Tiago Reis – Eternit: Um triste fim de uma história que poderia ter final feliz

Confira o artigo do analista de investimento Tiago Reis, sócio-fundador da Suno Research, na coluna "Conteúdo do Leitor", do InfoMoney

Equipe InfoMoney

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Autor:Tiago Reis, Analista e sócio-fundador da Suno Research

É com muita tristeza que recebi a noticia de que a Eternit (ETER3) pediu recuperação judicial.

Não me deixa triste o fato de uma empresa pedir recuperação judicial. Este é um processo normal em economias capitalistas: empresas ineficientes morrem e abrem espaço para outras empresas mais eficientes atuarem.

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O que me deixa triste a respeito da Eternit é o “como” e o “por que” a empresa entrou em recuperação judicial.

Antes de nos aprofundarmos sobre o caso da Eternit é importante falar sobre a estrutura societária da empresa que, em teoria, era uma Corporation, ou seja, sem controlador. Na prática era uma empresa de controle definido: o senho Victor Adler quem controlava, aliado com outros acionistas alinhados com seus interesses, a maioria das vagas do Conselho de Administração.

Dito isso, o que leva uma empresa a pedir recuperação judicial? O único motivo que leva uma empresa a recuperação judicial é o excesso de dívidas.

E a Eternit até menos de dez anos atrás era uma empresa saudável, com caixa e sem dívidas. Como que ela foi passar a ter dívidas?

Desde 2011, a empresa, sob a liderança de Adler, começou a buscar esforços para diversificar suas fontes de receita.

Os esforços foram divididos em três frentes:

Cada um desses esforços teve seu motivo foi um fracasso.

A Tégula, que era uma empresa lucrativa antes da aquisição, se tornou deficitária na mão da Eternit por erros da gestão comercial.

A fábrica de fibras, localizada em Manaus, nunca deu um mês de lucro para a empresa, sobretudo pelos altos custos logísticos da região.

Já a fábrica de louças sanitárias, por erros do time de produção e pequena escala, nunca conseguiu produzir resultados também.

Todos estes esforços foram tocados com dívidas em Euro, quando a cotação do Euro estava R$2,00. O diretor financeiro, Rodrigo Luz, foi um dos arquitetos desta perigosa arquitetura financeira: investir em ativos que dão prejuízos financiados com dívidas em moeda estrangeira.

O que acontece quando o Euro vai de R$2,00 para R$4,00? A empresa pede recuperação judicial. Simples assim.

A narrativa que a empresa passa em seu fato relevante é que o pedido de recuperação judicial é consequência da “persistente deterioração dos fundamentos da economia”. O curioso é que empresas de materiais de construção como Duratex e Portobello estão fortes, as cotações de ambas as empresas negociam próximas das máximas históricas.

Quem acompanha o caso de perto sabe que as justificativas transmitidas pela empresa não passam de “história para boi dormir”.

Já em 2014 eu escrevia uma carta para o Conselho de Administração alertando sobre os rumos que levariam a gestão da empresa a não produzir resultados, custaria caro para os acionistas, investir em projetos que poderiam colocar em risco as finanças da empresa.

Esta minha carta recebeu atenção da imprensa na época. Eu dizia na carta:

“Mudanças na gestão da empresa são necessárias e inevitáveis. A discussão é se os acionistas querem fazer uma mudança sem traumas hoje ou sob pressão no futuro. Não será a mesma diretoria que criou os problemas que irá resolvê-los.”

A gestão da Eternit era uma gestão antiquada, sem preocupação com eficiência operacional e alocação de capital inteligente.

No ano passado, fui convidado pelo megainvestidor Luiz Barsi para ser suplente para uma vaga no Conselho Fiscal. Eu aceitei o convite pela amizade que construímos ao longo de anos. Era um cargo meramente figurativo e sem poder nenhum. É como ser terceiro reserva de goleiro da seleção brasileira, nunca entrará em campo.

O Conselho Fiscal possui três vagas. Uma indicada por Luiz Barsi, outra por Victor Adler e outra por Lírio Parisotto. E cada um indicava o respectivo suplente.

Curiosamente, durante a votação de suplentes, o senhor Victor Adler pediu voto múltiplo somente para minha vaga de suplente. O certo seria abrir voto múltiplo para as três vagas. E a gestão que comandava a assembléia, estranhamente, aceitou este pedido.

O Adler, junto com outros acionistas, acabou elegendo outro suplente para meu lugar. Eu não liguei nem um pouco, pelo contrário, até fiquei feliz. Adler havia me tirado de uma potencial fria, que eu só havia aceitado, pois era um pedido do meu amigo Luiz Barsi.

Mas mesmo assim eu achei estranho. Por que será que ele gostaria de me ver longe do conselho fiscal da companhia? Por que não queria que eu tivesse acesso as principais contas da empresa? É natural ficar com a pulga atrás da orelha em situações como essa.

Ao longo dos últimos anos eu conquistei uma boa reputação junto ao mercado financeiro como especialista em análise de fraudes e fragilidades em balanços. Meus questionamentos viraram manchetes de importantes veículos de imprensa.

Eu havia levantado questões graves no balanço em importantes empresas brasileiras, como Petrobras (isso ainda em 2013, antes do Petrolão estourar) e PDG.

E agora, infelizmente, eu posso botar em meu currículo, mais uma empresa com balanço sensível que eu avisei antes de estourar a bomba: A Eternit.

Adler, por ser um investidor informado, sabia desta minha reputação. E mesmo com sabendo disso não queria que eu tivesse acesso aos números da empresa. Se eu fosse um acionista da empresa, gostaria de saber o motivo.

Esta história poderia ter final feliz, caso os maiores acionistas da empresa, liderados pelo investidor Victor Adler, tivessem direcionado a empresa para outros caminhos. Caminhos esses que eu sugeri em 2014 e a revista Exame deu destaque.

As lições que ficam da Eternit? Seria interessante fazer esta pergunta diretamente para o senhor Victor Adler, afinal, quem esta na frente de uma tragédia e vive em primeira pessoa como protagonista do evento tem mais a ensinar do quem observa de fora, como nós.

O que eu imagino que ele tenha aprendido e poderia ensinar para nós? Gestão importa. Uma gestão ruim é capaz de destruir um negócio extremamente lucrativo como era a Eternit.

A trágica história da Eternit traz lágrimas nos olhos de diversas viúvas. E não falo isso no sentido figurado. A Eternit chegou a ser uma das maiores pagadoras de dividendos da bolsa, o que a caracterizava como uma “ação de viúva”, uma ação que tem caráter defensivo e pagadora de dividendos.

A tragédia da Eternit também traz tristeza entre funcionários e o próprio governo. A empresa emprega milhares de pessoas e é o maior pagador de ICMS do Estado de Goiás.

É possível que o que aconteceu com a Eternit tenha algum efeito negativo na economia e nas comunidades deste importante estado brasileiro.

Por fim, a fatídica história da Eternit representa mais um passo do fim do “velho Brasil”, aquele com uma gestão antiquada e sem alinhamento com as melhores práticas. Eu tenho certeza absoluta que a empresa que irá ocupar o seu espaço terá uma gestão mais moderna e eficiente, pois certamente terá acionistas controladores mais alinhados com estes princípios.