Vacina indiana ainda depende de aprovação e pode ter barreiras para uso em clínicas privadas; entenda

Mesmo antes de finalizar os testes clínicos, a Covaxin já foi aprovada para uso emergencial na Índia. As doses irão chegar ao Brasil no futuro próximo?

Allan Gavioli

(Reprodução/Bharat Biotech)

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SÃO PAULO – A Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (Abcvac) anunciou, no último domingo (3), que negocia a compra de cinco milhões de doses da Covaxin, imunizante contra a Covid-19 fabricado na Índia pela farmacêutica Bharat Biotech. Também no último domingo, o governo indiano aprovou o uso dessa vacina no país.

Membros da Abcvac viajam hoje para a cidade de Hyderabad, capital do estado de Telangana, no sul da Índia, para conhecer a fábrica da farmacêutica, que tem capacidade de produzir 300 milhões de doses. A associação representa 200 clínicas particulares no Brasil, que equivalem a 70% do mercado privado nacional e terão prioridade na aquisição da vacina.

É importante ressaltar que o governo federal já havia demonstrado interesse na vacina indiana, já que a Covaxin faz parte do Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra a Covid-19 no Brasil. No documento, o governo diz ter firmado um memorando de entendimento com o laboratório indiano para demonstrar a intenção de compra da vacina.

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Nesta segunda-feira (4), o Ministério da Saúde afirmou que a rede privada também deve seguir a ordem de vacinação de grupos prioritários prevista no plano nacional. Por isso, mesmo que as clínicas possam vender o produto, elas deverão priorizar idosos e profissionais de grupos específicos.

Para entender melhor os detalhes da vacina indiana, o InfoMoney compilou dados e informações sobre o imunizante e conversou com especialistas para compreender se ação da Abcvac tem respaldo legal ou não. Confira.

Covaxin, a vacina da Índia

Apoiada pelo governo indiano, a Covaxin está sendo desenvolvida pela farmacêutica indiana Bharat Biotech em parceria com o Conselho Indiano de Pesquisa Médica, órgão ligado ao governo da Índia.

A vacina tem a previsão de ser lançada no mercado em fevereiro, meses antes da previsão inicial dos desenvolvedores, para julho deste ano.

Em artigo publicado pela própria farmacêutica em versão pré-print (sem revisão de pares científicos), na plataforma medRxiv, os pesquisadores concluem que as fases 1 e 2 de testes clínicos da Covaxin mostraram que o perfil de segurança da vacina é “tolerável” e superior ao de outros imunizantes. Também afirmaram que não houve registro de evento adverso grave entre os participantes.

Vacina depende de aprovação no Brasil

Mesmo com aprovada para uso emergencial na Índia e com possíveis contratos de aquisição de doses em andamento, a vacina indiana está no centro de críticas da comunidade científica pela insuficiência de informações para aprovar o medicamento.

Pesquisadores tentam entender como a vacina já foi aprovada sem a conclusão dos estudos sobre a fase três dos testes clínicos, última etapa de testes, que determina a eficácia do imunizante. O imbróglio envolvendo a Covaxin é semelhante ao que ocorreu com a vacina russa Sputinik V, aprovada para uso na Rússia sem antes finalizar a última etapa de testes, o que levantou apontamentos de diversos cientistas ao redor do globo e da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Ainda em andamento, a fase três de testes clínicos da Covaxin teve início recentemente, no dia 16 de novembro, e é o maior teste conduzido para vacinas na Índia, reunindo mais de 23 mil voluntários.

Embora tenha divulgado alguns dados sobre segurança e um comunicado dizendo que a Covaxin “produz respostas imunológicas de longo prazo contra múltiplas proteínas virais, não apenas a proteína spike e capacidade neutralizante que pode reduzir ou eliminar mutações”, a farmacêutica não detalhou informações sobre segurança e eficácia e não publicou os dados completos em algum periódico científico para que outros pesquisadores avaliem os resultados – passo essencial para que uma vacina possa ser considerada eficaz pela comunidade internacional.

Apesar de ter aprovado o uso emergencial do imunizante, a Organização Central de Controle de Medicamentos da Índia, órgão regulador de medicamentos do país, ainda não se pronunciou sobre a eficácia da Covaxin. De acordo com uma fonte da agência de notícias Reuters, o imunizante teria mais de 60% de eficácia, com um regime de aplicação de duas doses.

Ainda de acordo com o órgão regulador, a Covaxin foi aprovada “para uso restrito em situação de emergência, por interesse público e como precaução, ainda em testes clínicos, especialmente no contexto de infecções por mutações da cepa [do vírus]”.

Uma rede independente de fiscalização da saúde pública na Índia, a All India Drug Action Network (Aidan), divulgou um comunicado solicitando mais informações sobre o os testes clínicos e os números de segurança e eficácia. A Aidan disse estar “perplexa” e afirmou que busca entender “qual lógica científica” motivou os especialistas a autorizar o imunizante ainda em testes clínicos, em um post no Twitter.

