A renda fixa é como uma “ex-namorada”: parece simples, mas leva um tempo para entender

Existe algo mais difícil de compreender do que um investidor pagar (em vez de ser remunerado) por emprestar dinheiro?

Lucas Collazo

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Caros(as) leitores(as),

Antes de mais nada, gostaria de dizer que parar para escrever estes artigos já se tornou um dos momentos mais felizes da minha semana. Agradeço a sua leitura e fico feliz de ter a oportunidade de “roubar” poucos minutos valiosos do seu tempo para as minhas reflexões sobre o mercado e tudo que gira em torno dele.

O mercado de renda fixa é como uma “ex-namorada” na minha cabeça. Num primeiro momento parece simples, mas basta se aprofundar no assunto para entender o tamanho da sua complexidade.

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Na literatura mais aclamada, esses ativos são discutidos juntamente dos derivativos. Acho que isso esboça bem o que eu escrevi acima.

Aliás, existe algo mais difícil de entender do que um investidor pagar (em vez de ser remunerado) por emprestar dinheiro? Pois bem, isso pode ser uma realidade no mundo da renda fixa.

Um título pode ser emitido com taxa de juros negativa. Ou seja, sendo credor de uma dívida com juros negativos, você está basicamente firmando um acordo de “prejuízo garantido”.

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Uma das cartas de gestão mais marcantes que li é a de número 101 da Dynamo. O título da carta é explícito: “Juros Negativos”. Uma passagem dela é especialmente boa:

A Louis Vuitton (LVMH), por exemplo, emitiu no primeiro trimestre notas de dois anos rendendo -0,17% ao ano. A demanda foi seis vezes maior do que a emissão. Ou seja, cinco em seis investidores saíram frustrados por não terem conseguido pagar para emprestar recursos para a companhia. Um verdadeiro luxo.

Esse relato ocorreu em 2019. Quando a carta foi publicada, o mundo começava a encarar taxas de juros nominais extremamente baixas, e até negativas (e tudo só piorou em 2020). A minha querida amiga e incentivadora número um desta coluna, Mariana Segala, falou sobre o assunto em reportagem nesta semana.

O texto da Mari mostra que, a certa altura, houve uma normalização de bizarrices como essa. Porém, o que levaria um investidor “racional” a aceitar um “prejuízo” garantido?

É importante citar que o termo “racional” é totalmente questionável. Pessoas são movidas por emoções, mas isso é assunto para outro texto.

O fato é: em condições macroeconômicas adversas, decisões no mínimo peculiares são tomadas. Nos ambientes de juros extremamente baixos que o mundo desenvolvido vivia, o cenário era preocupante – por isso, uma política monetária tão estimulativa.

Claro que continuo não vendo sentido algum para isso. Mas para o mercado, muitas vezes é melhor “garantir” um prejuízo luxuoso de -0,17% ao ano, como na emissão da Louis Vuitton em 2019, do que comprar outros ativos que eventualmente possam gerar um prejuízo ainda maior.

Além disso, muitos fundos possuem mandatos que os obrigam a comprar ativos com essas características com determinada parcela de seu patrimônio.

Isso justifica outra bizarrice: títulos com o yield to maturity negativo. Conhecido também pela sigla YTM – ou rendimento até o vencimento – é uma das métricas mais populares para mensurar a taxa de retorno de um título até o seu vencimento.

Você já ouviu falar sobre métricas de valuation para ações, como preço sobre lucro (P/L), certo? No caso do YTM, estamos falando de uma métrica para entender o valor justo de um título de dívida.

Existe P/L negativo? Sim é isso significa que a empresa está entregando prejuízos. Porém, o que um YTM negativo significa dentro desse mundo “ex-namorada” da renda fixa?

No período de juros zero no mundo desenvolvido, o governo alemão emitiu títulos de 10 anos pagando uma “merreca” de 0,5% ao ano. Vamos imaginar que o preço desse título, conhecido como “preço unitário” (ou PU), fosse de 100 euros.

Uma demanda grande por esse ativo começou a aparecer, seja de investidores aceitando taxas mais baixas para se proteger, seja de fundos que possuem obrigação de ter exposição a estes papéis. A pressão compradora foi tão grande que os preços começaram a subir.

Vamos supor que os investidores passaram a pagar 101% do preço de face desse título. Bom, se você pagava 100% do valor para ganhar 0,5% ao ano, qual será seu retorno se você passar a pagar 1% a mais pelo mesmo retorno?

Acertou se respondeu “menor” – e, principalmente, se concluiu que o rendimento do papel até o vencimento (o tal yield to maturity) seria negativo. Maluco, não? Os investidores que compraram ativos com o YTM negativo estavam pagando mais caro do que receberiam no vencimento do ativo.

Mas e o que se conclui de tudo isso?

Esses contos bizarros mostram como a renda fixa não é nada trivial. Se você não possui muito conhecimento sobre esses assuntos, repense se vale a pena investir sem auxílio de um profissional ou de uma gestora de fundos capacitada.

Além disso, decisões que hoje soam “burras” podiam fazer muito sentido quando foram tomadas. É fácil de criticar depois.

Muitas ofertas vão parecer oportunidades. Tenha cautela e carregue critério consigo. Quando o trouxa e o esperto se encontram, saem negócios. Pense nisso.

Lucas Collazo

Host e conselheiro no fundo do Stock Pickers | Especialista em alocação e fundos de investimento no InfoMoney