, já é um juro nominal bastante elevado. E não acredito que iremos cometer o mesmo erro de quando a Selic foi a 2%”.

Para Xavier, da mesma forma que a Selic a 2% ou 4,5% não faria tanta diferença para a economia, juros a 12% ou 14% também não fariam para a inflação. No entanto, essa alta seria prejudicial para a retomada econômica.

Xavier observa também as incertezas que cercam 2022, tanto em relação às eleições quanto ao risco fiscal, o que deixa os investidores reticentes. “Creio que, se o BC elevar excessivamente a Selic, vai cometer um erro tão grande quanto quando baixou demais. O que a gente chama de taxa de sacrifício já me parece suficiente para, ao longo do tempo, a inflação caminhar para baixo”, alerta.

Por fim, observa que a queda da inflação não ocorrerá na velocidade desejada, de forma casada com as metas. “Mas, se ela andar na trajetória que o mercado espera, que vamos para 5,5% e depois 3,5%, acho aceitável”.

Há oportunidades na renda variável?

Shinohara observou que o mercado viu uma correção importante nos ativos de renda variável no Brasil em 2021. Isso aconteceu principalmente no segundo semestre, em especial em meados de dezembro, quando o Fed mudou o discurso.

Para Xavier, a renda variável deve ser vista com muita cautela nesse momento. No caso das empresas de tecnologia, por exemplo, muitas subiram múltiplos de forma exponencial, porém sem apresentar resultados.

“Isso aconteceu muito mais por causa de uma política monetária desajustada do que pelo valor das companhias em si. Por isso, creio que, quando voltarmos a um ambiente normal, teremos uma reprecificação saudável do preço dos ativos financeiros ao redor do mundo”, afirmou.

O gestor ainda acrescenta que, hoje, o viés da SPX é muito mais na ponta vendedora do que compradora. “Achamos que esse esse processo só está começando, pois as pessoas ainda nem começaram a sentir o aperto monetário”.

Para Xavier, não estamos diante de grandes oportunidades de compra de ações nesse momento, pois haverá ajustes relevantes ali na frente. “Não é só o setor de tecnologia que está inflado, há também outros”, disse. “O fato de termos permanecido muitos anos com uma política monetária fora do lugar gerou distorções que vão ser corrigidas”.

China: um novo ciclo econômico

Sobre a economia chinesa, Shinohara apontou que o país se encontra no processo inverso dos EUA. Ou seja, é o início de um afrouxamento monetário, que pode ser tanto uma fonte de oportunidade quanto de risco.

Para Xavier, a China passa por uma clara desaceleração, pois teve problemas relevantes no setor de construção. Nesse sentido, observou que a incorporadora Evergrande (e não só ela) acabou contaminando outras companhias, e esse setor tem grande impacto no PIB do país.

“O governo está tomando ações para mitigar essa desaceleração com afrouxamento monetário e indução a mais empréstimos. Acho que a China conseguira estabilizar o crescimento à frente, mas eles não entregarão mais números tão fortes como antes”, avaliou.

Quanto ao crescimento esperado, Xavier avalia que um cenário mais provável são números mais próximos de 4% a 5%, desde que não haja nenhum acidente a frente. “Essa faixa de crescimento faz com que os preços das commodities, que é o que interessa para o mundo emergente, continuem atrativos”, pontua.

No entanto, para Xavier, é mais importante no momento pensar no que acontecerá com a Europa do que com a China. “A Europa sempre veio a reboque da China e EUA. Com a desaceleração chinesa e o aperto monetário nos EUA, o continente está naquele ponto no qual não sabemos para onde as coisas irão”, alerta.

Período de transição

Por fim, os entrevistados concordaram que vive-se hoje um período de transição. Segundo Xavier, vivemos mais de uma década com juros fora do lugar, e as pessoas fizeram investimentos que tiveram valorizações muito expressivas basicamente por causa do apoio de políticas fiscais e monetária. “Isso apoiou a valorização desses ativos mas, a partir de agora, entraremos em um período novo, período de transição. Embora o mercado diga que esse período será curto (juros em alta e inflação) eu não concordo. Creio que passaremos por um período que não vemos há muito tempo e por isso devemos trabalhar com a guarda alta”, conclui o sócio da SPX.