Transferwise vai parar na Justiça no Rio por problemas da fintech europeia LeoPay

Clientes brasileiros da empresa têm problemas com transferências de recursos para países da Europa; Transferwise acabou prejudicada por problemas de uma fintech em apuros

Equipe InfoMoney

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Atualização: após o primeiro posicionamento Transferwise entrou em contato com a reportagem para avisar que havia mudado a forma com que está resolvendo o problema das transferências “desaparecidas”. Agora, a empresa de transferências está reembolsando os clientes que tiveram problemas com fundos próprios. Confira o posicionamento completo ao final do texto.

SÃO PAULO – A TransferWise Brasil Correspondente Cambial Ltda. é ré em pelo menos um processo envolvendo transferências de recursos que não deram certo para o banco digital LeoPay. 

O banco, com sede no Reino Unido, é ligado ao Satabank, baseado em Malta – sob intervenção das autoridades monetárias daquele país desde outubro do ano passado. Ele foi muito utilizado, enquanto em funcionamento normal, por brasileiros residentes na Europa. E acabou deixando dezenas de pessoas sem receber pagamentos importantes depois que parou de atender clientes por consequência dessa investigação.

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O processo contra a Transferwise tramita na 2ª Vara Cível do Estado do Rio de Janeiro. A ação, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), foi movida no início deste ano, por meio da Defensoria Pública daquele Estado, pela estudante Lohanne Fernanda Gonçalves Ferreira.

Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lohanne mora na cidade La Rochelle, no sudoeste da França, desde novembro de 2018. Ela conta que utilizou os serviços da TransferWise, ainda no Brasil, para enviar para sua conta no LeoPay parte dos recursos de sua bolsa de estudos, obtida na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação do Ministério da Educação (MEC). Só que o dinheiro, R$ 2,48 mil, equivalentes à época a 580 euros, nunca chegou a ficar disponível no destino.

Sem conseguir respostas do LeoPay, a estudante relata que buscou reaver o dinheiro junto à TransferWise, que, segundo ela, dizia ter concluído a transferência. A empresa dizia que a cliente deveria procurar o banco de destino. Ao contrário da fintech  destinatária dos recursos, a empresa responsável pelo envio do dinheiro tem representação no Brasil. Sentindo-se lesada, a estudante foi buscar ajuda no judiciário. 

Por um lado, a Transferwise não parece ser a culpada pelo problema da estudante e foi prejudicada pelos problemas de outra empresa. Na outra ponta, Lohane não tinha para onde correr. 

De acordo com a defensora pública do Estado do Rio de Janeiro Rita Valéria Ferreira, que cuida do caso de Lohanne, o processo segue o trâmite natural e ainda não tem sentença. “Caso não haja conciliação, caminha para julgamento”, detalha a defensora, que diz que a ação indenizatória busca reaver os valores transferidos, aos quais a estudante não teve mais acesso.

Sem revelar o valor total solicitado, Rita Valéria diz que a ação pleiteia a reparação de todos os transtornos pelos quais passou a autora do processo, o que implica em dano material e moral.

Relação de Consumo

A defensora afirma que, em que pese a TransferWise ser uma correspondente cambial e instituição financeira, regulada pelo Banco Central, o caso se trata de uma relação de consumo. “Ela presta serviços e fica subordinada ao CDC”, frisa Rita Valéria.

“Estamos diante de um caso claro de relação de consumo”, reforça o advogado e professor de direito civil e do consumidor do curso CERS, Cristiano Sobral. Segundo ele, a responsabilidade da fornecedora é objetiva, independentemente da existência da culpa. “Chamamos esse caso de fato do serviço, cuja fundamentação está no artigo 14 do CDC”, destaca Sobral.

Em nota, a TransferWise diz que realizou todas as transações feitas pelos seus clientes para o LeoPay e que tem os comprovantes que certificam o êxito dessas transferências para o destinatário. A empresa também garante que, caso os fundos sejam retornados para a TransferWise, realizará imediatamente a devolução dos mesmos. (veja a íntegra da nota ao final da reportagem)

A reportagem do Infomoney pediu esclarecimentos sobre os casos para o LeoPay, por intermédio de vários de seus canais de atendimento, incluindo os de imprensa. A instituição, até o fechamento desta reportagem, não havia retornado a nenhum dos vários contatos feitos por e-mail e por telefone.

