Ações esquecidas: é possível resgatar papéis deixados de herança?

Advogadas explicam o que herdeiros devem fazer ao descobrir investimentos antigos de familiares

Leonardo Guimarães

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O psicólogo Joubert Santos perdeu seu pai, um investidor em ações de grandes companhias, em 2015. Recentemente, ele descobriu uma herança “esquecida”: papéis da Vale (VALE3), Eletrobras (ELET3) e da extinta Telemig, mas não sabia como nem se poderia reivindicar os ativos. “Hoje não conseguimos achar quem possa nos ajudar com isso”, relata.

O caso do psicólogo não é raro: o InfoMoney conversou com outros dois possíveis herdeiros de ações “esquecidas”, que também pesquisam se têm direito a receber algo por investimentos que familiares fizeram. 

A pedido da reportagem, Tatiana Kauffmann, advogada sênior da Cascione Advogados, especialista em Direito Civil e Arbitragem, analisou as situações e avisou: “quanto mais antigo o caso, maior a probabilidade de que reorganizações societárias que diluem a participação do acionista tenham acontecido”. 

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Alinhamento de expectativas

É muito comum que as empresas façam grupamento de ações – como deve fazer, em breve, o Magazine Luiza (MGLU3) – e fusões, movimentos que alteram o valor de cada papel. Os herdeiros precisam entender que o valor das ações que os familiares detinham foi alterado com o tempo. 

Portanto, a primeira etapa no processo de descoberta de ações “esquecidas” é alinhar as expectativas com a realidade. “Há resistência das pessoas que descobrem esses papéis de aceitar fatos que reduzem seu valor e um eventual litígio acaba demorando muito por falta de conhecimento”, diz Kauffmann. 

Contato com a empresa

O segundo passo para quem tem as possíveis ações esquecidas é tentar contato com a empresa. A sugestão de Rachel Haerdy, advogada da área de Contencioso Cível da Cascione Advogados, é buscar o setor de Relações com Investidores para entender o status daquelas ações. 

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É a recomendação para o caso de Santos. O objetivo é identificar se houve alguma irregularidade por parte das empresas que possibilite a cobrança de algum valor. Caso a solicitação não seja atendida, é possível entrar com pedido judicial para obter as informações necessárias. Nesse caso, a empresa tem cinco dias úteis para prestar esclarecimentos. 

Prazo de reivindicação 

Ainda é preciso saber quanto tempo passou desde o último contato do dono original das ações ou seus herdeiros com a empresa. O comerciante Marcos Ramser conta que seu avô comprou ações da fábrica de chocolates Neugbauer, adquirida pela Vonpar em 2009, que, por sua vez, foi comprada pela Coca-Cola FEMSA em 2016. Ramser diz que a família “nunca teve informações” sobre a compra da Neugbauer e que entrou com ação de exibição de documentos contra a empresa. 

Além de lembrar da solicitação de informações, como a família já fez, Kauffmann diz que o prazo para o acionista solicitar o recebimento de qualquer valor é de três anos, mesmo se a evolução acionária não foi devidamente informada aos investidores. 

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A regra se aplica ao caso da advogada Maria Helena Maio, que descobriu que a Itaúsa (ITSA4) pagou dividendos aos herdeiros de seu sogro por alguns anos até encerrar a distribuição. “Em situações em que a empresa descumpre sua obrigação, o credor dos dividendos, o próprio acionista ou herdeiros, tem o prazo de três anos para cobrar o pagamento”, reforça a especialista da Cascione Advogados. 

Quem pode (e como) pedir informações?

Segundo o site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a instituição que faz a escrituração das ações de uma companhia aberta – o banco depositário – é obrigada a fornecer extrato com a posição acionária, tanto a atualizada quanto a relativa a uma data específica. Contudo, no caso de falecimento do titular dos papéis, apenas o inventariante dos bens deixados pode solicitar essas informações, devido ao sigilo a que as instituições financeiras estão sujeitas.

Por isso, a orientação da autarquia é de que o inventariante assine o requerimento do extrato e o envie por carta com A.R. ao endereço da instituição, incluindo cópia simples de seu RG, CPF e um comprovante de residência, além do documento que o qualifique como tal – despacho de nomeação, Certidão de Inventariante ou escritura, por exemplo.

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Desfecho inesperado

Kauffmann e Haerdy ainda relatam um fator frequentemente ignorado por quem processa as empresas em busca de compensação: é comum que a parte perdedora seja condenada a compensar os custos com advogados da parte vencedora. “Não costumamos recomendar litígios quando não vemos ganhos relevantes para o cliente”, diz Kauffmann.