Vale cai 10% no ano, e agora? Analistas divergem sobre dois fatores-chave para o futuro da ação

Companhia enfrenta uma conjugação de efeitos da tragédia de Brumadinho e desaceleração da economia global com efeitos do minério de ferro que impedem o papel de andar na Bolsa  

Ricardo Bomfim

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SÃO PAULO – A Vale (VALE3) tem sido uma fonte de dor de cabeça para seus acionistas este ano. Com uma queda de 10,8% em 2019, a ação da mineradora tem um desempenho muito mais fraco que a média do mercado mesmo depois da forte correção que acometeu o Ibovespa após a chegada ao recorde dos 106 mil pontos. O benchmark da bolsa ainda registra alta de cerca de 14% em 2019. 

O que os analistas destacam é que a tragédia do rompimento da barragem de Córrego do Feijão em Brumadinho (MG) no dia 25 de janeiro explica apenas parte do desempenho negativo da ação este ano, pois há mais fatores a se considerar, sendo a cotação do minério o principal deles. 

De acordo com o sócio da Vinland Capital, Humberto Meireles, pesa muito para a Vale a desvalorização de 24,9% no preço do minério de ferro do pico atingido na metade de julho até agora. 

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A tonelada do minério à vista com 62% de pureza no porto de Qingdao, caiu de US$ 118,96 no dia 16 de julho a US$ 89,35 no fechamento do último pregão na China. 

“A empresa naturalmente, como uma das maiores produtoras de minério do mundo, é influenciada, pois o preço internacional do produto impacta sua geração de caixa e a perspectiva para o futuro. Isso é descontado na ação”, explica. 

Meireles ressalta que a correlação entre o valor da ação da Vale e o preço do minério sempre foi muito alta. Muito maior, por exemplo, do que a correlação da Petrobras (PETR3; PETR4) com o petróleo. 

Além disso, conquanto a desvalorização do minério atinja também as concorrentes da Vale, a mineradora brasileira hoje negocia suas ações com um desconto de aproximadamente 25% em relação às duas outras gigantes do setor: Rio Tinto e BHP Billiton.

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“Um ano atrás, não havia esse desconto. Esse ponto sim é totalmente atribuível ao acidente de Brumadinho”, avalia Meireles.

Até julho, pelo menos no que se refere à cotação das ações da Vale, os efeitos de Brumadinho eram parcialmente ofuscados pelo movimento do minério, que justamente pela paralisação de diversas operações da mineradora, subia no plano internacional diante de um descompasso entre oferta e demanda. 

Foi o choque causado pelo acirramento da guerra comercial entre Estados Unidos e China, somado a sinais de desaceleração da economia chinesa, que mudou esse quadro. Ficou claro que a demanda pode se mostrar mais fraca do que os analistas projetavam no início do ano, levando a uma correção nos preços. 

Guerra comercial

Segundo Felipe Beraldi, analista de mineração da Tendências Consultoria, foram duas as principais consequências do aumento na tensão comercial entre as duas maiores economias do mundo. 

A primeira é o fortalecimento do dólar frente às demais moedas. Como a guerra comercial é um foco de estresse no mercado financeiro, investidores buscam a divisa norte-americana como proteção para as suas carteiras.

Isso por si só já derruba os preços das commodities, uma vez que elas são cotadas em dólar e o produtor é obrigado a cobrar um preço menor para compensar a alta do moeda dos EUA. 

Já a segunda consequência é a revisão para baixo nas perspectivas de crescimento da economia global puxada pela China, principal mercado consumidor de commodities do mundo. 

Os sinais desse desaquecimento da atividade econômica apareceram na desaceleração da produção industrial chinesa, que após crescer 6,3% em junho na comparação anual, avançou 4,8% em julho, frustrando expectativas de que a expansão fosse de 5,8%. 

Em relatório assinado pelos analistas Marius van Straaten, Susan Bates, Alain Gabriel, Carlos De Alba, Brian Morgan, Rahul Anand e Rachel Zhang, o banco Morgan Stanley esclarece que a oferta global está bem balanceada, com os embarques semanais de minério brasileiro atingindo as máximas de 2018 e 2019, ao mesmo tempo em que as iminentes manutenções de infraestrutura da BHP e da Rio Tinto reduzem a perspectiva de aumento no curto prazo dos embarques australianos. 

Nesse caso, o grande problema fica por conta da demanda. Além do dado industrial geral fraco, houve retração de 3% na produção chinesa de aço em julho na comparação mensal.

A luz no fim do túnel se dá pelos registros de aumento na utilização de altos fornos em agosto no país. “Os planos preliminares de cortes na produção em setembro são menos rigorosos do que o mercado esperava”, ressalva o relatório. 

Mesmo assim, a guerra comercial e seus efeitos estão longe de sair do radar. Beraldi aponta que apesar do alívio na retórica do presidente norte-americano Donald Trump depois do anúncio de que seriam elevadas as tarifas sobre US$ 550 bilhões em produtos chineses, a verdade é que há muito pouco de concreto para se animar. 

