“Shazam das indústrias”: startup que usa inteligência artificial para manutenção recebe R$ 17 milhões

A Tractian atende desde grandes fábricas até máquinas em aeroportos, esteiras de logística, hospitais e shopping centers

Mariana Fonseca

Leonardo Vieira (CCO), Igor Marinelli (CEO), Gabriel Lameirinhas (COO) e Bruno Felix (CTO), da Tractian

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SÃO PAULO – As indústrias não escaparam dos efeitos da pandemia: interrupção de jornadas de trabalho e paralisações de plantas industriais levaram à falta de insumos e desorganização da cadeia produtiva. Nunca foi tão necessário ser mais eficiente – e startups como a Tractian estão aproveitando.

A startup instala sensores e usa inteligência artificial (IA) para alertar as empresas sobre manutenções preditivas em seus equipamentos. O funcionamento rendeu uma comparação com o aplicativo Shazam, que revela o nome de uma música após escutar alguns segundos dela.

A IA é uma das tecnologias com maior potencial de promover mudanças na indústria nos próximos anos, segundo um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ainda segundo a pesquisa, o mercado de inovações para inteligência artificial movimentará US$ 60 bilhões ao ano no mundo até 2025.

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A proposta da startup atraiu não apenas 45 indústrias, de fábricas até shopping centers, mas também um novo investimento. A Tractian anunciou nesta terça-feira (1º) uma captação semente de R$ 17 milhões. O investimento irá para expandir a equipe da startup e para desenvolver sensores para mais tipos de máquinas.

Igor Marinelli, cofundador da Tractian, falou sobre a estratégia do negócio e planos futuros em entrevista ao Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney.

Manutenção preditiva na indústria

A Tractian foi criada pelos empreendedores Gabriel Lameirinhas e Igor Marinelli em 2019. Seus pais trabalham em plantas industriais, e citavam a falta de manutenção como um problema constante. Os colegas de faculdades já tinham tentado criar outros empreendimentos, como a plataforma de financiamento coletivo sem fins lucrativos Somos Todos Heróis e a startup de predição de doenças crônicas Blue. Como engenheiro de software na empresa de papel e celulose Klabin, Marinelli também desenvolveu um protótipo para prever quando uma máquina ia quebrar.

“Além dessa experiência na Klabin, uma extensão da graduação em engenharia da computação na Califórnia também abriu meus olhos. Vi startups de hardware que inclusive viraram unicórnios, um feito que não é comum no Brasil”, diz o cofundador. Uma inspiração da Tractian é a Uptake, startup americana que desenvolve uma plataforma de análise preditiva para prevenir falhas em processos produtivos. O negócio captou US$ 218 milhões com investidores, segundo a base de dados Crunchbase.

Lameirinhas e Marinelli investiram R$ 100 mil no negócio, recursos vindos de poupança e da venda de dois automóveis. A Tractian é uma evolução do protótipo da Klabin, atendendo diversas indústrias de diversos portes – desde grandes fábricas até máquinas em aeroportos, esteiras de logística, hospitais e shopping centers.

A startup instala sensores que medem temperatura e vibração em bombas hidráulicas, compressores e motores. A plataforma da Tractian acompanha os sensores em tempo real e alerta para problemas como consumo exagerado de energia, desbalanceamento e falta de lubrificação com 75% a 95% de assertividade.

A tomada de decisão vem de uma tecnologia proprietária de inteligência artificial da Tractian, que faz a análise de dados de problemas anteriores, realiza simulações e propõe soluções para evitar ocorrências similares.

As empresas pagam uma mensalidade para usar a solução de hardware e software. O tíquete médio mensal é de R$ 9 mil. “Vamos colocando mais alertas e assim cuidamos de toda a manutenção do cliente. A estratégia aumenta o lifetime value [dinheiro que cliente gera em seu relacionamento com a empresa] e reduz o churn [taxa de desistência de um produto ou serviço]”, diz Marinelli.

O cofundador estima que o mercado de manutenção industrial some R$ 80 bilhões, a partir de informações da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Metade do valor seria movimentado por 450 mil pequenas e médias indústrias pelo país. São negócios que têm entre 100 e 1.000 funcionários, segundo Marinelli.

“Nosso foco está em PMEs inclusive em mercados adjacentes, como Argentina e Chile. O foco nas grandes gera mais vulnerabilidade por mudanças na gestão. Perder um cliente que gera R$ 90 milhões por mês é um baque bem maior do que um de R$ 9 mil por mês. O ciclo de vendas também é mais rápido nas pequenas e médias indústrias”, diz o cofundador.

