Os sinais de que podemos estar vivendo uma nova bolha de startups

Pouco mais de 80% das 134 empresas que abriram o capital nos Estados Unidos no ano passado davam prejuízo, o maior percentual desde o ano 2000

Sérgio Teixeira Jr.

App do Uber

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NOVA YORK – A imagem do mítico unicórnio foi usada para descrever startups pela primeira vez há seis anos, num artigo escrito pela investidora americana Aileen Lee para o site TechCrunch, um dos decanos da cobertura de tudo o que acontece no Vale do Silício.

Na época, a equipe do fundo de Lee, o Cowboy Ventures, compilou uma lista das empresas de tecnologia fundadas nos Estados Unidos desde 2003 que tinham atingido um valor de mercado igual ou superior a US$ 1 bilhão, tanto em negociações privadas ou na Bolsa. Aquela primeira relação de startups continha 39 empresas.

Hoje, os unicórnios estão por toda parte.

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Ou quase isso. Segundo a versão mais recente do ranking de unicórnios compilado pelo TechCrunch, 476 empresas no mundo inteiro mereceram essa cobiçada classificação.

Algumas são conhecidas e fazem parte do nosso dia-a-dia, como o Airbnb (avaliado em US$ 31 bilhões) e The We Company (mais conhecida como WeWork, US$ 20 bilhões).

Outras atuam nos bastidores, como a Stripe (US$ 23 bilhões), que produz software de pagamentos online. Muitas são chinesas (elas ocupam cinco dos dez primeiros lugares do ranking, incluindo os dois primeiros, ANT Financial e ByteDance, respectivamente).

Juntos, os quase 500 unicórnios têm um valor de mercado de 1,7 trilhão de dólares e já levantaram 355,8 bilhões de dólares em investimentos.

Esses números exuberantes levam a uma pergunta inevitável: será que eles são racionais? Ou será que estamos vivendo uma nova bolha?

Alguns indicadores trazem lembranças amargas do crash das ponto-com, na virada do milênio. Um levantamento do Warrington College of Business, da Universidade da Flórida, apontou que 81% das 134 empresas que abriram o capital nos Estados Unidos no ano passado ainda não davam lucro – e um terço delas era do setor de tecnologia.

Um percentual mais alto de empresas deficitárias lançando ações na Bolsa só foi registrado no ano 2000, o auge da exuberância irracional, expressão cunhada por Alan Greenspan, na época presidente do Federal Reserve, o banco central americano.

“A maioria das ponto-com que abriu o capital tinha feito pouco além de consumir vastas quantidades de dinheiro dos investidores e demonstrava poucas perspectivas de dar lucro”, escreveu num artigo John Colley, professor do Warrington College. “Métricas tradicionais de performance eram ignoradas, e gastar dinheiro era sinal de avanço rápido.” H

Há quem argumente que, 19 anos depois, a história esteja se repetindo, embora com algumas diferenças importantes.

Nos anos 1990, as startups recebiam investimento essencialmente dos fundos de venture capital e tinham de investir boa parte do dinheiro para construir suas próprias infraestruturas tecnológicas.

O cenário tecnológico mudou muito nestas duas últimas décadas. De um lado, existem os serviços na nuvem (Amazon, Google, Microsoft), que permitem criar e escalar uma operação literalmente do dia para a noite. Do outro, bilhões de smartphones e um mercado vibrante de aplicativos.

O dinheiro também vem de outras fontes além dos fundos de capital de risco: fundos de hedge e fundos soberanos injetam valores às vezes nas casas das centenas de milhões de dólares, na expectativa de pegar carona na valorização estratosférica das empresas de tecnologia.

Como disse numa entrevista Randy Komisar, do tradicionalíssimo fundo Kleiner Perkins, “a volúpia do Vale do Silício pela escala é mais resultado dos desejos do capital que das necessidades da inovação”.

IPOs apesar do prejuízo

A palavra mais importante no vocabulário de todo investidor é “saída”, ou seja, a hora de vender sua participação na empresa e – com sorte — realizar os lucros. Com um temor crescente de uma desaceleração econômica global e um apetite enorme na Bolsa por novos papeis de empresas de tecnologia, 2019 está se desenhando como um ano divisor de águas para os unicórnios. E os sinais não são muito animadores.

O Uber, talvez o mais conhecido da tropa (já que não existe coletivo específico para animais fantásticos, fiquemos com o equivalente equino), realizou seu IPO no dia 10 de maio. Depois de uma queda significativa no primeiro dia de negociações, os papeis se recuperaram e voltaram aos níveis da oferta pública inicial.

A empresa deve divulgar seu primeiro relatório trimestral em agosto, mas documentos registrados junto à SEC (órgão que regulamenta os mercados de capitais americanos) indicam que o prejuízo nestes três primeiros meses deve ficar por volta de US$ 1 bilhão – atribuído a “investimentos em nossa Plataforma Central, incluindo incentivos e despesas promocionais”.

Traduzindo, o Uber continua gastando um dinheirão com descontos para ampliar a base de usuários.

Outros unicórnios focados no consumidor final e que abriram o capital recentemente têm histórias parecidas – mesmo que os prejuízos sejam contados com alguns zeros a menos.

A rede social Pinterest fez seu IPO em meados de abril. No fechamento desta reportagem, a ação estava em alta de quase 10% em relação ao preço de lançamento. Segundo o primeiro anúncio de resultados trimestrais, o Pinterest teve receitas de US$ 202 milhões, e prejuízo de US$ 41,4 milhões.

A Beyond Meat, empresa que produz substitutos de carne de base vegetal, é o jovem unicórnio de maior sucesso na bolsa, pelo menos até aqui. As ações da companhia foram lançadas a US$ 25 no início de maio e, no dia 11 de julho, valiam US$ 174.

Mas o que talvez faça da Beyond Meat um unicórnio entre os unicórnios seja o tamanho do seu prejuízo: somente US$ 6,6 milhões, de acordo com os primeiros resultados trimestrais divulgados.

Prometer crescimento primeiro e dar lucro depois funcionou em alguns casos célebres, como a Amazon. Mas, sem a determinação e o brilhantismo de Jeff Bezos, inúmeras outras empresas que ficaram pelo caminho (alguém se lembra da Pets.com?).

O Facebook também baseou seu modelo de negócios na expansão a todo custo. Mas a rede social tinha a seu favor o efeito de rede – se todos os seus amigos estão no Facebook, então não havia por que você continuar no Orkut.

Essa mesma barreira de entrada para os concorrentes não existe no caso do Uber, por exemplo: nada impede que você peça um carro do Uber hoje e um do Lyft (ou do Cabify, ou da 99) amanhã – afinal de contas os motoristas também usam todos esses aplicativos para conseguir corridas.

O sucesso momentâneo na Bolsa deve manter vivo o mito dos unicórnios – mas é no longo prazo que eles terão de demonstrar que são capazes de sobreviver por conta própria.

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Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York