Um em cada quatro adultos em São Paulo já contraiu o coronavírus, mostra estudo

Mais de 2 milhões de paulistanos já teriam contraído a Covid-19 e o contágio é maior em bairros mais pobres, diz estudo do Fleury, da USP e da Unifesp

Allan Gavioli

(Rodrigo Paiva/Getty Images)

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SÃO PAULO – Um estudo feito por pesquisadores do Grupo Fleury, da USP e da Unifesp detectou que a prevalência de anticorpos para o Sars-Cov-2, nome do vírus que causa a Covid-19, em adultos de São Paulo é de 26,2%. Ou seja, em cada quatro adultos da capital paulista, um já foi contaminado pelo novo coronavírus.

O estudo, realizado por meio de uma parceira entre os pesquisadores, o Grupo Fleury e o Ibope Inteligência, analisa a parcela da população que foi exposta ao vírus e produziu anticorpos, a chamada soroprevalência da população – o percentual de pessoas que já tiveram Covid-19.

“Considerando a soroprevalência de 26,2% e o total da população com 18 anos ou mais do município de São Paulo – que corresponde a 8,4 milhões de pessoas -, o número de adultos já infectados é de cerca de 2,2 milhões”, diz o estudo.

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Segundo os últimos dados do boletim diário sobre a pandemia do novo coronavírus, publicado pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, na última quarta-feira (21) a capital paulista contabilizava 352.953 casos confirmados de Covid-19 – um número oficial muito inferior ao da pesquisa, que ocorre em paralelo e faz uma apuração independente da realizada pela secretaria municipal.

Um dos destaques dessa quarta fase do estudo é o um avanço da parcela da população que já foi contaminada. Em relação à etapa anterior do estudo, realizada no fim de julho, o aumento foi de oito pontos percentuais. Na última pesquisa, foi detectada a presença de anticorpos em 17,9% da amostra populacional.

“São 700 mil adultos infectados entre uma pesquisa e outra, no intervalo de poucas semanas”, avalia Fernando Reinach, professor de bioquímica USP e pesquisador envolvido no estudo.

Contaminação é maior em distritos mais pobres

Um dos recortes sobre contaminação do município de São Paulo apontou um maior nível de contágio entre os distritos mais pobres da capital, assim como as outras edições do levantamento. Segundo os dados do estudo, a prevalência da Covid-19 é maior em bairros mais pobres da cidade: 30,4%, contra 21,6% nos distritos de renda mais alta.

Outro ponto da pesquisa analisa a contaminação entre pessoas com diferentes graus de escolaridade. No geral, adultos com menos educação se infectam mais. A soroprevalência na população que estudou apenas até o ensino fundamental foi de 35,8%, mais que o dobro daqueles que possuem ensino superior, 16%.

Um fenômeno semelhante ocorre em relação à raça/cor de pele, sendo a soroprevalência maior entre pretos e pardos (31,6%) quando comparada com a dos brancos (20,9%).

Para Beatriz Tess, pesquisadora e professora da Faculdade de Medicina da USP, esse dado não é necessariamente uma surpresa, mas novamente escancara a desigualdade na cidade.

“Nós, que trabalhamos com saúde pública, sabemos que essa diferença não é novidade. Existe um tema de ampla discussão que é o que chamamos de ‘determinantes sociais da saúde’. Essa desigualdade que vemos em relação à exposição e prevalência do vírus já era esperada. É um assunto complexo, mas que não surpreende”, explicou a  médica durante a apresentação dos resultados.

O projeto e a metodologia

O projeto SoroEpi MSP é um estudo independente do inquérito sorólogico conduzido pela prefeitura da cidade, embora ambos busquem estimar a quantidade de adultos que podem ter sido expostos ao coronavírus.

Diferentemente da pesquisa apresentada pelo Fleury, a última fase do inquérito da Prefeitura, divulgada no último dia 13, indicou que apenas 13,6% da população da capital paulista contraiu o novo coronavírus.

Enquanto o monitoramento realizado pelo governo do Bruno Covas (PSDB) utiliza testes rápidos, que podem mostrar resultados “falsos-negativos”, por não detectar anticorpos em pessoas que tiveram uma carga viral baixa, o do Fleury trabalha com exames laboratoriais mais sensíveis, que detectam mesmo taxas bastante baixas.

Para os pesquisadores, essa diferença envolvendo os testes explica os resultados discrepantes.

Para analisar a soroprevalência na população da cidade de São Paulo, o grupo de pesquisadores analisou amostras de sangue de 1.129 pessoas de 18 anos ou mais entre os dias 1 e 10 de outubro.

Após responderem um questionário, uma amostra de sangue dos participantes foi colhida por punção venosa. A quantidade de anticorpos anti SARS-CoV-2 (IgG e IgM) foi medida usando um método de quimioluminescência e um segundo teste de eletroquimioluminescência (Ig total).

Imunidade de rebanho?

Desde que o estudo começou em meados de abril, a cada nova pesquisa, é registrado um aumento no percentual de paulistanos que podem ter sido infectados pelo Sars-Cov-2, assim como nessa quarta etapa.

Os avanços levantam dúvidas sobre a cidade de São Paulo estar atingindo a chamada imunidade de rebanho, que ocorre quando uma parcela significativa de indivíduos fica imune à doença porque a população imunizada serve como uma barreira para a transmissão, o que enfraquece o poder de transmissibilidade do vírus e impede que o vírus infecte mais pessoas.

O professor da USP disse que ainda não é possível afirmar com exatidão se São Paulo atingiu essa imunidade de rebanho, mas se isso acontecer ele avalia que será um atestado da incompetência na gestão da doença.

“O controle da pandemia está basicamente na mão da população. Testes inexistentes, pouquíssimas medidas do governo. Está tudo na mão das pessoas. Infelizmente, o governo agiu de forma descoordenada e fez muito pouco. A taxa de soroprevalência alta está nos levando para uma imunidade de rebanho por incompetência. Aqui, se chegarmos a uma imunidade de rebanho, é porque não fizemos o suficiente, por incompetência”, opina Reinach.

Allan Gavioli

Estagiário de finanças do InfoMoney, totalmente apaixonado por tecnologia, inovação e comunicação.