Sem chance

“Os usuários dos serviços do Leobank dificilmente serão agraciados com a devolução dos valores enviados através da TransferWise”, avisa a advogada tributarista e mestre em direito tributário Tiziane Machado.

Ela afirma que, depois que a Autoridade de Serviços Financeiros de Malta (MFSA – na sigla em inglês) congelou as contas do Satabank, que tem o mesmo cofundador do Leobank, clientes dessas instituições não poderão transferir seus recursos para fora da União Europeia.

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A especialista em direito tributário afirma que a perda do dinheiro e a quebra da expectativa e confiança são situações passíveis de indenização por dano moral. “Cabe ao consumidor, na qualidade de usuário dos serviços da TransferWise buscar a Justiça para recompor seu patrimônio através do ajuizamento de indenização por dano moral.”

Lohanne diz que passou por um grande estresse com essa situação, justamente antes de embarcar para o curso no Exterior. O dinheiro que não ficou disponível representava quase metade do valor da bolsa de 1.300 euros que precisa pagar mensalmente com os recursos da Capes.

“Vir para fora do país, ter que alugar casa, se adaptar a vida de um outro lugar completamente diferente e com quase 50% de um mês de bolsa bloqueados, não foi tranquilo”, relata Lohanne. Segundo ela, já era muita ansiedade toda a mudança e “isso foi a cereja do bolo dos problemas todos”. Ela deixou seu pai como seu procurador no Brasil para tratar do processo contra a TransferWise.

Mais barato

A popularidade do LeoPay entre brasileiros residentes no exterior, ou que precisavam ter conta fora, se devia à facilidade de acesso e taxas competitivas. Também permitia a abertura de contas de residentes no País, que até mesmo recebiam cartões do LeoPay no Brasil. E a TransferWise, por sua vez,era a plataforma preferida para executar as transferências por também cobrar taxas menores do que a concorrência.

Mas, em 22 de outubro de 2018, após a intervenção no Satabank, o LeoPay anunciou o cancelamento das contas de residentes no Brasil (veja abaixo carta do Leopay). E as transferências de recursos feitas do Brasil, via TransferWise, para esse banco alguns dias antes desse anúncio até hoje não ficaram disponíveis, segundo relato de diversos clientes. Não há um número preciso, mas há grupos de descontentes no WhatsApp com mais de 50 integrantes.

Quem já tinha dinheiro disponível em conta teve os recursos congelados por alguns dias, mas conseguiu reaver o dinheiro pouco tempo depois. O LeoPay deu prazo de dois meses para quem quisesse permanecer no banco, comprovar residência em países em que a fintech operasse. Mas o paradeiro do dinheiro de quem fez transferência pouco antes do dia 22 de outubro do ano passado continua um mistério.

US$ 2 bi em transferências

O Banco Central do Brasil (BC), por intermédio de sua assessoria de imprensa, afirma que recebeu seis reclamações sobre envio de dinheiro para a Europa, em meados de outubro de 2018, mencionando a TransferWise. Essas reclamações, segundo o BC, são encaminhadas às instituições financeiras, que respondem diretamente ao cliente com cópia para a autoridade monetária brasileira.

Com relação ao LeoPay, o BC explica que não tem competência para questionar ou impor sanções a instituições financeiras sediadas no Exterior. Se o contrato de câmbio estiver formalizado pela instituição financeira situada no Brasil, e se os recursos tiverem sido enviados ao destinatário correto, “não haveria possibilidade de adoção de sanções”, diz o BC.

O Banco Central também esclarece que a TransferWise não é instituição financeira autorizada a funcionar pelo BC. “A empresa TransferWise Brasil Correspondente Cambial Ltda atua como correspondente no País, contratada pelo MS Bank e pelo Banco Rendimento.” As transferências para o Exterior entre pessoas físicas do Brasil somaram US$ 2,1 bilhões no ano passado, segundo o BC. No acumulado até maio deste ano, o BC registrou o montante de US$ 871 milhões em transferências.