Uso da vacina em clínicas privadas

A movimentação do setor das clínicas particulares para aquisição de vacinas é legal, mas esbarra no mesmo problema que o setor público tem com os imunizantes: regulamentação, segundo explicou Marina Zago, advogada do escritório Demarest e especialista em direito sanitário e direito administrativo, ao InfoMoney.

“Independentemente do setor, público ou privado, a vacina precisará seguir todos os ritos legais para a sua regularização no Brasil, já que as normas da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] são aplicáveis para todos os setores”, diz Marina.

A vacina indiana, porém, pode ter dois problemas adicionais: a falta de dados de segurança e eficácia e a ausência de testes clínicos realizados em solo nacional. A vacina de Oxford, por exemplo, já divulgou seus resultados finais de eficácia e já terminou seus ensaios clínicos no Brasil.

“É um contato preliminar, de interesse, por parte das clínicas, já que estamos falando de uma vacina sem dados publicados. Mesmo assim, eu entendo que precisa existir um alinhamento entre as clínicas privadas e o governo para que isso não se torne um problema lá na frente”, acrescenta.

Para Marina, a movimentação do setor privado demonstra um claro interesse no mercado dos imunizantes, mas se as clínicas realmente quiserem vender suas doses, isso não pode afetar o cronograma do governo federal. O oferecimento de doses na rede privada precisa ser um complemento ao programa do Ministério da Saúde e não concorrente.

“Sempre foi permitido às clínicas particulares buscar formas de complementação e apoio ao setor público. O que preocupa nessa situação da Covid é que o Ministério da Saúde precisa ter uma quantidade enorme de vacinas para imunizar boa parte da população, então as clínicas não podem atrapalhar o plano governamental”, explica Marina. Em caso de prejuízo ao plano nacional, o governo pode entrar com sanções aos laboratórios, por exemplo restringindo a importação da vacina.

“O setor privado precisa adquirir as doses excedentes daquelas que o Ministério está para encomendar. Essas doses funcionarão como doses de apoio. As clínicas precisam se organizar para mostrar um cronograma quantitativo ao governo, para explicar que eles não estão interferindo no plano do governo”, acrescenta.

Marina ainda lembra que, no caso das vacinas que estão sendo testadas no Brasil, como a de Oxford, a da Sinovac, Janssen e Pfizer, as farmacêuticas possuem duas alternativas que podem ser mais ágeis em relação à aprovação do uso emergencial ou ao registro definitivo pela Anvisa: pedido de registro por meio de submissão contínua dos resultados ou pedido de autorização de uso emergencial nos termos da RDC nº 444/2020, da Anvisa.

Em nota, a Anvisa confirmou que o laboratório Bharat Biotech fez um primeiro contato para iniciar o procedimento de submissão contínua, “que é quando os dados de estudos de uma vacina são apresentados aos poucos para análise da agência reguladora”, mas esse procedimento é restrito a empresas que possuem ensaio clínico em condução no Brasil, o que não é o caso da Covaxin.

Entretanto, nada impede que as clínicas particulares procurem um laboratório interessado em patrocinar o estudo clínico por aqui. Para Marina, a movimentação do setor privado pode acabar pressionando o governo federal, já que o Ministério da Saúde ainda não possui uma data exata para o começo da campanha de vacinação no Brasil e a Anvisa ainda não aprovou nenhum medicamento.

“Quando uma associação ou uma clínica particular especifica começa a ir atrás de uma vacina para utilizar na rede privada, isso coloca em perspectiva o quanto os governos precisam agilizar o processo. É uma declaração de interesse incipiente, mas demonstra que o setor privado está se empenhando fortemente para trazer as doses”, conclui Marina.

Técnica de produção da Covaxin

O método de produção escolhido pela Bharat Biotech para confeccionar a sua vacina é a mesma técnica que está sendo utilizada para produzir a CoronaVac, a vacina da farmacêutica china Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo.

A vacina Covaxin é feita a partir do vírus inativado. O procedimento consiste em injetar o vírus inativo por agentes químicos ou físicos no organismo, fazendo com que o sistema imunológico identifique o invasor e produza defesas contra ele.

Assim, quando o corpo entrar em contato com o vírus real, o sistema imune já terá criado as defesas necessárias para combater a doença. Segundo o Instituto Butantan, que fornece mais de 70% das vacinas utilizadas no Brasil, a estratégia de trabalhar com o vírus inativo já foi utilizada para o desenvolvimento de várias outros imunizantes conhecidos, como a vacina contra a pólio e contra o vírus do sarampo, por exemplo.

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Allan Gavioli

Estagiário de finanças do InfoMoney, totalmente apaixonado por tecnologia, inovação e comunicação.