A Tractian começou a operar em abril de 2020. Segundo Marinelli, a pandemia trouxe demissão de técnicos e uma comunicação mais assíncrona – um contexto que teria aumentado a procura pela startup. Hoje, a Tractian atende 45 indústrias de segmentos como agronegócio, alimentação, hospitais e shopping centers.

“Não parece um número enorme na comparação com outros softwares como um serviço. Mas temos a particularidade de atender um cliente difícil de abrir as portas: existem empresas com anos de história na indústria que atendem o mesmo número de clientes que nós”, diz Marinelli.

Mesmo assim, os planos de expansão são ambiciosos. Em 18 meses, a startup espera atender 600 indústrias. Em cinco anos, 5 mil indústrias. Entre maio e dezembro de 2021, a Tractian projeta quintuplicar seu faturamento com a aquisição de clientes. A internacionalização também está nos planos. “Não estamos tão focados em upsell [venda de produtos mais caros], mas em fincar bandeiras nas indústrias. Nosso lifetime value já consegue provocar esse aumento de receita”, diz Marinelli.

Mas existem diversos concorrentes para a Tractian. Keyence (Japão, 1974) e TOTVS (Brasil, 1983) são empresas de tecnologia com mais tempo de mercado e que oferecem soluções de manutenção preditiva para a indústria. Alguns exemplos de startups brasileiras que competem com a Tractian são Dynamox (2007), GoEPIK (2017) e Ubivis (2014).

R$ 17 milhões para equipe e desenvolvimento

O novo investimento ajudará nos planos da Tractian. A startup já tinha captado R$ 400 mil com investidores anjos e R$ 2 milhões com fundos em uma rodada pré-semente. Entre os investidores estava a Y Combinator, aceleradora do Vale do Silício que abrigou negócios como Airbnb e Rappi. Foi a Y Combinator que comparou a Tractian ao aplicativo de músicas Shazam.

O aporte semente atual, de R$ 17 milhões, foi realizado pelo family office de grupos do setor industrial Citrino; pelo DGF Investimentos, fundo que investiu em negócios como a RD Station; e por Cláudia Massei, CEO da empresa de tecnologia para indústria Siemens no Omã.

“Pensávamos em captar lá fora, pelos poucos investimentos e poucas startups de hardware no Brasil. Mas a DGF apareceu com uma proposta bem diferenciada: eles já tinham investido na Pollux Automação, uma startup de hardware vendida para a Accenture”, diz Marinelli. “Já o Citrino entra com experiência em gestão de fábricas, enquanto a Cláudia é uma executiva de ponta e que conhece canais de distribuição para clientes industriais.”

“Nestes dois anos de existência, a Tractian já conseguiu inserir sua solução em indústrias extremamente importantes para a economia brasileira. Essa trajetória da empresa nos chamou a atenção, pois é nesse estilo de companhia que temos nossas premissas de investimentos: uma startup de tecnologia, receita recorrente e com soluções que cheguem a quem mais precisa. Para nós é sempre uma satisfação encontrar um time que, apesar de muito jovem, já conquistou uma grande relevância no mercado e possui potencial para crescer ainda mais”, escreveu em comunicado sobre o aporte Frederico Greve, sócio da DGF Investimentos.

“Quando eu era diretor de operações, a vida do gestor era muito mais difícil. Tínhamos que conversar regularmente com os técnicos de manutenção via grupos de WhatsApp para que informassem as falhas e fizessem as inspeções nas máquinas. Com a ferramenta desenvolvida pela Tractian, que usa­ inteligência artificial para manutenção preditiva, a rotina de todos os envolvidos na operação de uma indústria ficou mais fácil”, completou no mesmo comunicado Marcelo Cabral, sócio da Citrino.

“Hoje em dia, manutenção preditiva é, de certa forma, um luxo para empresas que querem evitar imprevistos e dores de cabeça causadas por panes em máquinas. Num futuro não tão distante, manutenção preditiva será uma questão de vantagem competitiva. Será o diferencial de uma empresa que entrega o produto fabricado no dia e hora prometidos ao cliente, ou aquele de uma empresa que mantém os custos operacionais dentro do orçamento planejado. Previsibilidade será chave num mundo cada vez mais digital, e a tecnologia da Tractian está bem posicionada para ajudar empresas nacionais e internacionais”, finalizou Cláudia no comunicado.

O aporte semente será usado para contratações e desenvolvimento de hardware. A Tractian pretende expandir de 30 para 100 funcionários. O negócio também pretende atender mais tipos de máquinas. “Desenvolver produtos leva muito tempo, o que nenhuma startup tem, ou muito dinheiro”, explica Marinelli. Um quarto dos 100 funcionários serão engenheiros de hardware.

Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.