Dormindo de favor

Assim como o de Lohanne, outros casos, muito semelhantes, envolvendo estudantes de cursos na Europa, também aconteceram nesse período. A namorada do então bolsista da Capes na França Marco Túlio de Souza transferiu pela TransferWise R$ 5 mil para a conta dele no LeoPay no dia 19 de outubro. Souza conta que, na época, estava na Espanha, fazendo pesquisa para o seu Doutorado em Comunicação, e precisava retornar à França.

O dinheiro dessa remessa nunca chegou até ele, que conta que teve seu cartão engolido pelo ATM, e teve dificuldades para retornar a sua base de estudos na França. Quando conseguiu pisar novamente em solo francês, diz que precisou dormir no chão da casa de uma pessoa que mal conhecia, porque não tinha mais dinheiro.

Souza relata que a transferência de R$ 5 mil representava 1.158,70 euros. “Esse dinheiro fez falta, porque tive de reduzir despesas, procurar distribuir os gastos de maneira a não comprometer ainda mais o orçamento”, lembra o estudante, que ficou na Europa de setembro a abril, entre França e Espanha.

Em cash

A recém-formada engenheira ambiental Erica Souza economizou durante cinco anos, trabalhando como técnica de planejamento na construção civil, para fazer um intercâmbio na Irlanda, para aprimorar seu inglês. Também acabou sem ver os R$ 1 mil chegarem ao destino, transferidos via TransferWise para o LeoPay, em 18 de outubro de 2018. “Estava juntando dinheiro para o meu intercâmbio que começaria em maio”, lembra.

No dia 20 de outubro do ano passado, conta que recebeu comunicado do LeoPay de que o banco estaria encerrando as contas de brasileiros, mas com um prazo para movimentar os recursos. “Achei que daria tempo de a transferência ter sido efetivada, mas isso não aconteceu.” Ao buscar informação com a TransferWise, Erica diz que a empresa alegou que não podia fazer nada, pois já tinha feito a sua parte, e até enviaram para ela o comprovante da transferência concluída.

Os contatos com o LeoPay também não trouxeram resultados. Com receio de novo problema, Erica acabou optando por levar em espécie boa parte do dinheiro que ia precisar na Irlanda. “Fiz câmbio no aeroporto”, lembra a engenheira, a taxas bem maiores. Segundo ela, o valor transferido,que nunca conseguiu reaver, daria para cobrir duas semanas de aluguel ou um mês de supermercado no país estrangeiro.

Erica estuda na cidade de Carlow, no sudoeste da Irlanda, a cerca de 80 km de Dublin, capital do país. A previsão de retorno é para o final deste ano. “Quando voltar ao Brasil, vou ver se dá para mover ação contra a Transferwise”, afirma.

Posicionamento TransferWise (atualizado)

A TransferWise realizou todas as transações feitas pelos nossos clientes para o LeoPay e temos os comprovantes que certificam o êxito dessas transferências para o destinatário. No entanto, a Autoridade Financeira de Malta congelou os fundos de um dos bancos parceiros que eles usavam para operar, o Satabank. O órgão regulador afirma ter iniciado um “retorno controlado” dos fundos do Satabank.

Mantivemos contato com os clientes, procurando auxiliá-los na busca por respostas quanto ao paradeiro de suas transferências. Entendendo a necessidade que eles tinham de recuperar seus fundos, e mesmo sem ter um retorno efetivo dos fundos congelados pela autoridade de Malta, iniciamos recentemente o reembolso dos valores transferidos para o LeoPay, em reais ou euros, para uma nova conta de sua escolha. Os clientes que tiveram problemas com transferências nesse caso podem entrar em contato com o nosso time de atendimento ao consumidor para que possamos dar seguimento ao processo de reembolso.

Imagem de e-mail resposta LeoPay à cliente brasileira Erica Souza

Comunicado LeoPay sobre encerramento de conta

Dear Diego, 

In accordance with an update of the LeoPay acceptance policy and in particular – the eligible countries, our services are not available in your country of residence. For this reason, your account has been terminated. 

If you have passed the LeoPay verification process prior to our notification, you can use your card for a period of 2 months. You can also log in your account to view your balance. You can redeem your funds by following the instructions you’ve received by email. You need to provide us with a copy of ID Card/International Passport and an IBAN certificate issued in your name by a bank which is part of the SWIFT network. 

Sincerely, 
LeoPay team