“As negociações podem ser retomadas, mas em outro momento as conversas fracassaram e tivemos um aumento adicional das tarifas. Não acredito que essa questão possa ser resolvida no curto prazo”, aponta.

Mas afinal, sobe ou cai?

A analista Betina Roxo, da XP Investimentos, mesmo diante de todas essas incertezas, ainda acredita que a Vale pode surpreender e render muito ao investidor até 2020.

O preço-alvo da XP para as ações VALE3 é de R$ 68,00, o que corresponde a uma valorização de 47,8% sobre o patamar de fechamento dos papéis na sessão de ontem (2). 

Betina estabelece três motivos para sua análise mais otimista.

Em primeiro lugar, ela espera que a Vale chegue a um acordo com as famílias afetadas pela tragédia de Brumadinho, ainda este ano ou no início de 2020. “O acordo colocaria um fim às incertezas operacionais e legais remanescentes, permitindo que a mineradora se concentre em seus negócios”, avalia. 

O segundo ponto importante é que o patamar atual de negociação do minério de ferro, a US$ 90, ainda é bastante atrativo para a empresa. Apesar da queda desde julho, no ano a commodity acumula ganhos de 26%. 

Já o terceiro fator otimista está ligado às recentes declarações do Conselho de Estado chinês, reforçando estímulos econômicos e destacando o foco do governo no desenvolvimento de projetos de infraestrutura. 

“Na nossa visão, a gradual normalização das operações deve permitir que as ações da Vale voltem gradualmente a negociar com base em fundamentos. Vemos as ações negociando a 4 vezes o múltiplo preço da empresa sobre o Ebitda [lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações, na sigla em inglês]  em 2020, atrativo em nossa visão, com uma rentabilidade de 10% a 15% de sua geração de caixa em 2019 e 2020”, explica a especialista. 

Thiago Lofiego e Isabella Vasconcelos, do Bradesco BBI, também esperam uma valorização nas ações da mineradora. Em relatório, eles escrevem que a companhia está no caminho certo ao focar em consertar os danos pós-Brumadinho e aumentar padrões de segurança. 

“A administração reiterou que os US$ 4 bilhões provisionados cobrem todas as categorias de potenciais impactos e estão baseados em acordos assinados e negociações em curso”, defendem os analistas, que veem as indenizações e custos com Brumadinho como totalmente mapeados e provisionados, sem quaisquer riscos de surpresas desagradáveis. 

“Os termos finais do acordo de danos morais coletivo para a cidade de Brumadinho e comunidades vizinhas pode ser atingido no final do ano”, preveem ainda Lofiego e Vasconcelos. 

Vale lembrar que a agência de classificação de risco Moody’s mudou a perspectiva para o rating da Vale de negativa para estável, mantendo a nota Ba1. O ajuste de outlook foi motivado por “maior visibilidade dos custos e passivos financeiros”.

“Como a Vale continua gerando fluxos de caixa livres positivos, não esperamos nenhum impacto significativo na liquidez ou alavancagem da empresa”, expressou a Moody’s. 

Como resultado, o Bradesco BBI acredita em uma Vale mais “verde” no futuro, investindo na produção de minério de ferro de maior qualidade, que deve continuar a ganhar mercado na China com a imposição de requisitos ambientais mais severos para as siderúrgicas do país. A estimativa do banco para o preço da commodity ao final deste ano é de US$ 90 por tonelada. Para 2020, a projeção é de US$ 75.

Por fim, o preço-alvo estabelecido pelo banco para os ADRs (na prática, as ações de empresas brasileiras negociadas nas bolsas norte-americanas) da Vale é de US$ 18,00. Hoje, eles negociam em torno de US$ 10,86 na bolsa de Nova York, o que significa um potencial de alta de 65,8%. 

Na ponta mais cautelosa, Humberto Meireles, da Vinland, lembra que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ainda irá analisar a questão de improbidade administrativa da Vale, de modo que a companhia não equacionou todos os processos que enfrentará por conta do acidente do início do ano. 

Meireles acredita que o investidor, para começar a ficar otimista com Vale, precisa ver sinais claros de que Estados Unidos e China caminham para um acordo na guerra comercial, o que ajudaria a retomar a demanda por minério de maneira mais consistente. “Enquanto isso não ocorrer, os riscos de desaceleração da economia global seguirão fortes”, destaca.

Seja como for, excluído o preço da commodity, a mineradora ainda precisa enfrentar seus demônios internos e chegar a um acordo definitivo com governo e famílias atingidas pelo rompimento da barragem, para aprender com seus erros, punir os culpados e ressarcir as inestimáveis perdas de todos os envolvidos da melhor forma possível. 

Ricardo Bomfim

Repórter do InfoMoney, faz a cobertura do mercado de ações nacional e internacional, economia e investimentos.